A família vive em ambiente agitado, tenso, estressado? Se sim, o filho tende a ter um comportamento mais agitado. Ninguém nasce hiperativo
E:E por que essa dificuldade dos pais em dizer “não”?IL: Na sociedade consumista atual, o pensamento da família é de que a criança deve poder ter tudo. É comum ouvir frases como “coitada da criança que não tem” ou “dá para ele, coitadinho”. Os pais ficam perdidos, sentem culpa de não estarem lá o tempo todo para educar os filhos. A televisão divulga diversas informações, muitas vezes com o objetivo de vender, e os médicos querem medicar as crianças por qualquer motivo – qualquer caso é diagnosticado como depressão ou TDAH. Além disso, a escola não vai comprar essa briga de educar sozinha os alunos, se os pais não o fazem. Realmente é difícil, mas ser pai não é fácil mesmo. Educar é o maior desafio de todos.
E:Quais são os sintomas de que algo não vai bem com a criança?IL: Um dos principais é o jovem ficar antissocial, isolado, com convivência social muito restrita. Não criar elo com os outros. Hoje, ficou um pouco mais complicado de avaliar, por causa do computador e do smartphone, que entretêm crianças e jovens por horas dentro do quarto. Mas os pais precisam ficar atentos, observar e conversar muito com os filhos. Se veem que o jovem tem esse comportamento de forma excessiva, devem procurar um especialista.
E:E como saber o que é excessivo?IL: É excessivo quando passa do limite determinado pelos pais. Se o combinado é a criança não ficar mais de duas horas por dia no computador, por exemplo, e ela não cumpre, tem de haver restrição, e a criança tem de respeitar. Não tem dessa de não aceitar. Então é preciso ver como o filho reage ao comportamento disciplinar dos pais também. Se foi educado dentro dos limites desde pequeno, ele vai obedecer.
E:Como a senhora orienta que os pais disciplinem os filhos?IL: Os pais devem estabelecer leis, explicar quais são elas, e as fazer valer. A criança não quer sair do computador? Tem de desligá-lo, cortar o acesso à internet, fazer entender que há consequências. Não dá para abrir mão dos limites.
E:Em relação à depressão, outro grande temor dos pais, como evitar a ocorrência em crianças e adolescentes?IL: Há uma cobrança enorme dos pais em cima das crianças, uma expectativa exagerada deles em relação aos jovens: cobrança de nota, de passar no Enem, de ganhar dinheiro, de ser bem-sucedido, de fazer inglês... Todos esses valores que hoje estão consagrados pela sociedade de consumo e que exercem pressão no jovem. Já os filhos se frustram por não corresponderem a essa expectativa. E há pais que não abrem possibilidade de diálogo. Mas o ser humano não é um computador que se programa; não é objeto. É preciso ficar atento a seu filho e dialogar. Os pais têm de passar valores, sim, mas isso não significa pressionar. Nem todas as crianças são iguais, não dá para obrigar alguém a ficar em uma escola se ela não se adapta, por exemplo. Não funciona assim.
E:E quais seriam os sintomas da depressão em crianças e jovens?IL: Se o menino ou menina estiver apático, comendo pouco, desanimado, indo mal na escola, desatento. Repito, os pais precisam estar atentos a esses sintomas. E não adianta medicar sem acompanhamento terapêutico. É preciso deixar a criança falar.
E:Apenas comportamentos de isolamento e tristeza são preocupantes? Ou também no outro espectro, como euforia e agitação, podem preocupar?IL: Comportamentos de atividade excessiva, agitação, também devem ser observados. No entanto, hoje, qualquer criança que tem comportamento proativo, enérgico, é diagnosticada como hiperativa e medicada. É preciso antes avaliar se ela age dessa forma por ser muito estimulada em casa. A família vive em ambiente muito agitado, tenso, estressado, com correria? Se sim, o filho tende a ter um comportamento mais agitado. Ninguém nasce hiperativo. Então os pais também têm de mudar. Tenho pacientes cujos pais acordam e a primeira coisa que fazem é ligar a televisão. Esse não é um ambiente tranquilo. Como esperar, então, que o filho seja?
