• (0) Comentários
  • Votação:
  • Compartilhe:

Literatura »

Por trás da alma de Da Vinci

Pesquisador descobre facetas e comportamentos do gênio da pintura, que também poderia ter sido grande cientista

Fernanda Nazaré - Redação Publicação:16/01/2013 16:44Atualização:16/01/2013 18:49

Estudo de um cavalo, dos diários de  Leonardo - Royal Library, Castelo de Windsor (Reprodução)
Estudo de um cavalo, dos diários de
Leonardo - Royal Library, Castelo de
Windsor
Na paixão por desvendar a mentalidade de um dos maiores artistas e pensadores que já existiu, o físico e teórico de sistemas Fritjof Capra desnuda Leonardo da Vinci em seu mais novo livro, que promete se tornar best-seller. Em entrevista exclusiva para o site Encontro Brasília, o escritor austríaco mostra porque o italiano do século XIV é tão fascinante.

Em A Alma de Leonardo da Vinci, Capra apresenta ao leitor o Da Vinci como pesquisador sistêmico, que acreditava na compreensão de fenômenos através da conexão com outros, trabalhando em diversos problemas simultaneamente, sempre preocupado com as similaridades de formas e processos nas diferentes áreas de investigação.

Segundo o autor, Leonardo trabalhava sozinho e em segredo. Não publicava nenhum de seus achados e só raramente datava suas notas. Pioneiro do método científico moderno, não via a ciência como um empreendimento coletivo, solidário. Portanto, só ele mesmo sabia dos avanços de sua ciência. Os estudiosos da atualidade precisaram se empenhar num meticuloso trabalho de investigação para reconstituir a evolução do pensamento científico de Da Vinci. Pesquisadores calculam que a coleção de cadernos de Leonardo chegava a 13 mil páginas na época de sua morte: porém, nada foi publicado.

À Encontro, Capra tenta contar mais um pouco sobre o misterioso gênio italiano, que não se preocupou em mostrar ao mundo sua faceta de grande pesquisador, e sim, em desvendar o universo e seus fenômenos.

Fritjof Capra: 'Não planejei estudar as obras de Leonardo por 10 anos, mas quanto mais me aprofundava nas pesquisas, mais fascinado eu ficava', afirma o autor (Divulgação)
Fritjof Capra: "Não planejei estudar as obras
de Leonardo por 10 anos, mas quanto
mais me aprofundava nas pesquisas, mais
fascinado eu ficava", afirma o autor
Encontro Brasília –
O que Da Vinci mais lhe intrigou para que dedicasse tanto tempo e esforço em desvendar não só sua obra, mas também a forma de pensar?

Fritjof Capra – Tenho interesse na ciência de Leonardo da Vinci há muitos anos. Na década de 1990, quando vi uma grande exposição de desenhos em Londres, tive a sensação que a ciência dele é realmente a ciência da co-relação, dos padrões de qualidade, igual ao nosso atual sistema moderno e das teorias complexas. Essa intuição (de Da Vinci) foi confirmada quando comecei a estudar realmente os textos e desenhos científicos de Leonardo, no início de 2003.

Descobri que sua principal meta – tanto na arte quanto na ciência – era sempre compreender a natureza da vida. Eu não planejei estudar as obras de Leonardo por 10 anos, mas quanto mais me aprofundava nas pesquisas, mais fascinado ficava. Uma vez que se estuda Leonardo da Vinci profundamente, é muito difícil se desvencilhar dele novamente.

A síntese única entre arte, ciência e tecnologia de Leonardo não é apenas fascinante intelectualmente, mas também muito relevante para a atualidade. Nossas ciências e tecnologias tornaram-se muito segmentadas em seus focos, incapazes de entender nossos problemas multi-facetados de uma perspectiva interdisciplinária. Nossos empresários e líderes políticos são frequentemente incapazes de “ligarem os pontos”. Isto é exatamente o que podemos aprender com Leonardo. Ele praticou a ciência e a tecnologia que honra e respeita a unidade de toda a vida, reconhece a fundamental interdependência de todos os fenômenos naturais e nos reconecta com o planeta vivo. Este é exatamente o tipo de ciência e tecnologia que precisamos hoje.

