Japoneses estudam medida para acabar com jet lag

Cientistas do Japão descobriram o hormônio que está relacionado à fadiga característica de mudanças bruscas de fuso horário. A pesquisa pode resultar em uma terapia eficaz contra os efeitos do jet lag

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Isabela de Oliveira - Correio Braziliense Publicação:05/10/2013 13:00Atualização:05/10/2013 14:27
O passageiro abandona a aeronave exausto ainda que tenha descansado durante todo o percurso do voo intercontinental. Ele atravessou diversos países, sabe que está longe de casa, mas o corpo insiste em teimar: é manhã ou noite, afinal? Essa confusão biológica, típica das longas viagens, faz parte do jet lag, fadiga causada por mudanças bruscas de fuso horário. Pesquisadores japoneses, porém, acreditam ter descoberto o caminho para o desenvolvimento de tratamentos que podem driblar a síndrome, o que beneficiaria também trabalhadores noturnos.

Segundo o estudo publicado hoje na revista Science, a síndrome é determinada por um hormônio chamado vasopressina. “Demonstramos que as cobaias sem receptores para a vasopressina são resistentes ao jet lag. Conseguiram se adaptar mais rapidamente ao novo ambiente, e a ausência desses receptores não trouxe anomalias no comportamento delas”, disse Hitoshi Okamura, pesquisador da Universidade de Kyoto, no Japão. “Nós supomos que isso aconteça porque a comunicação entre neurônios mediada pela vasopressina confere ao cérebro uma resistência natural às perturbações externas.”

Nos mamíferos, o ciclo biológico é orquestrado em uma região do hipotálamo chamada núcleo supraquiasmático (SCN). O funcionamento normal do SCN sincroniza os relógios celulares do corpo. No entanto, quando está desalinhado aos sinais ambientais, como luz e temperatura, surge o jet lag. Para identificar as estruturas que contribuem para a síndrome, os pesquisadores rastearam alguns componentes do SCN de ratos. Um hormônio em particular, a arginina vasopressina, e os receptores dele (V1a e V1b) chamaram a atenção dos cientistas.

Clique para ampliar (Anderson Araújo/CB/DA Press)
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Para testar o papel desse hormônio no jet lag, os pesquisadores submeteram camundongos mutantes e normais a ambientes que simularam as condições de uma mudança de fuso horário. As cobaias foram alojadas em um ambiente controlado, com luz e comida, sob um ciclo de 24 horas, divididas igualmente entre períodos de luz e escuridão. Após duas semanas, os horários foram adiantados em oito horas. Esse avanço provocou uma mudança gradual nos ritmos de atividade dos bichos. Os animais normais levaram de oito a 10 dias para se acostumar. Os ratos mutantes tiveram uma fase de recuperação de no máximo quatro dias.

Quando os horários foram atrasados em oito horas, no entanto, os pesquisadores observaram que os ratinhos normais levaram de cinco a seis dias para se recuperar, enquanto os camundongos sem receptores se adaptaram à nova rotina em apenas um dia. “Descobrimos que os ritmos circadianos de comportamento, os ciclos de claro-escuro e a temperatura corporal foram imediatamente restituídos nos ratos sem os receptores de vasopressina V1a e V1b. O bloqueio farmacológico dos receptores no SCN de camundongos selvagens resultou, inclusive, na recuperação acelerada do jet lag, o que evidencia o potencial de sinalização da vasopressina como um alvo terapêutico para a gestão do ritmo circadiano”, conclui Okamura.

Risco ao coração
Segundo Ricardo Teixeira, neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília, a exposição repetida à síndrome, além da oscilação de turnos de trabalho, pode aumentar o risco de doenças cardiovasculares e de insuficiência metabólica, levando ao aumento de peso e à diabetes, por exemplo. “Além disso, sem dormir, não tem memória nem atenção no outro dia.” Teixeira destaca que, até então, essa influência da vasopressina no corpo era desconhecida. “Sabíamos que ela era um hormônio antidiurético. Os resultados também abrem uma brecha violenta para trabalhos eficientes com pessoas que sofrem de transtornos da fase do sono”, acredita o neurologista.

Fabio Maraschin Haggsträm, especialista em medicina do sono do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), destaca que o sono não é só para descansar mas para regular a pressão arterial e organizar a interação de hormônios que controlam o apetite, o crescimento e o tônus muscular. “As pessoas acham que é perda de tempo, mas é fundamental. É preciso ter horário certo para dormir e acordar, que basicamente são determinados pela luz. Nós, humanos, somos feitos para adormecer à noite porque indutores fisiológicos do sono, como o hormônio melatonina, são liberados ao anoitecer.”

Haggsträm explica que a síndrome do jet lag é confusa e pouco entendida. “Algumas pessoas parecem ser mais suscetíveis e podem ter sintomas mais graves, o que pode atrapalhar principalmente as viagens de negócios. Quanto mais fusos horários ao leste, piores os sintomas. A duração do jet lag pode estar relacionada com a quantidade de fusos percorridos. Um fuso horário requer um dia de recuperação e assim por diante”, explica.

O especialistas em medicina do sono destaca que, enquanto não há medicamente que evite o jet lag, os viajantes podem tomar alguns cuidados, como trabalhar em ambientes muito iluminados e se expor à luz do sol por pelo menos 20 minutos ao acordar. À noite, o ideal é evitar ambientes claros, computadores e telefones celulares. “Outra dica é, no finzinho da tarde, não se expor à luz, evitar atividades sociais e exercícios físicos, pois eles atrasam o relógio biológico. Viajantes devem evitar beber aquela cervejinha no avião, pois o álcool fragmenta o sono. E, pelo menos nos primeiros dias, realizar refeições leves, sem gordura”, aconselha.



Palavra de especialista

Comum entre os atletas

“Atletas são trabalhadores que sofrem muito com o jet lag, pois precisam de um bom desempenho mesmo percorrendo muitos fusos antes das competições. Em especial os brasileiros, que vão à Europa competir com atletas que já vivem lá ou viajam um período menor. Algumas estratégias ajudam a amenizar os sintomas, como induzir o sono com medicamentos que não sejam considerados doping e utilizar óculos escuros. Já há uma excitação natural pela competição. Como os fusos quebram o ritmo hormonal, é interessante que os as equipes cheguem alguns dias antes da disputa.”

Pablius Braga, médico do esporte e um dos
coordenadores do Centro de Medicina do
Exercício e do Esporte do Hospital 9 de Julho (SP)

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