Pesquisadores criam estruturas sintéticas capazes de controlar a leucemia e tumores no cérebro

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Bruna Sensêve - Correio Braziliense Publicação:05/04/2013 09:09Atualização:05/04/2013 09:19
Novas moléculas desenvolvidas por cientistas norte-americanos são capazes de retardar o crescimento de tumores cerebrais e o avanço da leucemia. As descobertas foram relatadas em dois artigos publicados hoje na revista científica Science. Cada trabalho descreve uma molécula sintética desenhada em laboratório capaz de inibir a ação de duas enzimas específicas, conhecidas como IDH1 e IDH2, que agem diretamente na evolução das doenças. Os resultados sugerem que, ao focar nessas enzimas, seria possível chegar a novas estratégias terapêuticas que influenciariam na diferenciação das células cancerígenas.

Mutações pontuais no código genético das células podem moldar importantes funções do organismo e levar ao desenvolvimento de uma série de tumores malignos. Algumas vias desse processo já são bem definidas, mas cada tumor tem sua única particularidade de vias de mutação e alterações genéticas. Os isocitratos desidrogenase 1 e 2 (IDH1 e o IDH2) são pontos ativos nos genes que conhecidamente, ao serem alterados, levam à transformação celular que origina os tumores cerebrais e a leucemia, respectivamente. Originalmente, o IDH é uma enzima que converte alguns dos produtos celulares para garantir o funcionamento normal da célula. No primeiro artigo, feito por uma equipe do laboratório americano Agios Pharmaceuticals liderada por Fang Wang, os cientistas descrevem uma molécula pequena, conhecida como AGI-6780, desenvolvida por eles e capaz de inibir as formas mutantes do gene IDH2.

Wang e sua equipe desenvolveram uma estrutura cristalina formada pela molécula AGI-6780 e um complexo de IDH2. Após testes em laboratório, essa estrutura revelou que o tratamento com AGI-6780 induzia a diferenciação de células in vitro de leucemia mieloide humana primária aguda, provando que o desenvolvimento de inibidores voltados às mutações em IDH2 poderia ter aplicações potenciais, como uma terapia diferenciada contra o câncer. Na mesma direção, a equipe liderada por Dan Rohle relatou a criação da molécula inibidora conhecida como AGI-5198, que suprime a atividade do IDH1 e retarda o crescimento de células de tumores cerebrais em laboratório. Os testes também foram bem-sucedidos com células tumorais cerebrais de camundongos vivos.

A união dos dois estudos abre grandes perspectivas para o desenvolvimento de terapias e drogas que foquem na ação de formas mutantes de IDH1 e IDH2 e sua influência na diferenciação de células cancerígenas. O conhecimento mais profundo das vias moleculares e das alterações genéticas envolvidas nesse processo eram praticamente desconhecidos até a década de 1990. Os avanços tecnológicos e a evolução do tratamento das neoplasias permitiram um maior aprofundamento das pesquisas. “Cada vez que conhecemos mais, vemos que sabemos menos e que os processos são bem mais complexos do que imaginávamos”, pondera o presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, Anderson Silvestrini.

Para ele, uma possível saída terapêutica buscaria o desenvolvimento de medicamentos que agissem especificamente nos principais pontos da mutação, fazendo com que ela pudesse ser revertida ou pelo menos que tornasse seu produto ou ela mesma inativa. “Não digo regredir porque o tumor já está formado no momento da terapia. Então, teriam que ser alguns medicamentos capazes de agir nessas alterações que formaram o tumor para que a célula tumoral parasse de se desenvolver ou mesmo que conseguisse atacar a célula tumoral”, diz Silvestrini. A possibilidade desse desenvolvimento não está muito distante da prática clínica. Algumas drogas usadas atualmente contra o câncer de mama e a leucemia mieloide crônica fazem esse tipo de ação no organismo do paciente.

