Sistema permite uso de teclado virtual apenas com a força da mente

Demonstrada com sucesso em macacos, a tecnologia está sendo testada em humanos e pode se tornar uma ferramenta de comunicação para pacientes com graves problemas locomotores

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Correio Braziliense Publicação:27/09/2016 09:00Atualização:27/09/2016 10:14
Um macaco digitando trechos de Hamlet com a força do pensamento. Parece cena imaginada pelo cineasta surrealista Luis Buñuel, mas o episódio de fato aconteceu em um laboratório da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Pesquisadores da instituição apresentaram ontem, na revista especializada Proceedings of the IEEE, um sistema que possibilitou a primatas moverem o cursor em uma tela e pressionar as letras de um teclado virtual sem utilizar qualquer instrumento manual — o controle foi todo mental.

O estudo utilizou as chamadas interfaces máquina-cérebro, nas quais a atividade mental é captada por meio de sensores e transformada em comandos a serem seguidos por um computador. Foi um sistema desse tipo, por exemplo, que o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, um dos maiores especialistas na área, usou para ajudar um paraplégico a chutar uma bola de futebol na abertura da Copa do Mundo de 2014.

No caso da pesquisa apresentada ontem, Krishna Shenoy e Paul Nuyujukian implantaram um conjunto de microeletrodos no cérebro de macacos, mais especificamente na área onde ficam neurônios acionados quando alguém manipula um mouse de computador. Os animais foram, então, treinados a clicar sobre as letras que se tornavam azuis em um teclado virtual. Proibidos de usar as mãos, eles logo perceberam que bastava desejar que o cursor de movesse que ele obedecia.

Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais (Valdo Virgo / CB / D.A Press)
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Os autores selecionaram trechos de reportagens do jornal The New York Times e de peças de Shakespeare para que os animais transcrevessem. Como os bichos, evidentemente, não sabem ler, o sistema indicava, uma a uma, as letras que eles deveriam pressionar. Em um vídeo divulgado pelos autores, é possível ver o teclado virtual sendo usado para escrever a mais famosa frase de Hamlet: “To be or not to be” (Ser ou não ser).

Velocidade

O ritmo de digitação alcançou a ordem de 12 palavras por minuto. “Nossos resultados demonstram que essa interface pode ser uma grande promessa para o uso em pessoas”, diz Nuyujukian, que acaba de se tornar professor de bioengenharia em Stanford. “Ele permite uma digitação rápida o suficiente para uma conversa significativa”, completa o autor.

Na verdade, uma versão anterior da tecnologia já foi testada com sucesso em humanos com os membros superiores paralisados. No entanto, o programa se mostrou muito lento e impreciso, não tendo condições de substituir outros que cumprem função similar. Os cientistas decidiram, então, aprimorar o sistema, triplicando a velocidade de digitação e alcançando uma precisão satisfatória.

“A interface que testamos é exatamente a mesma que um humano usaria”, explica Nuyujukian. No entanto, como as pessoas precisarão pensar na frase a ser digitada e não apenas seguir as indicações, o esperado é que o número de palavras por minuto seja menor. Outro fator que pode reduzir o desempenho são as distrações do ambiente — os macacos realizaram a tarefa em um ambiente controlado, quase sem estímulos externos.

Mesmo assim, o especialista acredita que o sistema tem todas as condições para uma pessoa que não fala e não move os braços manter um diálogo por meio de mensagens digitadas. Ainda mais quando for incorporada uma ferramenta de complemento de palavras, como as já usadas nos smartphones.

Estável
Outro resultado do estudo foi constatar que o implante de eletrodos se mantém estável no cérebro por um longo período. Os animais que participaram desse último experimento já estavam com o mecanismo havia mais de quatro anos, e não foi constatada perda de performance durante esse tempo.

Shenoy e Nuyujukian já se juntaram a outros especialistas do Instituto de Neurociências de Stanford para iniciarem um teste clínico com humanos. Se o grupo for bem-sucedido, tecnologias que interpretam diretamente os sinais cerebrais poderão representar uma nova forma de pacientes com paralisia se moverem — nesse caso, o sistema seria usado para comandar cadeiras de rodas elétricas — e se comunicarem com amigos e familiares.

Olhos e músculos

Outras abordagens para ajudar pessoas com problemas motores envolvem o rastreamento dos movimentos dos olhos ou de determinados músculos da face — essa última solução é a utilizada no programa instalado na cadeira do físico inglês Stephen Hawking. Porém, esses dois tipos de sistema não servem a todas as pessoas. Dependendo do grau de comprometimento, o controle dos músculos faciais pode ser difícil para alguns pacientes. E o rastreamento ocular não funciona com quem tem pálpebras caídas (o caso do professor Hawking). A leitura direta dos sinais cerebrias poderia aumentar o número de pessoas beneficiadas.

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