Som alto em balada pode viciar
Estudo da Unicamp alerta que a exposição a volumes muito altos provoca no organismo efeitos parecidos com a ingestão de bebidas energéticas. A situação, quando recorrente, pode desencadear um comportamento compulsivo
Bruna Sensêve - Correio Braziliense
Publicação:18/06/2013 08:30Atualização: 17/06/2013 15:08
Pupilas dilatadas, coração acelerado, musculatura tensa e frequência respiratória alta. Esses são os sintomas clássicos provocados no organismo por uma alta descarga de adrenalina na corrente sanguínea. E, para que isso aconteça, basta uma pesada dose de som. Essa é a conclusão da fonoaudióloga Keila Knobel, pós-doutora pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo ela, os poderes atrativos do som alto das baladas são capazes de provocar um grande aumento da secreção do hormônio, situação que pode se tornar viciante, assim como a ingestão de bebidas energéticas e de cafeína. O fenômeno atinge principalmente jovens que frequentam festas e shows com volumes muito acima do recomendado uma, duas, três ou até quatro vezes na semana.
“O som intenso é interpretado como uma situação de perigo pelo cérebro. Isso não por uma questão cultural, mas porque é da nossa constituição animal mesmo”, explica Knobel. Exposto a volumes intensos, o cérebro envia uma ordem para a glândula suprarrenal, que produz noradrenalina a partir de alguns aminoácidos. A noradrenalina, por sua vez, transforma-se em adrenalina, que é passada imediatamente para a corrente sanguínea e, consequentemente, para todo o corpo. “Ela provoca todas essas reações, além de aumentar o metabolismo do açúcar. Digamos que é uma reação de estresse provocada por som intenso, mesmo que seja prazeroso, que seja a escolha da pessoa para se divertir.”
Knobel lembra de estudos realizados para a compreensão desse fenômeno. Segundo ela, em um deles, foram comparados os resultados de exames de urina de três tipos de trabalhadores: aqueles expostos ao ruído sem proteção, os que utilizavam o equipamento de segurança auricular e os que trabalhavam em um ambiente silencioso. A análise buscava entender se existe alguma diferença na secreção do hormônio conforme a quantidade de barulho captada pelos profissionais, já que a adrenalina e outros componentes parecidos, chamados de catecolaminas, podem ser detectados na urina. “Foi percebido que trabalhadores expostos ao ruído e sem proteção auditiva possuem níveis mais altos dessa substância do que o restante dos participantes. Então, se confirmado nesses trabalhadores, obviamente esse problema ocorre também nas pessoas que estão expostas ao ruído durante períodos de lazer. O que importa não é se o som é agradável, mas a intensidade dele. Não é o som que te deixa viciado, mas a descarga hormonal que ele provoca”, adverte Knobel.
O principal ponto para chegar ao vício está na dose. Por mais que a descarga de adrenalina aconteça por uma expectativa de perigo interpretada pelo cérebro, que prepara o corpo para a luta ou para a fuga, a sensação, dentro de uma balada, pode ser prazerosa. A exposição a altas doses do hormônio levaria a uma maior disposição e animação, condições que fazem com que a pessoa fique mais tempo na condição perigosa. “Os jovens têm essa sensação com a música alta associada a estar rodeado de amigos, coisas boas, paquera. As pessoas ficam, sim, viciadas.” A fonoaudióloga relaciona a situação ao vício em adrenalina que é percebido mais facilmente entre praticantes de esportes radicais. Há atletas que se arriscam cada vez mais e até além do que seria seguro na busca pela adrenalina.
Para Knobel, no caso da compulsão, o indivíduo precisa de um substrato emocional inicial que propicie o comportamento compulsivo obsessivo. “É uma predisposição que a pessoa pode jogar no som, na compulsão por limpeza ou em qualquer outra situação. Vejo mais uma questão de hábito, de se acostumar, achar que a festa só está divertida se estiver com a música bombando, que ele só vai chamar atenção do pessoal se o som estiver no último volume.” Esse é o tipo de comportamento repetitivo que configura o vício e prejudica o indivíduo fisicamente. Viver sob picos constantes de adrenalina e por muito tempo pode causar, por exemplo, o aumento de pressão arterial e problemas para dormir com características crônicas, equivalente a um nível elevado de estresse.
