Especialistas alertam para a ansiedade e o estresse gerados pela tecnologia

É inegável a agilidade que eles trazem à rotina, mas uso exagerado de aparatos tecnológicos pode levar a prejuízos no trabalho e na vida pessoal. Nesses casos, é preciso buscar equilíbrio e ajuda

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Gustavo Perucci - Estado de Minas Publicação:03/05/2016 13:41Atualização:03/05/2016 13:47
Um mundo hiperconectado, imediatista, com um volume de informações cada vez maior parece justificar esse boom de ansiedade na população (EM / D.A Press)
Um mundo hiperconectado, imediatista, com um volume de informações cada vez maior parece justificar esse boom de ansiedade na população
A suspensão do aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp por 72 horas em todo o Brasil – impetrada pela Justiça de Sergipe ontem, alegando precisar de dados do aplicativo para desbaratar uma quadrilha –, levou milhares de brasileiros à histeria. A maioria correu para buscar alternativas gratuitas para conversar de forma ágil, por meio de outros apps.

Um mundo hiperconectado, imediatista, com um volume de informações cada vez maior parece justificar esse boom de ansiedade na população. Chegamos a culpar a tecnologia pela sensação de falta de tempo e estresse, mesmo sem podermos negar a facilidade e o conforto que os novos recursos nos oferecem.

Para se ter ideia, ansiolíticos são os medicamentos controlados mais usados no Brasil. O país é o maior consumidor do mundo de uma marca específica, que chegou a figurar entre os 10 remédios mais vendidos nas farmácias. Em 2015, foram comercializados 23 milhões de caixas desses remédios, que têm com princípio ativo o clonazepam, de acordo com a IMS Health, entidade privada especializada em informações da área da saúde. Para se ter uma ideia do crescimento, em 2007, foram vendidas 29 mil caixas.

Vivemos, desde meados dos anos 1960, no período chamado de era da informação, pós era industrial, caracterizada pela acentuada e contínua evolução tecnológica. E, para quem nasceu antes da internet, computadores e smartphones, ficam claros os impactos sociais, econômicos, políticos e psicológicos desses novos tempos. “Já temos que lidar com um volume maior de informações sobre todas as coisas desde a metade do século passado. E acho que é nessa linha que a tecnologia acaba se inserindo, de facilitar o acesso a essas informações e o contato com outras pessoas, de ficar disponível 24 horas por dia. Em inglês se chama information overload, ou sobrecarga de informação. E acabamos ficando muito sobrecarregados mesmo”, explica o psiquiatra Daniel Tornaim Spritzer, fundador e coordenador do Grupo de Estudos de Adições Tecnológicas (Geat), do Rio Grande do Sul.

nova realidade Mas as novas tecnologias influenciam em nosso comportamento? O acesso irrestrito a notícias, e-mails, redes sociais e mensagens instantâneas estressa? Estar conectado o tempo todo pode levar a transtornos mentais, como depressão e ansiedade? “Funcionamos de acordo com as realidades sociais em que estamos inseridos. Você tem uma nova realidade que é fundada com a internet. A realidade virtual faz parte de nossas vidas e é absolutamente real. Somos afetados subjetivamente, psicologicamente. E isso produz novas formas de pensar, novos comportamentos e formas de sentir”, diz Márcia Stengel, professora do programa de pós-graduação de psicologia da PUC Minas.

Há 10 anos pesquisando a dependência de tecnologia, Spritzer explica que o assunto está sendo levado cada vez mais a sério pela comunidade científica. O psiquiatra, porém, não acredita que só novos recursos tecnológicos possam levar a um transtorno. “São ferramentas criadas pelos homens, para homens e que os homens adoram. Essa facilidade toda que temos com tecnologias incríveis tem custo. Às vezes, os problemas estão nas características do ser humano se relacionar com tudo o que é novidade. O desafio para toda a sociedade é conseguir equilibrar essa balança de maneira que consiga aproveitar ao máximo os benefícios e ter o mínimo de prejuízo”, completa.

