Afinamento da retina e aumento da pressão arterial podem indicar Alzheimer
As descobertas poderão ajudar médicos e pacientes a retardarem o surgimento da doença
O mal é lento e silencioso. Até que os primeiros sinais apareçam, podem se passar duas a três décadas. Sem aviso aparente, o Alzheimer vai se alojando entre os neurônios para, então, tomar conta do cérebro. Enquanto não se encontra a cura ou o tratamento adequado para a doença, a medicina busca formas de identificá-la antes que as funções mentais sejam totalmente comprometidas. Apesar de não ser possível, ainda, retardar a degeneração, remédios conseguem manejar sintomas como a perda da memória e a agressividade.
Um exame detalhado dos olhos e a aferição da pressão do pulso podem se tornar novas ferramentas para auxiliar os médicos a diagnosticarem o Alzheimer precocemente. Dois estudos independentes encontraram relação entre anomalias na retina e alterações na variação entre a pressão sistólica e a diastólica e o risco para a doença. “Apesar de os tratamentos atuais terem eficácia limitada, um diagnóstico precoce pode ajudar no desenvolvimento de intervenções que busquem prevenir ou atrasar o processo neurodegenerativo, assim como contribuir para a formulação e a avaliação de novos tratamentos”, opina o neurologista Stephan Frost, professor da Universidade de Western Austrália e pesquisador da doença.
Autor de um estudo apresentado hoje no Neuroscience 2013, encontro anual da Sociedade de Neurociência dos EUA, o neurologista R. Scott Turner conta que um dos biomarcadores pode ser a espessura dos tecidos que compõem a retina. Essa membrana ocular é constituída por células conectadas diretamente ao cérebro — inclusive por neurônios. “É uma extensão do cérebro. Então, faz sentido investigar se os mesmos processos patológicos encontrados em um órgão com Alzheimer estão presentes nos olhos.”
Em um estudo do qual Turner participou, das universidades de Georgetown e de Hong Kong, ratos geneticamente modificados para ter Alzheimer apresentaram perda de neurônios tanto na camada nuclear interna quanto na das células ganglionares, que eram 37% e 49% mais finas, respectivamente.
Há seis anos, pesquisadores europeus fizeram a primeira associação entre Alzheimer e glaucoma, doença caracterizada pela perda gradual da visão periférica devido a lesões nas fibras nervosas originadas na retina. Em um estudo também realizado com ratos, os cientistas descobriram que, no lugar das células visuais danificadas, havia concentração da proteína beta-amiloide. No cérebro de animais e seres humanos com Alzheimer, sabe-se que fragmentos desse peptídeo preenchem as regiões onde houve morte de neurônios. Deixando claro que nem toda pessoa com Alzheimer terá glaucoma e vice-versa, os pesquisadores destacaram que os efeitos neurotóxicos da substância parecem ser os mesmos nos olhos e no cérebro.
Agora, no estudo apresentado no Neuroscience 2013, os cientistas replicaram o resultado, verificando a morte da camada de células ganglionares, e também examinaram um tecido que ainda não havia sido associado ao Alzheimer. De acordo com R. Scott Turner, nos animais com a doença neurodegenerativa, a camada nuclear interna da retina também sofre afinamento. São as células dessa região que passam para as células ganglionares as informações visuais que, depois, serão transmitidas ao cérebro pelo nervo óptico. “Não sabemos dizer ainda os mecanismos que estão por trás disso. Mas estamos seguros que, com aprofundamento das pesquisas, será possível aliar o exame dos olhos a outros métodos para chegarmos a um diagnóstico precoce do Alzheimer. Outra possibilidade aberta é a de testar medicamentos que têm dado certo contra o glaucoma para combater o Alzheimer”, conta Turner.
Isquemia
Além da beta-amiloide, a proteína chamada tau já foi amplamente associada ao Alzheimer. Embora seja um componente normal das células cerebrais, em grandes quantidades ela forma emaranhados de fibras dentro dos neurônios, que acabam morrendo. Quando há quantidades anormais, tanto os fragmentos de beta-amiloide quanto os do peptídeo tau podem ser encontrados em amostras do líquido cerebroespinhal, uma substância que irriga o cérebro e passa pela espinha, de onde é retirada por meio de punção lombar. Segundo um estudo publicado hoje na revista da Academia Americana de Neurologia, as duas proteínas podem ser identificadas nas amostras de indivíduos com disfunções na pressão sanguínea.
O estudo, conduzido pelo Departamento de Sistema de Saúde de Veteranos de Guerra de San Diego, envolveu 177 pessoas entre 55 e 100 anos, sem sintomas de Alzheimer. Os cientistas fizeram punções lombares e aferiram a pressão dos participantes. Em idosos, o aumento dessa medida está associado ao envelhecimento do sistema vascular. Daniel A. Nation, principal autor do estudo, conta que, ao comparar os resultados dos dois exames, constatou-se que veteranos com pressão de pulso alta têm maior risco de apresentar níveis elevados da proteína tau circulando no líquido cerebroespinhal.
Para cada 10 pontos a mais na pressão do pulso, a média de proteína detectada aumenta 1,5 picograma (um trilhão de grama) por mililitro de líquido. “Já se sugeriu previamente que a pressão alta pode ser um indicativo de problemas futuros de memória e raciocínio. Não temos como determinar se existe uma associação causal entre pressão alta e Alzheimer, mas sabemos que há algum tipo de relação entre as duas condições”, afirma Nation. De acordo com ele, uma possível explicação é que, quando a pressão aumenta, cresce o risco de isquemia dos vasos sanguíneos do cérebro. Eles ficam menores e mais estreitos, lesionando regiões importantes para a memória.
Relação com o diabetes
Embora em mais de 90% das vezes o Alzheimer se manifeste em idosos acima de 65 anos, indivíduos na faixa dos 30 aos 50 também podem apresentar os sintomas do mal. O diagnóstico, nesses casos, costuma ser ainda mais difícil, pois não se espera que indivíduos mais jovens sofram de demência. Pesquisa conduzida por R. Scott Turner, neurologista da Universidade de Georgetown, constatou que, entre essas pessoas, é comum o distúrbio estar associado ao diabetes e ao pré-diabetes não diagnosticados.
Turner, que também participou da pesquisa sobre Alzheimer e afinamento da retina, conduziu um estudo com 128 pacientes com as formas branda e moderada da doença para determinar se o resveratrol, composto encontrado no vinho tinto e na uva, pode afetar os níveis de glicose em pessoas que sofrem do mal. Ele disse que ficou chocado ao perceber que, mesmo sob cuidados médicos, muitos desses pacientes tinham taxas altas de açúcar no sangue e não recebiam tratamento específico para o problema.
Para participar do estudo, os pacientes se submeteram a um exame de glicemia. O resultado de 30% dos participantes foi positivo para pré-diabetes e 13% de diabetes tipo 2. “Esses resultados levantam algumas perguntas. Como a intolerância à glicose ou o diabetes leva à doença de Alzheimer? Será que a inflamação associada ao mal desencadeia a intolerância à glicose? Ou os dois eventos criam um círculo vicioso?”, questiona Turner. Embora admita não ter as respostas, ele afirma que há algumas implicações.
“Talvez, pudéssemos começar a testar todos nossos pacientes com Alzheimer precoce. Esse é um exame simples e barato, que revela informações críticas para a saúde”.