A grande maioria dos pacientes com a leucemia mieloide crônica precisava ser submetida ao transplante e enfrentava uma progressão grave da doença. O medicamento Imatinib revolucionou o tratamento do mal ao agir especificamente em pessoas que têm a mutação chamada cromossomo Filadélfia positivo, que representam 95% dos casos da doença. Atualmente, uma minoria de indivíduos precisa se sujeitar à cirurgia, já que a droga consegue controlar o desenvolvimento do tumor maligno.

Caso semelhante pode ser observado para o câncer de mama e o remédio Trastuzumab. Ele funciona em 20% a 30% dos casos de cânceres de mama em que há uma hiperexpressão da proteína HER2. A diminuição na reincidência da doença para as pacientes que foram operadas chega a 50%. Naquelas com metástase, a expectativa de vida cresce entre um e dois anos. “São medicamentos que existem há 10 anos ou mais. Ainda assim, é preciso ter cuidado com esses trabalhos (publicados hoje na Science), pois trata-se de um estudo pré-clínico, feito em cobaias e células de laboratório”, alerta Silvestrini. Os futuros testes precisarão investigar possíveis efeitos colaterais e o uso recorrente da terapia.

Radioterapia em efeito colateral
Pesquisadores da Universidade de Missouri, nos Estados Unidos, desenvolveram uma nova forma de radioterapia que coloca o câncer em remissão — respondendo ao tratamento ou sob controle — sem causar efeitos colaterais. A estratégia foi testada com sucesso em camundongos. “Estamos prontos para passar para testes em animais maiores. Depois, em pessoas. Mas, antes de começar a tratar os humanos, precisamos de instalações e equipamento adequados”, disse M. Frederick Hawthorne, líder do estudo.

A equipe comandada por Hawthorne explorou justamente uma característica das células cancerosas para atacá-las. Essas estruturas crescem mais rapidamente que as normais e, durante esse processo, absorvem mais materiais. Os pesquisadores fizeram com que, nos camundongos, as células cancerosas absorvessem e armazenassem uma forma particular de boro desenvolvida por eles. O boro tem a característica de se dividir, lançando lítio, hélio e energia pelo corpo. No caso das cobaias, esses pedaços liberados no organismo passaram a buscar as estruturas com tumores para destrui-las, preservando os tecidos vizinhos saudáveis.

“Desde 1930, os cientistas têm procurado obter sucesso com um tratamento de câncer conhecido como terapia de captura de nêutrons pelo boro (BNCT). Nossa equipe finalmente encontrou o caminho para fazer BNCT trabalhar aproveitando a biologia de uma célula cancerosa por meio da nanoquímica”, afirmou Hawthorne, vendedor da Medalha Nacional de Ciência, concedida pelo presidente americano, Barack Obama.

DUAS PERGUNTAS PARA KATHARINE YEN
Pesquisadora da Agios Pharmaceuticals e autora de ambos os artigos publicados hoje na Science

Qual é a grande diferença da estratégia proposta nos estudos para as tradicionais?
Nós desenvolvemos pequenas moléculas inibidoras que visam especificamente conter a enzima mutante. Uma vez que os inibidores trabalham especificamente sobre a enzimamutante, podemos selecionar pacientes que responderiam à terapia, determinando se os seus tumores abrigam uma dessas mutações. Isso difere do tratamento convencional, que é a quimioterapia altamente tóxicaenão personalizada paraaconstituição genética de um tumor.

É possível transferir esse conhecimento para outros tipos de tumor?
Sim. Outros tipos de cânceres abrigam mutações de IDH1 ou IDH2. Por exemplo, uma certa porcentagem de cânceres nos ossos, em células biliares e emcélulas epiteliais tem sido apontado para transporte quer deumou de duas mutações de IDH1 e IDH2. Hoje, é cada vez mais comum para pacientes terem seus tumores sequenciados. Se uma mutação IDH1 ou IDH2 for encontrada, esses pacientes seriam candidatos para a terapia IDH mutante.

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