Deixar situação conhecida, mas incômoda, para se aventurar por novos caminhos exige determinação e coragem

Jogar tudo para o alto não é uma decisão fácil, mas ter a certeza de que é hora de mudar é a primeira barreira a ser vencida

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Paula Takahashi - Estado de Minas Publicação:19/05/2013 10:12Atualização:19/05/2013 10:31
'Eu já havia dado aulas de balé clássico antes, mas abandonei para fazer a faculdade de administração. Durante oito anos me dediquei a projetos de tecnologia, e um belo dia me vi descontente' Cristina Oya, professora de balé (Beto Novaes/EM/D.A Press)
"Eu já havia dado aulas de balé clássico antes, mas abandonei para fazer a faculdade de administração. Durante oito anos me dediquei a projetos de tecnologia, e um belo dia me vi descontente" Cristina Oya, professora de balé
Ali tudo é previsível, conhecido, controlável e, principalmente, seguro. Mesmo que uma ponta de insatisfação vez ou outra abale a zona de conforto estabelecida na vida pessoal ou profissional, suportar é a melhor saída para manter um ciclo familiar e cômodo. Romper essa estrutura pode trazer dor, sofrimento, insegurança e até frustração, sentimentos fervorosamente evitados. Diante do medo que se confunde com insegurança e dúvida, reina a inércia. Cruzar a fronteira rumo ao desconhecido exige determinação, foco e autoconhecimento. Sem isso, só resta adiar os primeiros passos.

Foram três longos meses até que Cristina Oya, de 36 anos, tomasse a decisão de largar o emprego em uma agência de publicidade para se dedicar ao ensino de balé para crianças e adultos. Antes disso, já vivia uma crise interna, só não tinha se dado conta ainda. “Eu já havia dado aulas de balé clássico antes, mas abandonei para fazer a faculdade de administração. Durante oito anos me dediquei a projetos de tecnologia, e um belo dia me vi descontente”, conta. A dedicação aos estudos e a formação profissional foram a prisão de Cristina, que se viu obrigada a trabalhar na área.

A vontade de voltar a dançar permaneceu adormecida ao longo dos anos enquanto a insatisfação com a carreira profissional crescia. “Estava ficando doente. Todo dia falava com meu marido que precisava largar o emprego porque o nível de estresse e depressão estava cada vez maior”, lembra. Mesmo diante do apoio do companheiro, as incertezas e insegurança criaram uma barreira que parecia intransponível. “Eu não queria sair e ficar parada, porque sentia a responsabilidade de ter uma família. Por isso, o medo de arriscar.”

Aluna de um estúdio de flamenco, Cristina foi convidada pelo proprietário a dar aulas de balé para adultos e passou a acumular as funções da agência e da escola de dança. “No estúdio eu tinha uma quantidade boa de alunos, mas ao mesmo tempo não era o salário da agência. Era tudo muito incerto e me deixava com receio de largar um posto com carteira assinada. Ali, eu tinha uma garantia”, conta na tentativa de justificar a permanência no antigo emprego mesmo se sentindo infeliz. Somente quando outras duas escolas surgiram Cristina teve a certeza de que precisava para deixar para trás a vida corporativa. “A gente se acomoda e, mesmo insatisfeito, empurra com a barriga durante um tempo”, afirma.

Apesar de ter passado por uma transição gradativa, o que nem sempre acontece, a professora de balé reconhece que seu limite estava próximo. Ultrapassá-lo significa travar uma briga interna e transpor a resistência criada pelo próprio cérebro, que tenta, a todo custo, proteger a pessoa de sentimentos de angústia e medo. “O nosso aparelho psíquico tem determinadas características de funcionamento e, de certa maneira, evita ao máximo o que será ameaçador”, explica o professor de psicologia clínica da PUC Minas Pedro Castilho.

Por outro lado, faz parte da natureza humana estar sempre em movimento e para isso é preciso deixar de lado a reflexão e o pensamento para partir para a ação. Quem teve a iniciativa de tomar uma atitude não se arrepende e garante que o retorno vem, mais cedo ou mais tarde. Basta ter paciência para esperar.

Ana Luiza Costa Cardoso, de 24 anos, abriu mão de uma carreira brilhante em uma mineradora para montar o próprio negócio (Leandro Couri/EM/D.A Press)
Ana Luiza Costa Cardoso, de 24 anos, abriu mão de uma carreira brilhante em uma mineradora para montar o próprio negócio
Encarar convenções sociais e familiares é passo para romper com a insatisfação


Encontrar conforto em um bom salário e no reconhecimento profissional chancelado pelo nome de uma grande empresa não é difícil. Para Ana Luiza Costa Cardoso, de 24 anos, esse foi o caminho natural depois de investir anos na formação em turismo e até realizar estágio em um hotel na França. A carreira parecia brilhante. Logo que terminou a faculdade, conseguiu emprego em uma das maiores redes hoteleiras do Brasil e, apenas um ano depois, conseguiu uma vaga na Vale, uma das empresas mais visadas pelos profissionais. Parecia não ter erro se o desejo não fosse outro.