E:Como explicar casos como o da tentativa de assassinato de Ana Hickmann?IL: Apesar de não conhecer a situação a fundo, casos assim costumam envolver um quadro de delírio, de obsessão. A pessoa atua fora da realidade, em um quadro de psicose paranoica, de erotomania [delírio em que uma pessoa acredita que outra está apaixonada por ela]. Uma pessoa psicótica, que não aceita o não, entra no delírio de ser correspondida. E pensa “como alguém poderia não estar apaixonada por mim?”, por exemplo. Outra característica importante da psicose é que o sujeito não sente culpa, já que não internalizou a lei, não tem código de convivência. Por isso, pessoas nessa situação e – importante – sem tratamento matam com facilidade.
E:Esse quadro se desenvolve de uma hora para a outra?IL: Não. A partir dos 7 anos de idade, essa orientação já é definida e dá para perceber sinais. O que acontece quando a pessoa tem uma atitude exagerada, como matar, é que ela passa ao ato, ou seja, chega às vias de fato.
E: E o fato de muitas vezes envolver uma celebridade? IL: É preciso considerar que estamos inseridos na sociedade do espetáculo, em que todos querem 15 minutos de fama, uma cultura narcisista. E a escolha do objeto de desejo é contaminada pela cultura: escolhe-se alguém rico, famoso, que aparece na TV – e não a vizinha de porta.
E: A internet e as redes sociais podem influenciar nesse processo?IL: Acredito que sim. A internet e as redes sociais são muito focadas na imagem. Captura-se a atenção, na rede, por meio da imagem. Nesse sentido, podem potencializar o sintoma. Além disso, favorecem o “contato” com a celebridade, mas que também não corresponde a essa obsessão, fazendo com que a pessoa se sinta rejeitada. Além do mais, estamos na cultura dos excessos, em que artistas são vendidos como mercadorias, objetos de consumo. Isso também contribui. Contudo, é preciso lembrar que isso não é recente. O psicanalista Jacques Lacan relatou, em 1932, o “caso Aimée”, de tentativa de assassinato de uma atriz por uma funcionária pública.
E: Deve-se desconfiar quando o jovem tem um ídolo?IL: Ter ídolo, por si só, não é um problema. É até interessante. É uma referência simbólica do mundo da cultura, da arte, da intelectualidade. O problema é quando se torna uma fixação, uma obsessão.
Quando acontece uma tragédia como essas, a sociedade cobra dos pais por não terem notado sintomas nos filhos. Eles deveriam ter percebido?
Não é tão simples que se possa apenas procurar sintomas genéricos em todos os jovens. Sintomas não são objetivos, mas sim individuais e subjetivos. O delírio também é específico de cada um, tem a ver com sua própria história. Assim, o diagnóstico também não é mecânico, nem rápido. No entanto, pais têm de estar atentos o tempo todo a sinais estranhos, comportamentos que saltem aos olhos, que diferem do que se espera do filho. E, se acharem que algo não está dentro do esperado, devem procurar um especialista. O jovem pode fazer terapia, e até mesmo os pais. O perigo é a pessoa não se tratar.
E: Casos de suicídio entre crianças e adolescentes estão preocupando...IL: Sim, é consenso que esses números estão aumentando. Inclusive, muitos especialistas veem como equívoco da imprensa não divulgar esses acontecimentos, justamente porque não revela o cenário. Em parte, esse quadro tem a ver com a pressão do mercado, a expectativa de ter de ganhar dinheiro, a competição. Isso porque a concorrência está cada vez maior. Mesmo entre jovens que estudam em boas escolas, fazem inglês, etc., já que antes isso era um diferencial e hoje não necessariamente. Além disso, há, claro, outros fatores individuais. Há quem não concorde com esse estilo de vida e queira viver por outro modelo, com o qual os pais não estão de acordo, por exemplo.
E:O que seriam outros motivos?IL: A questão da homossexualidade ainda é difícil em muitas famílias. Apesar de as pessoas estarem assumindo mais a orientação sexual, isso não necessariamente vem acompanhado de aceitação dos pais. O mundo está mais conservador.
E: A falta de referência na política, com tantos casos de corrupção, pode influenciar o comportamento do jovem?IL: Pode contribuir para a depressão nos jovens, na medida em que bloqueia perspectivas, cria um clima de desânimo e de desamparo. A saída, nesse sentido, é os jovens se engajarem em movimentos sociais que lutem por propostas nas quais eles acreditam. Alienar-se é pior. Na luta, eles encontram outros que vivenciam as mesmas frustrações.