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Conheça a pinga mineira

Uma coisa é certa: Minas Gerais é sinônimo de aguardente de qualidade. Profissionais explicam essa excelência e indicam ainda 12 marcas da "marvada"

Marcelo Fiuza - Redação Publicação:06/02/2013 13:32Atualização:06/02/2013 15:32
O alambique de cobre é muito usado para manter a qualidade da cachaça (Geraldo Goulart)
O alambique de cobre é muito usado para manter
a qualidade da cachaça
Genuína bebida brasileira, a cachaça encontrou sua melhor expressão em Minas Gerais. Lá estão as tradicionais pingas de notória excelência, das quais a mais famosa e internacionalmente reconhecida é a Havana, de Salinas (que fica na região Norte do estado). Alguns produtores dizem que o segredo está na forma de se colher e moer a cana e no processo rigorosamente artesanal do alambique de cobre. Já pesquisadores dizem que variações de solo, temperatura e altitude são determinantes para se fazer uma boa aguardente, mas que há também boa dose de folclore na fama da “marvada” mineira. Entretanto, ainda não se conseguiu explicar, cientificamente, o que torna a cachaça de Minas única no mundo em paladar. Até agora, pois o assunto ganhou a academia e um grupo de doutorandos da Universidade Federal de Ouro Preto dedica-se atualmente a mapear o DNA da pinga mineira.

“É um doutorado interinstitucional entre a UFOP e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas, em ciências biológicas. Oito dos 11 doutorandos estão desenvolvendo trabalhos diretamente ligados ao tema ‘cachaça’”, informa o professor Rogélio Lopes Brandão, coordenador do curso ouro-pretano. Um dos alunos, diz o pesquisador, desenvolve tese sobre a influência da variedade da cana na qualidade da cachaça, a exemplo do que acontece com a uva e o vinho. “Um dos folclores da Havana é que o segredo seria o uso da cana java, mas ninguém fez um estudo, em condições controladas de produção, comparando essa espécie com outras desenvolvidas, por exemplo, pela Coopersúcar”, explica Brandão, citando a gigante empresa do setor sucroalcooleiro brasileiro.

Outra linha de pesquisa, diz o professor, procura mapear geneticamente espécies de bactérias endêmicas de uma determinada região, no caso, do município de Salinas, maior produtor do Estado. “Temos hoje cerca de 20 leveduras de Salinas isoladas. A ideia é identificar algumas boas espécies que possam ser utilizadas regularmente e isso se tornar uma marca registrada reconhecida. Estamos a caminho disso”, afirma o mestre.

Bioquímico consultado por inúmeros alambiques mineiros, Brandão é do tipo cético quanto à fama que ronda a cachaça mineira. “Não sabemos o que tem em Minas que faz a cachaça boa. Vivemos de uma lenda, um senso comum. Do ponto de vista puramente científico, comparando-se cachaças daqui e de outros Estados, e digo isso com muita tranquilidade, não há nada no processo produtivo que diga que essa é de Minas e aquela é da Bahia. Não há diferença. A cachaça minera é uma tradição, uma história, e deve explorar isso para agregar valor”, ensina o pesquisador, que pessoalmente é um apreciador da bebida e prefere as marcas do Estado.

O pesquisador Rogélio Lopes Brandão trabalha para entender o processo químico de produção da pinga de qualidade (Regiane Espírito Santo/Encontro)
O pesquisador Rogélio Lopes Brandão trabalha para entender o processo químico de produção da pinga de qualidade


Questionado sobre a aparente contradição entre a opinião do cientista e a do degustador, Brandão responde que a caracterização sensorial da aguardente é outra das teses em pesquisa no seu departamento. “Vamos ver o que tem dentro da cachaça do ponto de vista físico e químico, por que ela tem essa fama toda”, diz, lembrando que algumas pesquisas devem apresentar resultados ainda este ano.