“Sempre tive vontade de ter alguma coisa minha ligada à gastronomia, mas me faltava coragem para largar tudo para trás e recomeçar. A gente se sente muito cobrado e sair da Vale parecia uma coisa meio absurda”, afirma. Para agravar ainda mais a decisão, o projeto em que estava envolvida era promissor e um dos mais importantes da mineradora. “Com isso, fui ficando”, afirma. Uma pós na área de gestão de negócios começou a mudar seus horizontes e amadurecer a ideia de tocar a própria empresa.

“Eu já fazia alguns produtos e as pessoas elogiavam, mas tinha receio. Querendo ou não, meu salário era bom”, lembra. Mas a falta de perspectiva de crescimento na empresa deu o empurrão de que Ana precisava. Há quatro meses ela tomou uma decisão e pediu as contas. “Percebi que tinha um espaço para crescer no mercado de bem-casados e resolvi investir nessa área. Abri a Moamô Fábrica de Doçuras”, conta. E a iniciativa não poderia ser mais acertada. “Achei que essa mudança seria mais difícil e tinha muito receio, por isso fui segurando o processo. A gente fica com muito medo e acaba colocando empecilhos que só existem na nossa cabeça, mas foi mais fácil do que imaginava e estou muito feliz”, garante.

ESCOLHAS Vencer algumas imposições sociais, econômicas, familiares e até psicológicas é importante para auxiliar na tomada de decisão. “São questões que exercem papel determinante nas nossas escolhas. Enfrentar e rever as crenças é uma etapa importante nesse processo. Muitas vezes nós atendemos algumas expectativas externas, mas, para mudar, é preciso enfrentá-las”, afirma Carolina Nogueira, psicoterapeuta, orientadora profissional e professora de psicologia da Newton Paiva. Isso significa encarar algumas convenções sociais, principalmente no que diz respeito à carreira profissional, na qual muitas vezes recaem estereótipos de sucesso que envolvem grandes empresas e salários elevados.

“O ser humano tem necessidade de aprovação social, o que impede mudanças. Reconhecer os nossos desejos, aspirações e até dificuldades é essencial para aprimorar a autoestima de tal forma que seja possível bancar as escolhas, que, fatalmente, envolverão ganhos e perdas”, avalia a especialista. Não significa que a rotina é negativa e que não precisemos dela. Pelo contrário, assim como movimentar faz parte da natureza humana, aquietar também é típico do nosso comportamento. “Mas, no caso da zona de conforto, estamos falando de uma rotina que engessa e que gera insatisfação. E muitas vezes esse conforto está no outro, na família, por exemplo”, pondera Carolina. A rejeição dos mais próximos pode ser outro motivo para contenção dos atos.

ANGÚSTIAS Da família, Marízia Borba Fonseca Reis, de 55 anos, só teve apoio. A barreira estava mesmo dentro dela. “Quando meus filhos nasceram, abandonei o emprego e resolvi que não voltaria a trabalhar fora antes de eles caminharem sozinhos”, conta. Nesse meio-tempo, se passaram quase 30 anos. “Há cerca de 10 anos, percebi que estava mais por conta das tarefas de casa do que dos meus filhos e descobri que era hora de começar de novo. Mas pensei que, diante de todo esse tempo afastada do mercado, não conseguiria voltar”, explica. O sentimento de comodismo logo tomou conta. “Fiquei com receio de dar o primeiro passo e não dar conta, e ficar frustrada. Imaginei que já estava tarde para recomeçar e isso segurou muito as minhas iniciativas. Foram anos até tomar a decisão e isso já estava me deixando angustiada”, lembra.

Em uma ida corriqueira ao banco, ela viu a saída. “Tinha um anúncio de cursos profissionalizantes gratuitos promovidos pelo governo e resolvi me inscrever. Fiz a prova sem muita esperança porque tinha anos que não estudava. Mesmo assim, passei em quarto lugar e comecei as aulas de contabilidade”, afirma. Feliz, ela encontrou novo sentido para acordar cedo todos os dias. “Sinto-me renovada e com mais energia. Vou me formar em dezembro, depois de dois anos de dedicação”, comemora. O próximo passo agora é rumo ao mercado de trabalho, mas Marízia não desanima e já adianta: “Tudo nesta vida depende de muito esforço”.

Por que ficamos na zona de conforto?
» Preguiça
Não se encontra energia para encarar as mudanças. O cansaço, apatia e desmotivação impedem que sejam dados os primeiros passos rumo à mudança

» Medo
Diante do desconhecido, dos riscos e incertezas, o medo predomina

» Insegurança e dúvida
A falta de garantias e algumas certezas imobiliza. Sem saber as consequências da sua atitude e o que será obrigado a enfrentar no curto e médio prazo, o receio e a dúvida tomam conta

» Cegueira
Incapazes de perceber a necessidade de mudança, de crescimento e movimentação, muitos se contentam com o estado atual

Consequências da inércia
» Autossabotagem
Cria-se barreira para o crescimento tanto pessoal como profissional. Neste último caso, pode haver inclusive um desperdício do talento e do potencial, que, diante de um cenário desestimulante, não é otimizado e acaba não rendendo frutos. Considera-se também o aumento da improdutividade. O resultado pode ser uma estagnação da carreira. No campo pessoal, o processo de aprendizado é limitado.