PREJUÍZOS Mais que aumentar o risco de doenças de saúde mental, a tecnologia aparece como um novo canal para externar problemas do ser humano. E, com o acesso cada vez mais fácil a smartphones, computadores, games e internet, é natural que certos comportamentos criem conexão com o uso desses recursos. Foi isso que a psicóloga Márcia Stengel observou ao estudar os relacionamentos sociais dos adolescentes na internet. “Quando perguntávamos o que sentiam quando não conseguiam se conectar, eles relatavam um sentimento de ansiedade, raiva, nervosismo. Diziam sentir que não estar conectado era como estar fora do mundo, principalmente das redes sociais.”

Para Márcia, questões sobre estar inserido, ser aceito e 'curtido' são mais importantes para os adolescentes que para os adultos. E o ambiente virtual, conectado e imediatista, potencializa nossas reações. “Digo que a internet amplia determinadas coisas que já existem em nossas vidas. Esses comportamentos não são novidade, no sentido de nunca existir isso. Isso ocorre porque você consegue abarcar um número muito maior de gente instantaneamente”, complementa.

Quando o uso passa a trazer prejuízo para a vida da pessoa é que deve haver preocupação. Um jovem virar a madrugada no videogame não é, necessariamente, indício de problema. Se o uso contínuo do jogo eletrônico começa a atrapalhar com frequência outras atividades, como a escola e a vida social, já pode significar falta de controle. Pesquisa realizada na Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, com 200 estudantes, demonstrou que vários deles apresentaram sintomas como ansiedade, sensação de isolamento e até coceira ao ser privados, por um dia, de aparatos tecnológicos. A reclamação mais comum era o fato de não acessarem aplicativos de mensagens de texto, e-mail e redes sociais. A dependência em estar conectado já até ganhou nome: nomofobia.

Daniel Spritzer esclarece que é preciso, como tudo na vida, fazer uma diferenciação entre o uso e o abuso das tecnologias. Como esses recursos estão inteiramente inseridos no dia a dia da população – em 2015, mais de 70 milhões de brasileiros utilizavam smartphones para acessar a internet, segundo estudo da Nielsen Ibope; mais de 50% das casas no país contam com acesso à rede mundial de computadores –, o diagnóstico de uma possível dependência é difícil. “É muito importante deixarmos claro que as novas tecnologias não ocasionam problemas de saúde mental. Só quando o uso é realmente muito intenso e disfuncional. Quando há uso anormal, patológico, que gera prejuízos, aí sim podemos falar que pode estar associado a transtornos mentais. E os sintomas mais comuns são perda de controle, quando a pessoa entra para ficar cinco minutos e sai duas horas depois; tenta parar e não consegue; se atrasa para compromissos, entre outras situações similares”, aponta.

Na visão de Aderbal Vieira Júnior, coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), “a própria ansiedade, na verdade, numa certa vertente, tem a ver com a impossibilidade de acessar o que se quer”. Segundo ele, a pessoa não está ansiosa quando está mexendo no celular. “Mas fica ansiosa quando está no trânsito, no cinema. Como qualquer dependência, a ansiedade não ocorre quando o caminho do uso está desimpedido. Basicamente, qualquer coisa que cause prazer, bem-estar, ou que, de alguma maneira, alivie um desconforto pode ser vivido numa dinâmica de dependência”, explica.

ENTREVISTA
Anna Lucia Spear King - psicóloga e fundadora do instituto delete, vinculado ao instituto de psiquiatria da universidade federal do rio de janeiro (Arquivo pessoal)
Anna Lucia Spear King - psicóloga e fundadora do instituto delete, vinculado ao instituto de psiquiatria da universidade federal do rio de janeiro
Anna Lúcia é pioneira nos estudos do impacto das novas tecnologias no comportamento humano no Brasil e criou o Instituto Delete, especializado em detox digital e uso consciente de tecnologias. Primeiro núcleo do tipo no país, conta com profissionais de várias áreas que, além de produzir estudos sobre o tema, oferece suporte e tratamento gratuito a quem faz uso abusivo dos aparatos.

