A empresária e professora de ioga Simone Las Casas tem um quadro de anotações em seu escritório. Mas nele não há datas cheias de compromissos, esboços de ideias para projetos ou recados profissionais. Lê-se apenas: "obrigada, obrigada, obrigada". Daí já se percebe que ela é uma das adeptas do tão badalado movimento de "gratidão". Além de escrito no quadro, o conceito é o primeiro que vem à mente dela ao acordar e o último antes de dormir. E, claro, vez ou outra, está presente em posts nas redes sociais. Afinal, sentida de forma sincera, diz ela, a gratidão é capaz de melhorar o humor e a saúde.
"Já briguei muito comigo mesma, com meu egocentrismo e egoísmo. Mas aí entendi que nem tudo está em minhas mãos. Quando percebemos que tudo está certo como está, que o que existe é o momento presente, sentimos gratidão pelo que temos e, a partir daí, ficamos inclusive mais felizes", afirma.
A experiência de Simone não é única. Cientistas como o psicólogo Robert Emmons, da Universidade da Califórnia, em Davis, têm pesquisado a relação entre gratidão e felicidade, demonstrando que existe alguma ligação entre os sentimentos. Segundo Emmons, a gratidão leva à celebração do presente, ao fortalecimento de relações interpessoais, o que conta muito para uma pessoa lidar com o estresse e, em última instância, ser feliz. Além disso, em suas pesquisas, identificou que pessoas que cultivam a gratidão são menos incomodadas por dores, ficam mais alertas, mais otimistas e experimentam mais emoções positivas.
A empresária Simone Las Casas diz que praticar o sentimento teve efeitos concretos em sua vida: "Quando entendi que o que existe é o momento presente, eu me senti grata e inclusive mais feliz"
Em uma perspectiva mais espiritual, o monge beneditino austríaco David Steindl-Rast (cuja palestra sobre gratidão no evento TED Talks teve mais de 5 milhões de visualizações) diz que o sentimento vem de compreender que cada experiência que se vive é um presente, ou seja, sente-se gratidão, na verdade, pela oportunidade de cada momento - sendo o maior presente o fato de que sempre temos novas oportunidades.
E o melhor: segundo pesquisadores comportamentais - e até segundo Steindl-Rast -, gratidão é prática. É possível olhar para dentro, refletir, exercitar o pensamento positivo e, eventualmente, aflorar o sentimento. Mesmo quando acontecimentos negativos ocorrem, a ideia é encará-los de forma diferente, escolhendo não sucumbir.
Talvez por isso o termo esteja tão em alta nas redes sociais. Além de usuários colocarem a hashtag em publicações das mais variadas, também há alguns "desafios" sendo propostos, como gratidão em 21 dias, em 30 dias, um ano. A ideia é postar diariamente, pelo tempo sugerido, itens pelos quais a pessoa se sente grata.
O psicólogo e coach comportamental Ghoeber Morales, fã da hashtag, diz que seu uso tem acompanhado uma "onda do bem" percebida nas redes. "Tem muita gente cansada dos noticiários repletos de eventos negativos, catastróficos e cheios de tragédias. E há muita informação sendo difundida sobre a mudança de foco para atitudes positivas e boas ações. Isso contribui para que as pessoas fiquem mais sensíveis e atentas ao sentimento de gratidão", diz.
O coach comportamental Ghoeber Morales é fã da hashtag: "É uma forma de colocá-lo mais sensível ao que de bom você tem, ao que de positivo acontece com você"
Para ele, ainda que as pessoas coloquem a palavra na rede apenas no intuito de seguir uma modinha, isso pode ser um método de treinar e sentir-se aberto para o sentimento. "É uma forma de colocá-lo mais sensível ao que de bom você tem, ao que de positivo acontece com você, deixa-o mais consciente daquilo que realmente importa. Sentir-se grato é uma forma de se sintonizar com aspectos engrandecedores da nossa existência", diz. "E, quando nos sentimos gratos, nosso corpo responde com sensações amenas, de leveza, de satisfação."
Se existe um movimento em BH fortemente associado à gratidão é o bloco de carnaval Pena de Pavão de Krishna. Com foliões pintados de azul, entoando mantras e músicas espirituais, ele é a materialização dessa proposta. "Não temos o slogan gratidão, mas tentamos conectar nossas músicas com temas mais elevados, numa vibração mais alta. Então, a gratidão flui naturalmente", diz uma das fundadoras do bloco, a artista Flora Rajão.
Ela admite o hype do termo, do qual muita gente tem preguiça, pelo excesso de utilização. No entanto, enfatiza a importância não só do sentimento, mas também da semântica da palavra "grato" em comparação ao seu sinônimo mais popular, "obrigado". Enquanto o último vem da expressão "fico-lhe obrigado", ou seja, ficar ligado a alguém pelo favor que foi feito, o primeiro vem do latim gratia, que significa graça. Seria, portanto, o reconhecimento de uma dádiva - sem obrigações envolvidas.
Flora Rajão, uma das fundadoras do bloco de carnaval Pena de Pavão de Krishna, de BH: "Tentamos conectar nossas músicas com temas mais elevados. Então, a gratidão flui naturalmente"
A psicóloga e psicanalista Paula de Paula, professora da PUC Minas, vê esse movimento nas redes como algo midiático, característico da contemporaneidade, apenas no intuito de dar testemunhos públicos sobre o que se faz e se pensa. Além disso, afirma que muitas pessoas querem adquirir a virtude para ganhar algo com ela - ser mais feliz, ser melhor -, sendo que virtudes não estão no nível da troca. "Essa ideia de que é possível ‘treinar’ a gratidão faz parte de um movimento de economia psíquica, muito ligado ao capitalismo. As pessoas estão procurando o que fazer para ser mais felizes. De fato, elas podem ter a impressão de estar mais felizes, mas, também, quais são os critérios avaliados?", questiona. Para a psicanálise, diz ela, é muito singular a forma como cairá a ficha da gratidão para cada um. Opiniões à parte, o que ninguém pode questionar é que, como sentimento, a gratidão vale mesmo a pena.