» Prejuízos à saúde
A angústia pode trazer sintomas de depressão, desânimo e apatia. Fisicamente, o sedentarismo e a obesidade podem ganhar espaço enquanto intelectualmente pode ocorrer o comprometimento da memória e do raciocínio.

Guilherme Dematte, 23 anos
 (Edésio Ferreira/EM)
Guilherme Dematte, 23 anos
Em busca de um sonho


Se no campo profissional trocar o certo pelo duvidoso pode significar uma transição turbulenta, no pessoal a situação não é muito diferente. Abandonar um relacionamento, mudar de cidade ou simplesmente adotar um novo estilo de vida são ideias que permeiam os planos de muitos, mas poucos são aqueles que realmente as levam a cabo. A relações-públicas Mônica d’Ângelo Braga, de 37 anos, resolveu dar uma chance para o desconhecido e reiniciar praticamente do zero. Para isso, ela abandonou Belo Horizonte e o emprego de 10 anos em busca de uma nova rotina.

“Sempre achei que as pessoas mudavam por amor ou trabalho. No meu caso, não foi nem uma coisa nem outra”, conta. Apaixonada pelo Rio de Janeiro, ela sempre se viu morando na Cidade Maravilhosa, mas voltava para o conforto material que havia construído em BH, onde tinha casa, carro e um bom emprego – tudo que, teoricamente, as pessoas lutam para conquistar. “Estava me sentindo em uma rotina que se resumia a ir de casa para o trabalho e do trabalho para casa”, conta.

Como ela mesma resume, a vida ficou cansativa, chata, sem graça. “A fase de decisão é a pior. Ao mesmo tempo que a gente não sabe o que fazer, não se consegue manter a vida que tinha antes. Mas é mais fácil ficar num lugar em que já estamos acostumados”, pondera. Durante cerca de quatro anos, Mônica viveu cada minuto dessa etapa decisiva. Finalmente, a comodidade de manter uma vida programada foi vencida pelo desconforto e pela insatisfação. No fim de abril, Mônica abriu mão de tudo em busca do que considerava um sonho: viver no Rio de Janeiro.

Sem trabalho garantido e qualquer certeza, ela se instalou em uma das cidades mais caras do Brasil. “Foi um momento de coragem e é preciso tê-la para sair da zona de conforto. Estou disposta a encarar as consequências”, garante. À procura de uma oportunidade de emprego, ela reconhece que está vivendo uma “superlua de mel”. “Partir do pensamento para a ação é a melhor receita para virar a página e deixar a zona de conforto para trás. Somente o ato é capaz de retirar a pessoa do ambiente controlado”, observa o professor de psicologia clínica da PUC Minas Pedro Castilho.

“Vencer essa barreira não é algo que esteja no campo do saber, mas sim do ato. E é preciso ter consciência de que não haverá uma resposta imediata para esta ação, muito menos garantias. As consequências poderão ser de alívio, alegria, prazer e realização, apesar de, num primeiro momento, produzir uma determinada angústia”, avalia.

Diante da inércia e estagnação, o especialista considera, inclusive, que a pessoa pode estar se sujeitando a uma condição masoquista de autossabotagem. “Esse sentimento de culpa, de um certo masoquismo e de depressão é consequência da condição criada em torno do conforto que se está vivendo”, afirma. Sensação que Mônica confirma. “Sentia que estava me violentando”, lembra.

NOVA ROTINA Sem se preocupar com o próprio bem-estar, o estudante de veterinária Guilherme Dematté, de 23 anos, também se preteriu. Durante 20 anos lutou contra a balança, mas, sem tomar qualquer atitude, o peso registrado apenas refletia uma situação de conformismo. “Sair daquela condição era muito difícil. A preguiça não deixava e o que a gente quer é ficar parado sempre com a desculpa de que não tem tempo”, lembra. Mas a casa dos 120 quilos começou a incomodar. Para vencer o desânimo e a apatia foram necessários pelo menos três meses de reflexão.

“Lembro que num sábado resolvi que não podia mais permanecer daquela forma e fui para a academia fazer a minha matrícula”, conta. A busca pela resposta imediata, comum, mas, como lembrou Pedro Castilho, inexistente, trouxe os primeiros sentimentos de frustração. “Malhava, mas não perdia peso. Queria um resultado muito rápido, mas com o tempo fui estabelecendo metas mais longas, de três a quatro meses”, afirma Guilherme. E foi preciso concluir que se tratava de um projeto para a vida inteira que exigia paciência para ser executado.

“Hoje sigo uma dieta de emagrecimento, como de três em três horas, almoço apenas salada e carne e estou prestes a correr a minha primeira meia maratona”, conta com orgulho. O resultado foi uma perda de 35 quilos desde que deu o primeiro passo rumo à mudança decisiva, em outubro de 2011. “A última coisa que quero agora é voltar a ser gordo”, fala com convicção. O embate entre o conforto e o desconforto faz parte da natureza humana e tentar o equilíbrio entre essas duas fases deve ser uma busca constante.

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