Pesquisa da UFMG indica que 39% dos alunos de escolas particulares de BH estão acima do peso
Para especialistas, muita comida industrializada, acesso a tecnologia e pouca atividade física contribuem para o problema entre crianças de famílias com melhor condição econômica
Flávia Ayer
Publicação:08/12/2013 07:34Atualização: 08/12/2013 08:02
No teste da balança, nota baixa para alunos de escolas particulares de Belo Horizonte, que carregam muitos “quilinhos” além dos cadernos, livros e apostilas nas mochilas. As instituições privadas concentram o maior percentual de crianças e adolescentes acima do peso na capital – 39% dos estudantes do 2º ao 6ª ano do ensino fundamental. É o que revela a pesquisa “Prevalência do excesso de peso em escolares do município de Belo Horizonte”, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O sobrepeso e a obesidade estão presentes, sobretudo, entre os meninos de 5 a 9 anos de colégios particulares, mas o alerta é geral. Segundo o estudo, quase um terço dos alunos precisam emagrecer e fazer as pazes com uma vida saudável, longe dos salgadinhos, frituras e guloseimas.
A dissertação da mestre em saúde da criança e do adolescente Renata Abreu investigou o Índice de Massa Corporal (IMC) de 2.038 alunos de 17 escolas públicas e particulares de BH. Os estudantes cursavam do 2º ao 6º ano do ensino fundamental e tinham idade entre 5 e 15 anos. Do total, 30,8% estavam fora de forma, sendo 15,9% com sobrepeso e 14,9% de obesos. O índice se aproxima ao de países desenvolvidos, onde a obesidade é considerada epidemia. Também é quase três vezes maior em relação ao Estudo do coração, pesquisa semelhante feita em 1998 que identificou excesso de peso entre 11,5% dos alunos de 6 a 18 anos em BH.
O cuidado com a balança desde cedo é questão de saúde, como reforça o nutrólogo e pediatra Joel Lamounier, professor da UFMG e um dos orientadores da dissertação. “A obesidade é só a ponta de um iceberg. Metade das crianças obesas tende a ser adultos obesos”, afirma. As complicações podem começar a aparecer já na infância. “O excesso de peso favorece doenças cardiovasculares e diabetes”, reforça.
O problema é mais acentuado nas escolas particulares, que têm 39% dos alunos acima do peso, contra 26% das públicas, estaduais e municipais. Os meninos estão mais gordinhos do que as meninas, com, respectivamente, 35% e 27% de pessoas com sobrepeso e obesidade. De acordo com a dissertação, os quilos a mais prevalecem entre as crianças de 5 a 9 anos. “A questão é prevenir o mais cedo possível”, afirma a pesquisadora, que concluiu o estudo este ano. Renata Abreu destaca que o excesso de peso está ligado ao contexto familiar, à genética, aos hábitos de vida, mas há estudos que apontam influência do fator econômico. “Talvez na escola particular, pela questão socioeconômica, o percentual seja mais alto. Há mais facilidade de acesso aos alimentos, principalmente industrializados, os meninos têm mais videogames, geralmente vão de carro para a escola”, diz.
O presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais, Emiro Barbini, não se assustou com o resultado. “Os meninos têm mais facilidade de ir a fast food e comprar guloseimas”, afirma ele, reforçando que a Lei da Merenda Saudável, de 2009, tem ajudado a mudar o panorama. “As escolas se envolvem mais com a questão, mas os pais também precisam participar. A família é determinante”, ressalta.
Receita para mudar hábitos
Quem vê Tássia Almeida, de 8 anos, toda empolgada preparando o suco de laranja com a mãe, Tânia, de 51, mal pode imaginar que há alguns meses ela nem chegava perto das frutas. O esperto Guilherme Azevedo, de 9, ainda faz cara feia para algumas delas, mas está disposto a tentar inserir verduras, frutas e cereais no cardápio, antes composto apenas por chocolate, biscoito, pão de queijo, pizza, arroz, feijão e angu. Tão novos, os dois já viram na balança e sentiram na pele os efeitos de um cotidiano distante de exercícios físicos e bem perto de alimentos gordurosos e calóricos, fatores que contribuem para que 30,8% dos estudantes de 5 a 15 anos da capital estejam de mal com a balança, segundo pesquisa desenvolvida na UFMG. Agora, Tássia e Guilherme estão dispostos a perder peso e ganhar saúde. A receita, ensinam especialistas, envolve toda a família.
Referência técnica do grupo de Reeducação Infantil da Unimed-BH, a nutricionista Juliana Algarves reforça que a mudança depende de um envolvimento conjunto. “As crianças tendem a repetir o que os pais fazem, desde o alto consumo de comidas com gordura saturada, bebidas hipercalóricas e refeições fora de casa”, ressalta. A ausência no dia a dia também pode interferir. “Muitas vezes os pais compensam isso com benefícios na alimentação da criança, oferecendo doces e industrializados”, alerta. Mas os pequenos também têm um papel fundamental nesse processo. “Eles têm a responsabilidade de saber escolher”, diz. Caso contrário, as consequências dos maus hábitos podem chegar rápido. “A obesidade aumenta a chance de desenvolvimento de doenças crônicas, como problemas cardiovasculares e diabetes, maiores causas de mortalidade no país”, afirma Juliana.