A tecnologia pode gerar transtornos mentais?
Desde os anos 1990 para cá, vivemos uma enxurrada de novas tecnologias no cotidiano. E não estamos sabendo como lidar com essa tecnologia. No cinema, no teatro, no trânsito, no trabalho, em salas de espera de hospitais. Qualquer hora é hora de usarmos o celular. Temos esse produto, mas não sabemos nos comportar. Esse é o uso excessivo. Isso, associado a algum transtorno mental preexistente, como ansiedade, depressão ou angústia, é potencializado. Manifesto no computador, no celular ou no videogame a condição que já existe em mim.

As pessoas sabem lidar com a conectividade 24 horas e esse acesso irrestrito a dispositivos tecnológicos?
Foi justamente por isso que, em 2013, fundei o Instituto Delete. Recebemos pessoas com queixa de uso abusivo, que ficam no celular o dia inteiro. Chegam a dormir do lado do aparelho. Só que muitos não sabem discernir se são usuários abusivos por lazer ou trabalho ou se têm algum transtorno relacionado. Fazemos uma triagem médico-psicológica para o diagnóstico. Trabalhamos com tecnologia e acabamos usando computador, celular e a internet por muitas horas. Mas, quando chegamos em casa, conseguimos nos desligar um pouco, sem deixar de fazer atividades físicas ou de lazer. Mas muitas pessoas têm um transtorno associado e não sabem discernir o limite entre o uso e o abuso. Usam excessivamente e começam a ter prejuízo na vida pessoal, social e familiar.

Como é feito o trabalho no Instituto Delete?
É preciso diferenciar o uso por lazer ou trabalho do abusivo. Se a pessoa não tem transtorno mental associado, orientamos sobre o uso consciente: limitar as horas de uso, cuidados com a postura, privilegiar a vida real em vez da virtual, praticar atividades físicas. Quando o uso abusivo está relacionado a algum transtorno, oferecemos o tratamento médico-psicológico gratuito. Se a pessoa é ansiosa, compulsiva, deprimida, tem fobia social, tratamos o transtorno de origem.

As gerações mais novas são mais afetadas pelo uso indiscriminado de recursos tecnológicos?
Percebemos o uso abusivo mais em crianças e adolescentes. E os pais dessas crianças, que deveriam atuar na relação delas com a tecnologia, não tiveram essa ‘educação digital de berço’. Pais usando a tecnologia de maneira equivocada no dia a dia dão exemplo para as crianças. Adolescentes estão tendo problemas de coluna, visão e articulação correspondentes aos de uma pessoa de 70 anos, porque estão, desde cedo, sentados de maneira errada no computador, usando o celular, sem fazer atividade física.

Quais os problemas do uso abusivo das tecnologias?
Não somos contra as tecnologias, pelo contrário. Facilitam muito nossa vida, em todos os aspectos. Mas o uso indiscriminado pode trazer prejuízos físicos, como lesões na coluna, problemas de visão, obesidade. Não sabemos, inclusive, se as ondas eletromagnéticas do celular estão causando algum dano ao cérebro. Nem tempo hábil tivemos para estudos científicos. Somos cobaias de muitas pesquisas, das quais só saberemos os resultados no futuro. As pessoas toda hora abaixam a cabeça para olhar o celular, o que gera problemas grave na coluna cervical. Há ainda a distração que o celular ocasiona. Se você dirige a 80km/h e se distrai por quatros segundos para ler uma mensagem, percorre 100 metros sem olhar para a frente. Segundo Departamento Nacional de Trânsito, houve aumento de 400% no número de acidentes de trânsito pelo uso do celular no Brasil.

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