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Mais de 12% das brasileiras nunca fizeram exame de papanicolau

O procedimento básico previne contra o câncer cervical. O problema acontece em todo o país, mas é maior na Região Norte

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Bruna Sensêve - Correio Braziliense Publicação:29/07/2013 11:00Atualização:27/07/2013 16:39
As discrepâncias encontradas entre as regiões do país são os dados mais significativos. A Região Norte teve o percentual mais elevado de mulheres nunca rastreadas, 17,4%, quase o dobro do menor índice, o do Centro-Oeste, que é de 9,7% (Fernando Lopes/CB/D.A Press)
As discrepâncias encontradas entre as regiões do país são os dados mais significativos. A Região Norte teve o percentual mais elevado de mulheres nunca rastreadas, 17,4%, quase o dobro do menor índice, o do Centro-Oeste, que é de 9,7%
Apesar de fazer parte da rotina da consulta ginecológica, o exame de papanicolau para a detecção precoce do câncer cervical nunca foi realizado por 12,9% das brasileiras. Se forem levados em consideração os dados do Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em que foi registrado um total 97.348.809 mulheres no país, são mais de 12 milhões de brasileiras que nunca se submeteram ao rastreamento. Os dados são de um levantamento nacional realizado pelo Grupo Latino Americano de Investigação Clínica em Oncologia (Glico), publicado na edição deste mês da revista científica Preventive Medicine. O trabalho detalha ainda diferenças muito grandes de acesso ao exame com base em diferenças sociodemográficas e etnográficas das participantes.

Segundo entrevista feita durante evento em Santiago com o principal autor do estudo, Carlos Henrique Barrios, presidente da Glico e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), as discrepâncias encontradas entre as regiões do país são os dados mais significativos. A Região Norte teve o percentual mais elevado de mulheres nunca rastreadas, 17,4%, quase o dobro do menor índice, o do Centro-Oeste, que é de 9,7%. As áreas com o baixo índice de rastreamento também são aquelas em que os óbitos por câncer de colo do útero superam o número de mortes por câncer de mama, normalmente mais incidente.

“A pesquisa não diz isso, mas a consequência que vemos estão nas barreiras para esse acesso (ao exame). Elas nos ajudam a identificar grupo de mulheres com determinadas características que nunca foram rastreadas, uma população provavelmente associada ao aumento da mortalidade pelo câncer cérvico”, avalia Barrios. As barreiras estão especificamente relacionadas com a maior dificuldade das pacientes em serem rastreadas, perfil detalhado na sondagem feita pelo Glico com 102.108 pessoas. “São mulheres não brancas, menos educadas, mais pobres, jovens, que moram nas áreas rurais e têm mais filhos de uma forma geral”, detalha Barrios.

A sondagem indica, por exemplo, que 30% das mulheres em situação de pobreza e moradoras de zonas rurais nunca fizeram o exame de papanicolau. No caso das vivem em áreas urbanas, o índice cai para 20%. “Esses dois números nos dizem que existem diferenças que precisam ser reconhecidas para estabelecer estratégias que resolvam o problema”, avalia o pesquisador. Outro exemplo é que, na zona rural, das pacientes que não foram ao médico nos últimos 12 meses, 45% também nunca haviam sido submetidas ao teste de rastreamento.

Clique na imagem para ampliá-la e veja o infográfico (Arte: CB/D.A Press)
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Foco na qualidade

Barrios alerta para dois aspectos importantes que precisam ser considerados ao analisar esses dados. “Não podemos esquecer que a pergunta para essas mulheres é se elas, alguma vez, foram rastreadas. Fazer uma vez na vida o exame não é o suficiente. Outra coisa que a pesquisa não diz é a qualidade do procedimento.” Os dados apresentados são meramente quantitativos e não medem a qualidade dos exames, assim como não consideram mulheres que o realizaram uma única vez na vida. O oncologista considera que é preciso colocar uma série de elementos junto a esses resultados. “Eles só apontam uma discrepância. Não avaliam se uma mulher de 40 anos fez o papanicolau apenas quando tinha 25. Isso é altamente inadequado. Essa pesquisa não avalia isso, ela não diz que 80% das mulheres brasileiras são adequadamente rastreadas”, reforça.

Mesmo com grandes diferenças, regiões com o nível de desenvolvimento mais alto também sofrem com um grande percentual de mulheres nunca rastreadas. O oncologista e coordenador do Centro de Pesquisa do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC), Felipe Cruz, concorda com Barrios que outros fatores, nesse caso, também precisam ser considerados. “Embora as diferenças não sejam tão grandes — já que 12,4% das mulheres no Sudeste também não foram rastreadas se comparadas a 14,7% no Nordeste —, precisamos considerar a efetividade do diagnóstico.” Ele afirma que ainda que, além da realização do exame, é preciso chegar ao diagnóstico preciso da doença, o que se torna ainda mais complicado em alguns locais das regiões Norte e Nordeste.

De acordo com nota do Ministério da Saúde, no ano passado, foram investidos R$ 72,6 milhões para a realização de 11 milhões de exames citopatológicos, o de papanicolau, no Brasil. Desde 2010, o investimento, no setor, é de R$ 223,5 milhões apenas para a realização das análises. Em 2012, foram realizados 10.932.146 de exames. Do total dessas análises, 8,5 milhões foram na faixa prioritária (de 25 a 64 anos). Esse grupo concentra o maior risco de incidência da doença. As regiões Norte e Nordeste, segundo o ministério, têm sido priorizadas.