A virgem das rochas, feito entre 1483 e1486 (Reprodução)
A virgem das rochas, feito entre 1483 e1486
Sobre Da Vinci, por que ele não publicou as milhares de páginas de pesquisas científicas? Qual motivo você daria a essa não divulgação das descobertas, que acabaram por dar crédito a outros pesquisadores?


Leonardo desenvolveu um novo método empírico, agora conhecido como Método Científico, 100 anos de Galileu Galilei. Estando tão a frente de seu tempo, ele não tinha a noção da ciência como um empreendimento coletivo e não sentiu necessidade de publicar suas descobertas logo. Ele sempre pensou que iria, eventualmente, publicar o trabalho de toda sua vida em um magnum opus (grande obra), mas ele estava sempre mais interessado em explorar novos desafios científicos do que revisar seus manuscritos e prepará-los para publicação.

O interessante é que ele agiu bem diferente como pintor. Ele compartilhou seu conhecimento artístico livremente com seus discípulos e escreveu volumosas notas sobre a arte da pintura, das quais foram publicadas como “O tratado da pintura” (Treatise on Painting em inglês) logo depois de sua morte.

Sobre as telas do pintor Leonardo, você acredita que, por ele também ter sido um exímio pesquisador, os quadros escondem segredos científicos por ele descobertos e não divulgados em forma de artigo?


Sim, nós podemos achar descobertas científicas escondidas em quase todas as suas grandes obras. No meu livro, eu discuto especificamente a geologia e a botânica escondida em “A virgem das rochas” (The Virgin of the Rocks em inglês). Às vezes, dscobertas científicas podem também ser encontradas “escondidas” em seus livros de anotação, desenhadas, mas não descritas. Leonardo também era muito visual com as coisas que ele sentia, há uma descrição clara de, digamos, uma estrutura anatômica do corpo humano que não precisamos mais descrever aqui.

Da Vinci tinha conhecimento da dimensão de sua genialidade?


Absolutamente! Mesmo assim ele nunca se gabou disso. Em nenhum lugar em seus livros de anotações ele requer a originalidade de suas descobertas ou invencções, nem gaba de sua superioridade, de suas idéias, mesmo quando ele explicava como as diferenciava das crenças tradicionais.

Essa falta de arrogância e ego era bastante notável. Ao mesmo tempo, ele era bem alerta de sua situação excepcional. Em Codex Madris, (um manuscrito que fala sobre mecânica, construções e geometria) no meio de uma extensiva discussão sobre leis de mecânica, encontramos duas linhas que podem ser o seu próprio e definitivo epitáfio: “Leia-me, ó leitor, se em minhas palavras encontra deleite, pois raramente no mundo alguém como eu nascerá novamente”.

 (Reprodução)
Sobre o autor:

Fritjof Capra, físico e teórico de sistemas, é autor de diversos best-sellers, como O Tao da Física, O Ponto de Mutação, Sabedoria Incomum, Pertencendo ao Universo, A Teia da Vida, As Conexões Ocultas e A Ciência de Leonardo da Vinci, publicados em diversos países e, no Brasil, pela Editora Cultrix.

O seu livro mais recente é A Botânica de Leonardo da Vinci, também publicado por esta editora.  É um dos diretores-fundadores do Centro de Ecoalfabetismo de Berkeley, que promove a divulgação do pensamento ecológico e sistêmico nas redes de educação primária e secundária, e já foi tema de documentários e vários artigos de revista. Atualmente, Capra mora em Berkeley, Califórnia.


A Alma de Leonardo Da Vinci
Fritjof Capra - 424 páginas
R$ 54 - Editora Cultrix

COMENTÁRIOS
Os comentários estão sob a responsabilidade do autor.