Dopamina contribui
Para Antonio Pereira, professor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), outra situação fisiológica cerebral também participa do processo de vício em som alto: o derramamento de dopamina na região do cérebro conhecida como núcleo accumbens — localizada no estriado ventral e responsável por sensações como recompensa, riso, prazer, vício e medo. Esse núcleo faz a associação do comportamento de ouvir o som alto com a sensação de prazer, já que a dopamina é um neurotransmissor envolvido no controle de movimentos, aprendizado, humor, emoções, cognição, sono e memória. “Essa liberação é sinalizada na presença de uma substância, como a cocaína, ou de um comportamento, quando a pessoa está apaixonada, por exemplo. Ao ver o objeto de afeto, é liberada dopamina nesse núcleo que sinaliza prazer, mas que também é a chave para o vício”, complementa Pereira.
A transição para o vício é altamente reforçada pelas circunstâncias em que o som é apresentado, como o contexto da exposição. “A festa, o som alto, a convivência com os amigos vão liberar dopamina nesse núcleo”, explica Pereira. No primeiro momento, o cérebro entende como algo prazeroso, o que causará uma mudança estrutural, uma modificação plástica do núcleo accumbens. A cada repetição, isso é novamente aperfeiçoado, mas o processo depende do ambiente e das condições genéticas de cada indivíduo. “Todo mundo sente prazer em ouvir a música, mas o sujeito que tem um comportamento exagerado é viciado. O tratamento depende se, de alguma forma, ele impede o organismo de funcionar normalmente.”
Também a surdez
O otorrinolaringologista Diderot Parreira, da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF) e da Associação de Otorrinolaringologia do Distrito Federal, chama a atenção também para os graves efeitos do som intenso na audição. Segundo ele, quanto maior o volume, a intensidade do som em decibéis, menor o tempo de exposição indicado. Isso porque, quando há exageros, as células do ouvido começam a ser lesadas, propiciando a surdez . “A causa mais comum de perda auditiva em adultos jovens é o uso de fones de ouvido. Eles podem alcançar até 120 decibéis. Nesse volume, o usuários poderia usá-los por até sete minutos, mas ninguém fica só isso com o fone.”
Parreira diz que não proíbe o fone de ouvido para os pacientes, mas aconselha que o volume adequado é aquele no qual pode-se ouvir a música e outras pessoas falando ao lado. O cuidado deve existir principalmente porque os danos ao sistema auditivo são irreversíveis. A perda pode estacionar quando o ruído para, mas não é possível recuperar o que já foi danificado. “A preocupação maior está na pessoa que já foi exposta e sofreu uma perda auditiva. Ainda que pequena, provavelmente, com o passar dos anos e a continuidade desse comportamento, ela terá como destino o aparelho auditivo.”
"O que importa não é se o som é agradável, mas a intensidade dele. Não é o som que te deixa viciado, mas a descarga hormonal que ele provoca" - Keila Knobel, autora do estudo
“O som intenso é interpretado como uma situação de perigo pelo cérebro. Isso não por uma questão cultural, mas porque é da nossa constituição animal mesmo”, explica Knobel. Exposto a volumes intensos, o cérebro envia uma ordem para a glândula suprarrenal, que produz noradrenalina a partir de alguns aminoácidos. A noradrenalina, por sua vez, transforma-se em adrenalina, que é passada imediatamente para a corrente sanguínea e, consequentemente, para todo o corpo. “Ela provoca todas essas reações, além de aumentar o metabolismo do açúcar. Digamos que é uma reação de estresse provocada por som intenso, mesmo que seja prazeroso, que seja a escolha da pessoa para se divertir.”
Knobel lembra de estudos realizados para a compreensão desse fenômeno. Segundo ela, em um deles, foram comparados os resultados de exames de urina de três tipos de trabalhadores: aqueles expostos ao ruído sem proteção, os que utilizavam o equipamento de segurança auricular e os que trabalhavam em um ambiente silencioso. A análise buscava entender se existe alguma diferença na secreção do hormônio conforme a quantidade de barulho captada pelos profissionais, já que a adrenalina e outros componentes parecidos, chamados de catecolaminas, podem ser detectados na urina. “Foi percebido que trabalhadores expostos ao ruído e sem proteção auditiva possuem níveis mais altos dessa substância do que o restante dos participantes. Então, se confirmado nesses trabalhadores, obviamente esse problema ocorre também nas pessoas que estão expostas ao ruído durante períodos de lazer. O que importa não é se o som é agradável, mas a intensidade dele. Não é o som que te deixa viciado, mas a descarga hormonal que ele provoca”, adverte Knobel.
