Relação frequente entre avós e netos rende benefícios generalizados
Os mais velhos protegem-se da depressão e estimulam o intelecto. A nova geração encontra nos experientes respostas para os anseios da juventude
Corujas ou distantes, antenados ou saudosistas, saudáveis ou debilitados. Os tipos de avós são diversos e, muitas vezes, o tempo, a distância e outros contratempos dificultam o contato rotineiro com os netos. Quando, no entanto, os obstáculos são vencidos, os benefícios são grandes para os dois lados. Os netos podem aprender com a experiência acumulada pelos mais velhos, ao mesmo tempo em que podem ensinar aos avós as particularidades da modernidade. “A troca entre gerações costuma ser muito produtiva, pois tanto os avós quanto os netos têm muito a se beneficiar dessa convivência”, afirma Denise Dfalcke, coordenadora do programa de pós-graduação em psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
Em agosto, um estudo americano conduzido por pesquisadores do Boston College reforçou ainda mais a tese de que a boa relação entre avós e netos pode trazer benefícios generalizados. Os resultados do trabalho revelaram que, de maneira geral, uma ligação emocional próxima entre os dois grupos faz com que eles tenham menos sintomas de depressão. Quanto mais apoio recebem um do outro, menos problemas de saúde psicológica enfrentam.
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Os avôs e as avós são, além dos pais, uma fonte de conselhos e direcionamentos. “(O jovem) pode ter um contraponto de opiniões, bem como um auxílio no fechamento de novas organizações subjetivas e comportamentais”, afirma o psicólogo Julio Furlaneto. Ele explica que alguns jovens têm a sensação de estarem perdidos diante das possibilidades de relações afetivas e sociais. O contato com o conhecimento de vida dos avós pode contribuir para diminuir esse mal-estar. “Sentem um vazio existencial pela dificuldade de lidar e se adequar à grande diversidade de estímulos e possibilidades que encontram na sociedade”, detalha.
Déa lamenta que o tempo que passa com João não seja tão grande quanto gostaria. “O trabalho e as obrigações impedem”, justifica. Apesar disso, quando ficam juntos, a tentativa é tornar o período o mais intenso possível. “É sempre um momento de muita diversão, meu neto ajuda a me divertir mais.” Os momentos com João são sempre de aprendizado e brincadeiras. Mesmo muito novo, ele já ensinou à avó como fazer algumas tarefas no tablet e novas músicas. “A gente aprende muitas coisas com ele, com as atitudes também. Algumas posso até levar para meu trabalho como professora”, afirma.
Em contrapartida, a transmissão de valores familiares para o neto é um dos grandes benefícios que Déa acredita poder repassar a João Gabriel. “Nós podemos contribuir para a formação dele com o nosso exemplo, ensinar valores que são importantes e que fazem muita falta para a formação.” Déa lembra que também tinha um relação muito forte com a avó e tenta construir a mesma proximidade com o neto. Para ela, João representou a chegada de mais alegria e mais tranquilidade. “Não consigo imaginar como seria minha vida sem ele. Eu me tornei mais calma e mais feliz, consigo esquecer mais alguns problemas porque tenho a presença dele.”
A psicóloga Maria Rita Seixas explica que a possibilidade de convivência próxima com as gerações mais novas ensina, muitas vezes, aos avós a como ter uma percepção de mundo mais condizente com a contemporaneidade. “Eles trazem uma riqueza de conhecimento muito grande, as crianças e os adolescentes podem trazer informações de um mundo novo que, em muitos casos, os avós não sabem muito, como questões da informática”, explica. Quando os netos são adolescentes, segundo a especialista, o enriquecimento e a quantidade de novas informações costuma ser ainda maior.
