Otite curada com uma gota de antibiótico
Embora mais estudos sejam necessários até o antibiótico em gel chegar a hospitais e farmácias, pesquisadores já planejam começar os testes com humanos nos próximos meses
Correio Braziliense
Publicação:27/09/2016 09:00Atualização: 27/09/2016 10:15
“Colocar o antibiótico na boca de uma criança é como uma arte marcial”, brincou Daniel Kohane, investigador sênior do estudo e diretor do Laboratório de Biomateriais e Entrega de Drogas do Hospital Infantil de Boston. “Com o gel que criamos, o pediatra pode administrar todo o medicamento de uma só vez e apenas quando for necessário”, completou Rong Yang, que trabalha com Kohane e é o primeiro autor do estudo. A solução proposta tem em sua composição a ciprofloxacina, substância antibiótica usada também para tratar pneumonia, sinusite e infecção urinária, mas, em formato usual, não indicada para crianças.
O gel foi testado em 10 chinchilas, roedores que têm uma estrutura de audição e do ouvido semelhante à dos humanos. Os animais estavam contaminados pela bactéria Haemophilus influenzae, causadora frequente da otite média em meninos e meninas — a infecção também pode ser provocada por vírus. Mesmo com baixa concentração do antibiótico, o gel curou 100% das cobaias. Gotas da mesma substância aplicadas de forma tradicional durante sete dias em oito chinchilas eliminaram o problema em cinco delas, ou seja, tiveram uma eficácia de 62,5%.
Passando o tímpano
Quando aplicadas no ouvido, as drogas em formato usual geralmente são bloqueadas pelo tímpano, não chegando ao local infectado pelo vírus ou pela bactéria. Por isso a opção de tratar os pacientes com a ingestão oral de antibióticos. O gel criado pela equipe da universidade norte-americana contém uma gordura que ajuda o medicamento a atravessar a membrana timpânica. Além disso, a solução, que contou com os avanços da bioengenharia, endurece rapidamente no local em que é aplicada e vai liberando a ciprofloxacina gradualmente.
Os cientistas não constataram toxicidade considerável nos animais nem detectaram a droga na corrente sanguínea deles. Houve uma ligeira perda de audição, mas, segundo a equipe de estudiosos, similar ao que é provocado pela presença de cera no órgão auditivo. Quando o gel foi ministrado em menor quantidade, a complicação reduziu. Esses resultados indicam que um futuro tratamento em humanos não afetaria o corpo inteiro do paciente, que também seria poupado dos efeitos colaterais da terapia padrão, como diarreia e erupções cutâneas.
Coautor da pesquisa, Stephen Pelton ressaltou que o novo tratamento também poderá ajudar a evitar um dos problemas de saúde que mais preocupam as autoridades da área: a redução da eficiência dos antibióticos. “A entrega transtimpânica (em gel) de antibiótico para o ouvido médio tem o potencial de permitir que as crianças se beneficiem da atividade antibacteriana rápida de agentes antimicrobianos sem a exposição sistêmica (ao medicamento) e poderá reduzir o surgimento de micróbios resistentes”, explicou. No tratamento tradicional, há o risco de os pais suspenderam a ingestão do medicamento quando os filhos apresentam melhoras, comportamento que ajuda nas adaptações do micro-organismo ao remédio usado.
Projeções da pesquisa Comission Antimicrobial Resistence (AMR), comandada pelo economista Jim O’Neill e divulgada no ano passado, indicam que, em 2050, as mortes anuais relacionadas a infecções por superbactéria chegarão a 10 milhões, a um custo de US$ 100 trilhões — o registro atual é de cerca de 700 mil óbitos. Para se ter uma ideia, as complicações em decorrência de cânceres tiram a vida de 8,2 milhões de pessoas no planeta.
Embora mais estudos sejam necessários até o antibiótico em gel chegar a hospitais e farmácias, Kohane planeja começar os testes com humanos nos próximos meses. Para isso, busca parcerias a fim de formar uma empresa que ajude na produção em maior escala do medicamento. “Nossa esperança é que isso mudará totalmente a forma como infecções de otite média são tratadas”, disse.
Quando aplicadas no ouvido, as drogas em formato usual geralmente são bloqueadas pelo tímpano, não chegando ao local infectado pelo vírus ou pela bactéria
Saiba mais...