Independentemente de qualquer aprovação científica, o fazendeiro Nivaldo Gonçalves das Neves, presidente da Associação dos Produtores Artesanais de Cachaça de Salinas (Anpacs) reforça que o segredo mesmo, além, claro, da “chuva no momento correto, do sol para apurar o açúcar e das características do solo”, está no processo ancestral ainda mantido nos alambiques da região. “É a forma de tratar a cana, de não fazer a queima do canavial para o corte, de realizar a moagem menos de 24h após a colheita, a destilação lenta e o uso do fermento caipira, que é à base de milho e arroz, sem qualquer aditivo químico. É por isso que a cachaça de Minas ganhou fama e agora esses doutorandos estão provando cientificamente por que ela é diferente das outras. É porque sempre foi feita assim”, reforça.

Mesma opinião tem o produtor Walter Caetano Pinto, um dos proprietários e responsável pelo padrão de qualidade da marca Germana, feita em Nova União. A marca existe desde 1982, mas a fazenda Vista Alegre, onde é feita, produz aguardente desde 1913. “Uma cachaça boa começa pela decisão de como será a destilação. Tudo que se destila pode virar cachaça ou álcool. A boa é aquela que corta e mói a cana no mesmo dia, usa fermento natural, a cana na quantidade de sacarose exata, o tempo exato de fermentação, a retirada da ‘cabeça’ e da ‘calda’, a opção de se trabalhar só com o ‘coração’ do destilado”, afirma.

Para Caetano Pinto, com o passar dos anos esse cuidado no preparo da bebida justificou a fama da pinga mineira. “Minas Gerais optou não por fazer quantidade, mas qualidade, e esse foi o pulo do gato”, diz o diretor da marca famosa também pela embalagem em palha e que é exportada para países como Inglaterra e África do Sul. Segundo o produtor, o mercado está em crescimento e, para atender à demanda, seu alambique desenvolveu o que chama de “artesanal otimizado”. “É a tecnologia aplicada a um produto tradicionalmente feito de maneira rústica. Investimos em qualidade e higiene, sem alterar o conceito de produção artesanal”, explica o empresário, que destila em torno de 150 mil a 200 mil litros por ano. Todos produzidos na própria fazenda, afirma. “Estamos caminhando para criarmos uma espécie de cooperativa de produtores, mas até o momento trabalhamos exclusivamente com nosso produto de Nova União”, garante.

Filho de Anísio Santiago (1912-2002), o criador da Havana na década de 1940, Oswaldo Santiago concorda com o colega da Germana sobre a excelência da pinga mineira estar associada ao processo produtivo. “A fama vem da qualidade, resultado da perseverança e do modo de fabricar, o jeito de envelhecimento. E muito asseio, asseio, asseio...”, ensina o atual proprietário da fazenda Havana e que mantém a tradição da família. Oswaldo também acredita que quantidade não é qualidade e produz anualmente cerca de 15 mil litros de cachaça, com os quais envaza apenas 6.000 garrafas. “O resto vai para o envelhecimento”, ensina.

Oswaldo explica que a cachaça Havana e a Anísio Santiago, produzidas pela fazenda Havana, são exatamente a mesma pinga, com diferença no tempo de envelhecimento em tonéis de bálsamo. A Anísio Santiago é vendida a partir de R$ 100 a garrafa. Já a Havana demora pelo menos 10 anos para ser engarrafada e custa a partir de R$ 400. “É uma cachaça idônea, misturamos a velha e a nova”, afirma o produtor. Ele segue os ensinamentos do pai, para quem a produção da cachaça deveria ser algo tranquilo no cotidiano da família. “Papai nunca visou a Havana como meio de vida, era apenas uma marca que ele quis lançar para ter o nome dele. E por isso teria de ser uma boa cachaça”, diz Oswaldo que, modesto, divide a fama com seus conterrâneos. “É, nossa cachaça está entre as melhores. Mas em Minas todas são boas”.

Conheça algumas cachaças mineiras

Com palpites do professor Rogelio Brandão e do produtor Nivaldo Neves, selecionamos 12 das mais importantes cachaças de Minas Gerais, levando em conta região de origem, tradição, presença no mercado e originalidade.

 (Editoria de Fotografia)
AMBURANA

Produzida em Januária, no Norte de Minas, é bebida forte (47% de graduação alcoólica) e de muita personalidade. O sabor pronunciado é resultado do envelhecimento em tonéis de amburana (Busera leptophleos), uma espécie de cerejeira do caatinga. Excelente para a tradicional caipirinha.