Falta atenção básica

“O acesso ao exame de papanicolau continua muito difícil, principalmente em regiões em que a atenção em saúde básica não está disponível. E é isso que a gente observa nesse estudo: que a maioria das pacientes que não fazem o papanicolau está na área rural, onde o acesso à saúde é mais complicado. Algumas estimativas do Instituto Nacional de Câncer já mostram esse problema. Em áreas em que o nível de desenvolvimento é pior, como o Nordeste ou mesmo o Norte, a incidência do câncer de colo do útero é muito maior. Quando a gente fala dessa população, também relaciona com condições de saúde mais precárias, a procura pela assistência de saúde é menor e, muitas vezes, o comportamento sexual acaba criando maior risco porque não há informação ou acesso às políticas de educação sobre as doenças sexualmente transmissíveis.”

Felipe Cruz, coordenador do Centro de Pesquisa do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer

Câncer ameaça os latinos


As doenças não transmissíveis, incluindo o câncer, estão ultrapassando as doenças infecciosas como a principal ameaça de cuidados de saúde em países de renda média e baixa renda. Essa é a conclusão de um longo levantamento sobre o planejamento de controle do câncer realizado pelo Grupo Latino Americano de Investigação Clínica em Oncologia (Glico) — um consórcio de pesquisadores de inúmeras instituições da América Latina, incluindo centros de pesquisa brasileiros — e publicado na revista Lancet Oncology Comission.

Segundo o relatório, discutido também por especialistas, neste mês, em Santiago, países da América Latina e do Caribe lutam ainda com extrema dificuldade para responder ao aumento da morbidade e da mortalidade relacionadas à doença. “Esse problema do câncer crescente ameaça causar um sofrimento generalizado e um perigo econômico para os países da América Latina”, ressalta Carlos Henrique Barrios, presidente da Glico e um dos autores do trabalho.

Financiamento inadequado, distribuição desigual de recursos e serviços, falhas no treinamento, na distribuição de pessoal e de equipamentos de saúde estão entre os problemas detectados nesses países. Os pesquisadores ressaltam ainda a falta de cuidados com base em fatores socioeconômicos, geográficos, étnicos e outras barreiras de acesso às políticas públicas e de tratamento. Segundo o documento, os sistemas atuais estão voltados para as necessidades dos ricos e das minorias urbanas.

Os pesquisadores sugerem que ações imediatas e deliberadas sejam tomadas o quanto antes para evitar esse cenário. “Esperamos que os resultados da nossa comissão e as nossas recomendações inspirem os latino-americanos interessados em redobrar os esforços para lidar com esse aumento da carga de câncer e para evitar que ele se agrave, ameaçando as suas sociedades”, diz Barrios. (BS)

Médicos vacinam pouco contra o HPV

Avanços na prevenção do câncer cervical resultaram em novas orientações de vacinação contra o vírus do papiloma humano (HPV, em inglês) e de rastreio para o câncer do colo do útero nos Estados Unidos. No entanto, uma pesquisa conduzida com ginecologistas e obstetras americanos mostrou que as recomendações nem sempre se traduzem em prática. Menos de um terço deles vacina os pacientes elegíveis contra o micro-organismo e apenas metade aderiu às diretrizes de prevenção do câncer do colo do útero.

Os pesquisadores descobriram que a interação entre paciente e médico pode dificultar a implementação das diretrizes. “A pesquisa atual e outros provedores afirmaram que a maior barreira para a vacinação contra o HPV foi pacientes e pais que declinaram do recebimento da vacina. Entretanto, estudos indicam que a maioria dos pacientes apoia a ação contra o HPV e que uma forte recomendação do médico é o mais importante determinante da eficácia da vacina em mulheres jovens”, diz a investigadora principal Rebecca B. Perkins, da Escola de Medicina da Universidade de Boston.

O artigo publicado neste mês, no American Journal of Preventive Medicine, relata que, desde 2006, a vacinação é recomendada para mulheres com idade entre 11 e 26 anos. Em 2009, o Congresso Americano de Obstetras e Ginecologistas (ACOG) emitiu orientações recomendando o início de testes de papanicolau para as mulheres aos 21 anos de idade, diminuindo a frequência de triagem para bienal entre 21 e 29 anos, além do rastreio trienal para mulheres com 30 anos ou mais desde que haja resultados anteriores normais e, ao mesmo tempo, teste negativo para HPV.

Os investigadores encontraram baixas taxas de vacinação contra o HPV. Embora 92% dos entrevistados tenham oferecido a vacinação contra o vírus, apenas 27% estimam que a maioria dos pacientes elegíveis recebeu a imunização. A dificuldade mais citada pelos especialistas foi a recusa dos pais e das pacientes. A maioria dos profissionais (96%) recomendaria a vacinação contra o HPV a um hipotético paciente de 13 anos de idade, mas apenas 73% disseram que indicariam o procedimento a um paciente de 11 anos. Cerca de 45% dos médicos ofereceram o papanicolau e o coteste de HPV para mulheres com 30 anos ao mais, 21% ofereceram apenas se solicitado pelo paciente, 11% rastrearam todas as mulheres com ambos os testes e 23% não oferecem exames.

* A repórter viajou a convite da Roche

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