O principal ponto para chegar ao vício está na dose. Por mais que a descarga de adrenalina aconteça por uma expectativa de perigo interpretada pelo cérebro, que prepara o corpo para a luta ou para a fuga, a sensação, dentro de uma balada, pode ser prazerosa. A exposição a altas doses do hormônio levaria a uma maior disposição e animação, condições que fazem com que a pessoa fique mais tempo na condição perigosa. “Os jovens têm essa sensação com a música alta associada a estar rodeado de amigos, coisas boas, paquera. As pessoas ficam, sim, viciadas.” A fonoaudióloga relaciona a situação ao vício em adrenalina que é percebido mais facilmente entre praticantes de esportes radicais. Há atletas que se arriscam cada vez mais e até além do que seria seguro na busca pela adrenalina.
Para Knobel, no caso da compulsão, o indivíduo precisa de um substrato emocional inicial que propicie o comportamento compulsivo obsessivo. “É uma predisposição que a pessoa pode jogar no som, na compulsão por limpeza ou em qualquer outra situação. Vejo mais uma questão de hábito, de se acostumar, achar que a festa só está divertida se estiver com a música bombando, que ele só vai chamar atenção do pessoal se o som estiver no último volume.” Esse é o tipo de comportamento repetitivo que configura o vício e prejudica o indivíduo fisicamente. Viver sob picos constantes de adrenalina e por muito tempo pode causar, por exemplo, o aumento de pressão arterial e problemas para dormir com características crônicas, equivalente a um nível elevado de estresse.
Dopamina contribui
Para Antonio Pereira, professor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), outra situação fisiológica cerebral também participa do processo de vício em som alto: o derramamento de dopamina na região do cérebro conhecida como núcleo accumbens — localizada no estriado ventral e responsável por sensações como recompensa, riso, prazer, vício e medo. Esse núcleo faz a associação do comportamento de ouvir o som alto com a sensação de prazer, já que a dopamina é um neurotransmissor envolvido no controle de movimentos, aprendizado, humor, emoções, cognição, sono e memória. “Essa liberação é sinalizada na presença de uma substância, como a cocaína, ou de um comportamento, quando a pessoa está apaixonada, por exemplo. Ao ver o objeto de afeto, é liberada dopamina nesse núcleo que sinaliza prazer, mas que também é a chave para o vício”, complementa Pereira.
A transição para o vício é altamente reforçada pelas circunstâncias em que o som é apresentado, como o contexto da exposição. “A festa, o som alto, a convivência com os amigos vão liberar dopamina nesse núcleo”, explica Pereira. No primeiro momento, o cérebro entende como algo prazeroso, o que causará uma mudança estrutural, uma modificação plástica do núcleo accumbens. A cada repetição, isso é novamente aperfeiçoado, mas o processo depende do ambiente e das condições genéticas de cada indivíduo. “Todo mundo sente prazer em ouvir a música, mas o sujeito que tem um comportamento exagerado é viciado. O tratamento depende se, de alguma forma, ele impede o organismo de funcionar normalmente.”
Também a surdez
O otorrinolaringologista Diderot Parreira, da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF) e da Associação de Otorrinolaringologia do Distrito Federal, chama a atenção também para os graves efeitos do som intenso na audição. Segundo ele, quanto maior o volume, a intensidade do som em decibéis, menor o tempo de exposição indicado. Isso porque, quando há exageros, as células do ouvido começam a ser lesadas, propiciando a surdez . “A causa mais comum de perda auditiva em adultos jovens é o uso de fones de ouvido. Eles podem alcançar até 120 decibéis. Nesse volume, o usuários poderia usá-los por até sete minutos, mas ninguém fica só isso com o fone.”
Parreira diz que não proíbe o fone de ouvido para os pacientes, mas aconselha que o volume adequado é aquele no qual pode-se ouvir a música e outras pessoas falando ao lado. O cuidado deve existir principalmente porque os danos ao sistema auditivo são irreversíveis. A perda pode estacionar quando o ruído para, mas não é possível recuperar o que já foi danificado. “A preocupação maior está na pessoa que já foi exposta e sofreu uma perda auditiva. Ainda que pequena, provavelmente, com o passar dos anos e a continuidade desse comportamento, ela terá como destino o aparelho auditivo.”