 (Editoria de Fotografia)
ANÍSIO SANTIAGO

Marca de excelência em Salinas, no Vale do Jequitinhonha, nasceu junto com a irmã célebre Havana, nome também da fazenda onde ambas são produzidas desde a década de 1940. Envelhecida em tonéis de bálsamo, possui graduação alcoólica de 47%. Pela pureza e raridade, deve ser bebida pura.
















 (Editoria de Fotografia)
CANARINHA

Outra cria ilustre de Salinas, é produzida na fazenda Noé Santiago (sobrinho do criador da Havana). Passa por sucessivos manejos no envelhecimento em madeira de bálsamo por até seis anos, quando é engarrafada. Cachaça suave, cai bem em drinques.
















 (Editoria de Fotografia)
DONA BEJA

Desde 1970 a fazenda Bom Retiro de Indaiá, em Araxá, no Triângulo Mineiro, fornece a Dona Beja envelhecida por três anos em tonéis de carvalho negro de Portugal e de madeira de amendoim – sua apresentação clássica, de sabor inigualável.


















 (Editoria de Fotografia)
GERMANA

Uma infinidade de batidas e drinques pode ser feita com o produto da fazenda Vista Alegre, em Nova União, região Central do Estado. A marca e sua pitoresca garrafa coberta por palha de milho existem desde 1982 – tradição do alambique da época em que a forração da palha era necessária para o transporte da bebida em lombo de mulas.















 (Editoria de Fotografia)
HAVANA

A mais famosa e cara cachaça do país vem de Salinas. Possui excelência no processo artesanal de produção, desde a seleção, colheita e moagem da cana java até o sucessivo remanejo em vários tonéis de madeira. É vendida com envelhecimento mínimo de dez anos. Forte (47%), mas de sabor suave, é a quintessência da cachaça brasileira e deve ser saboreada pura.
















 (Editoria de Fotografia)
LENDA MINEIRA

O Vale do Rio Doce também tem sua nobre representante no rol das boas cachaças mineiras. Feita em no município de Tarumirim a Lenda Mineira faz juz ao nome após ser armazenada em tonéis de amburana por dois anos, o que lhe confere um tom amarelo dourado e um teor alcoólico de 45%.


















 (Editoria de Fotografia)
MILAGRE DE MINAS

Da antiga Vila Rica vem essa cachaça nobre, de sabor diferenciado resultante da original composição do destilado puro com uma seleção de 15 ervas, como a espinheira-de-santa, canela sassafrás e catuaba. O sabor é suave, bem como a graduação alcoólica (45%) e, por isso, é servida pura, tanto como aperitivo como ótimo complemento após a refeição principal.
















 (Editoria de Fotografia)
MONTANHESA

A cachaça Montanhesa é fabricada na centenária Fazenda Boa Vista, em Araguari, no Triângulo Mineiro, e passa por armazenamento durante quatro anos em tonéis de jequitibá-rosa e bálsamo. A tonalidade clara e baixo teor alcoólico (40%) são características da bebida.

















 (Editoria de Fotografia)
RAINHA DO VALE

Produzida em Belo Vale, município próximo à capital mineira, descansa em jequitibá e madeira neutra, na versão clássica, e em carvalho, na Ouro, ambas de paladar e aromas pronunciados. Muito apreciada em caipirinhas.

















 (Editoria de Fotografia)
SELETA

Popular cachaça de Salinas, no Vale do Jequitinhonha, mantém as características artesanais desde 1970, apesar da produção em larga escala que hoje sai a fazenda Olaria – de onde também vem a Boazinha. Cabe bem em qualquer ocasião, seja pura, com aperitivos ou na caipirinha.

















 
 (Editoria de Fotografia)
VALE VERDE

De uma antiga fazenda transformada em parque ecológico em Betim, na região Metropolitana de Belo Horizonte, vem essa premiada marca, que une tecnologia a tradição para produção de uma cachaça equilibrada e de personalidade, envelhecida em tonéis de carvalho.
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