Fonte de segurança
“A relação entre avós e netos pode ser consistente e duradoura. Costuma beneficiar ambos nas diferentes etapas do ciclo vital e também traz benefícios para a família como um todo, pois fortalece o sentimento de unidade familiar. Na adolescência, quando surge a necessidade de se diferenciar dos pais, os avós podem ser fonte de segurança para que o jovem possa ousar com o apoio e a compreensão de alguém da família. Os avós narrarem a adolescência dos pais também faz com que os adolescentes compreendam melhor a fase que estão vivendo, sendo um importante elo entre as gerações.” Denise Dfalcke, psicóloga
Para toda a vida
Ao se pensar em avós e netos, é comum que a primeira imagem que venha à mente seja a de velhinhos e crianças. Se os laços forem incentivados e se tornarem sólidos desde cedo, porém, a boa relação dura para além da infância e continua proporcionando benefícios. “Quando, desde pequenos, os netos têm uma boa relação com os avós, com certeza quando forem adolescentes ou adultos vão querer manter a proximidade”, afirma a psicóloga e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Maria Rita Seixas. Para ela, é complicado estreitar os laços quando não houve contato sólido na infância. “É difícil forçar depois uma relação sem afinidades e sem convivência anterior.”
O psicólogo Julio Furlaneto, entretanto, aponta que há, muitas vezes, um movimento de busca de origens que inclui a procura de uma relação maior com os avós. “É comum adultos fazerem isso em casos de distanciamento de familiares. É sempre um movimento válido pelo que pode proporcionar, como novos conteúdos e novas reflexões”, pondera.
Quando mais novo, o universitário Rodrigo Duarte, 24 anos, aproveitava os momentos livres que tinha para ir à casa da avó Inês, que morava perto dele. Os dois aproveitavam o tempo juntos para conversar e assistir à televisão. Depois de algum tempo, Inês se mudou e as visitas se tornaram menos frequentes, mas o hábito de Rodrigo não foi esquecido. “Com a idade, ela precisou morar com uma tia, onde podiam cuidar melhor dela.” Rodrigo conta que os encontros com avó ainda hoje são sempre descontraídos e alegres. “Ela brinca muito, não parece que tem 88 anos, às vezes tenho impressão de que é uma pessoa muito mais nova.”
Rodrigo acredita que, hoje, a principal contribuição que pode dar à avó é tentar tornar a vida e os momentos que passa com ela mais alegres e leves. “Ela, às vezes, se entristece por precisar depender das pessoas, tento conversar com ela, distraí-la, dar mais felicidade.” Em uma relação de troca natural, o universitário recebe conselhos, dicas de convivência, reflexões sobre situações pelas quais a avó já passou e que acredita que podem auxiliá-lo. “Somos amigos, podemos brincar. É uma relação menos rígida do que a que temos com os pais.”
Um contato que até rejuvenesce
A convivência entre as gerações contribui para a sensação de rejuvenescimento dos mais velhos, que colabora para quebrar barreiras que podem existir para quem viveu boa parte da vida em uma sociedade diferente da atual. “Na medida em que são valorizados pelos netos, os avós têm um sentimento de rejuvenescimento e de que são reconhecidos”, diz a psicóloga Denise Dfalcke. Para as crianças e os jovens, a sensação é de que há mais um ponto de sustentação além dos pais e de que as relações com a família estão mais fortes, completa a psicóloga. “Há também um sentimento de segurança e de fortalecimento dos vínculos familiares que é propiciado aos netos nessa convivência.”
Avó de três netos, a servidora pública Ângela Pontes, 61 anos, procura se misturar às crianças quando está com elas. A ideia é que Victor Hugo, 6 anos, Fernanda, 5, e Henrique, 5 meses, vejam a avó também como uma amiga. “Eles me veem como se fosse um deles.” A avó não enxerga barreiras entre a idade dos netos e a sua. Os compromissos dela e os das crianças impedem os encontros de segunda a sexta-feira. Mas, em todo fim de semana, a visita à casa dos avós é obrigatória. “Minha relação com eles é maravilhosa. Brincamos de igual para igual. Com eles, viro criança de novo”, conta Ângela.
A visão mais leve que as crianças têm sobre temas que, muitas vezes, deixam os adultos embaraçados é um dos aprendizados que Ângela conseguiu com a convivência com os netos. “Eles têm uma visão lúdica sobre temas pesados, a morte, por exemplo. Eu aprendi com eles a ver mais por esse lado, ter mais leveza.” Ângela conta que não pôde ter contato forte com os avôs e que busca dar aos netos essa proximidade que não teve. Ela acredita que os netos levarão do que aprendem com ela a sensação de mais confiança e força. “A nossa proximidade faz com que eles tenham mais confiança e ganhem mais força. Considero que esse contato é muito relevante para os dois lados.”