Na primeira infância, é quase impossível não passar por ela. Estimativas indicam que 90% das crianças com até 7 anos de idade foram acometidas pelo menos uma vez na vida pela otite média, e que 75% terão sofrido ao menos três episódios. Dificulta ainda mais a situação a forma como se dá a intervenção usual contra essa infecção do ouvido: ingestão de antibióticos por, em média, 10 dias, geralmente a cada oito horas. Cientistas dos Estados Unidos trabalham em uma solução que tem condições de revolucionar esse tratamento. A proposta, detalhada na edição de hoje da revista Science Translational Medicine, é aplicar apenas uma gota de medicamento no ouvido do paciente e pôr fim à complicação.“Colocar o antibiótico na boca de uma criança é como uma arte marcial”, brincou Daniel Kohane, investigador sênior do estudo e diretor do Laboratório de Biomateriais e Entrega de Drogas do Hospital Infantil de Boston. “Com o gel que criamos, o pediatra pode administrar todo o medicamento de uma só vez e apenas quando for necessário”, completou Rong Yang, que trabalha com Kohane e é o primeiro autor do estudo. A solução proposta tem em sua composição a ciprofloxacina, substância antibiótica usada também para tratar pneumonia, sinusite e infecção urinária, mas, em formato usual, não indicada para crianças.
O gel foi testado em 10 chinchilas, roedores que têm uma estrutura de audição e do ouvido semelhante à dos humanos. Os animais estavam contaminados pela bactéria Haemophilus influenzae, causadora frequente da otite média em meninos e meninas — a infecção também pode ser provocada por vírus. Mesmo com baixa concentração do antibiótico, o gel curou 100% das cobaias. Gotas da mesma substância aplicadas de forma tradicional durante sete dias em oito chinchilas eliminaram o problema em cinco delas, ou seja, tiveram uma eficácia de 62,5%.
Passando o tímpano
Quando aplicadas no ouvido, as drogas em formato usual geralmente são bloqueadas pelo tímpano, não chegando ao local infectado pelo vírus ou pela bactéria. Por isso a opção de tratar os pacientes com a ingestão oral de antibióticos. O gel criado pela equipe da universidade norte-americana contém uma gordura que ajuda o medicamento a atravessar a membrana timpânica. Além disso, a solução, que contou com os avanços da bioengenharia, endurece rapidamente no local em que é aplicada e vai liberando a ciprofloxacina gradualmente.
Os cientistas não constataram toxicidade considerável nos animais nem detectaram a droga na corrente sanguínea deles. Houve uma ligeira perda de audição, mas, segundo a equipe de estudiosos, similar ao que é provocado pela presença de cera no órgão auditivo. Quando o gel foi ministrado em menor quantidade, a complicação reduziu. Esses resultados indicam que um futuro tratamento em humanos não afetaria o corpo inteiro do paciente, que também seria poupado dos efeitos colaterais da terapia padrão, como diarreia e erupções cutâneas.
Coautor da pesquisa, Stephen Pelton ressaltou que o novo tratamento também poderá ajudar a evitar um dos problemas de saúde que mais preocupam as autoridades da área: a redução da eficiência dos antibióticos. “A entrega transtimpânica (em gel) de antibiótico para o ouvido médio tem o potencial de permitir que as crianças se beneficiem da atividade antibacteriana rápida de agentes antimicrobianos sem a exposição sistêmica (ao medicamento) e poderá reduzir o surgimento de micróbios resistentes”, explicou. No tratamento tradicional, há o risco de os pais suspenderam a ingestão do medicamento quando os filhos apresentam melhoras, comportamento que ajuda nas adaptações do micro-organismo ao remédio usado.
Projeções da pesquisa Comission Antimicrobial Resistence (AMR), comandada pelo economista Jim O’Neill e divulgada no ano passado, indicam que, em 2050, as mortes anuais relacionadas a infecções por superbactéria chegarão a 10 milhões, a um custo de US$ 100 trilhões — o registro atual é de cerca de 700 mil óbitos. Para se ter uma ideia, as complicações em decorrência de cânceres tiram a vida de 8,2 milhões de pessoas no planeta.
Embora mais estudos sejam necessários até o antibiótico em gel chegar a hospitais e farmácias, Kohane planeja começar os testes com humanos nos próximos meses. Para isso, busca parcerias a fim de formar uma empresa que ajude na produção em maior escala do medicamento. “Nossa esperança é que isso mudará totalmente a forma como infecções de otite média são tratadas”, disse.