O sinal de alerta de que algo não ia bem acendeu na casa de Úrsula Azevedo, de 38, quando o filho Guilherme, de 9, começou a se queixar das dores de cabeça sem fim durante as aulas, no Colégio Magnum. Com 1,34m e 37 quilos, ele era viciado em biscoito recheado e chocolate e acostumado a não tomar o café da manhã. Frutas e verduras passavam longe do prato do menino. “Ele estava gordinho e o pediatra disse para procurarmos um nutricionista”, conta Úrsula. A partir daí a história mudou. “Comecei a tomar vitamina de frutas e a minha dor de cabeça acabou”, conta Guilherme, que começou a fazer natação. O processo rumo à vida saudável não tem sido fácil, mas Úrsula está confiante. Agora, o menino até se mostra afeito a algumas frutas. “Achei banana regular, mas adorei morango”, revela Guilherme, com a meta de emagrecer quatro quilos.
COLESTEROL Com rostinho meigo de criança, Tássia, de 8, convive com problemas de adulto. A mãe, Tânia, notou que ela estava engordando e crescendo muito, o que a levou a procurar ajuda de especialistas. “Tomei um choque de perder o sono. Os exames indicaram que ela estava com o triglicérides alto e o colesterol no limite”, afirma Tânia. Com 1,42m e 44 quilos, a menina abandonou os chips e macarrão instantâneo. Chocolate agora é controlado e as bebidas industrializadas, como refrigerantes e achocolatados, foram substituídas por sucos. “Por ser mais fácil e como eu trabalhava o dia todo, acabei deixando acontecer, sem saber o risco. A gente escuta que as bebidas de caixinha têm vitaminas, mas fui descobrir depois que não é bem assim”, conta Tânia. O desafio agora é até janeiro chegar baixar o triglicérides.
O nutrólogo e pediatra Joel Lamounier, professor das universidades federais de Minas Gerais (UFMG) e São João del-Rei (UFSJ), conta que a conduta mais adequada é trabalhar a educação alimentar desde a gestação. “Sabemos que as alterações começam dentro do útero. O leite tem composição que varia com a dieta e com os sabor dos alimentos. Essa variedade no cardápio da mãe vai preparando o paladar do bebê para refeições saudáveis”, afirma o especialista.
Cardápio deve ter frutas e verduras
Troca de almoço por lanche e consumo de alimentos industrializados são dois hábitos comuns entre crianças obesas e com sobrepeso. A conselheira do Conselho Regional de Nutrição da 9ª Região – Minas Gerais, Cláudia Dias, uma das colaboradoras da Lei da Merenda Saudável (Lei 18.372/2013), que baniu alimentos calóricos e gordurosos das cantinas escolares em 2009, alerta sobre a importância da parceria entre escola e família para a criança aprender a comer bem e dá dicas sobre como superar o problema dentro de casa. “Os pais e professores têm que despertar a consciência da criança”, diz.
Segundo ela, é importante diversificar a oferta dos alimentos e evitar os industrializados, que têm baixo valor nutricional. “Devemos diversificar e ampliar o consumo de frutas, verduras e legumes e dos demais alimentos saudáveis pelas crianças. É muito importante que a oferta variada desses alimentos aconteça tanto no ambiente escolar quanto no familiar e se torne um hábito”, destaca.
E quando o filho faz birra? “A recusa de algum alimento pela criança não deve ser um sinal para que os pais ou a escola deixem de oferecê-lo. Para que a criança aprenda a gostar de alguns alimentos, eles devem ser oferecidos várias vezes”, explica. O momento da refeição aceita brincadeiras, mas com seriedade. “É importante usar os nomes corretos para os diferentes alimentos e evitar chamá-los pela cor. Dependendo da faixa etária as crianças levam tudo ao pé da letra. Se uma criança não gosta de algum alimento chamado de ‘verdinho’, pode recusar todos os outros alimentos dessa mesma cor e assim por diante”, diz.
ENQUANTO ISSO...
...baleiros na mira de projeto
A Câmara Municipal de Belo Horizonte quer fechar o cerco a baleiros na porta de escolas públicas e particulares da capital. Projeto de lei que tramita em primeiro turno tenta proibir a presença de ambulantes para a venda de doces, balas, chicletes e produtos com alto teor de gordura e açúcares para os alunos. A proposta 811/2013 do texto, de autoria do vereador Joel Moreira (PTC), é complementar à lei estadual da Merenda Saudável, em vigor desde 2009, que baniu a venda de frituras, alimentos gordurosos e guloseimas em geral das cantinas escolares.
Horas sentada diante do computador, pouca atividade física e comida industrializada deixam a criança gorda
Saiba mais...
- Campanha contra obesidade em Dubai oferece ouro em troca de peso perdido
- Estudo aponta que obesidade nas meninas provoca puberdade precoce
- Pesquisadores sugerem que riscos de obesidade não considerem apenas o IMC
- Veja seis dicas para auxiliar os filhos no planejamento do ano letivo
- Habilidades emocionais interferem no desempenho escolar; matemática é termômetro
- Você sabe a quantidade de açúcar que tem nos achocolatados em pó?
- Crianças obesas: quem se importa?
- Obesidade cai entre adolescentes ricos e sobe entre mais pobres nos EUA
- País em desenvolvimento é mais gordo que as nações ricas
A dissertação da mestre em saúde da criança e do adolescente Renata Abreu investigou o Índice de Massa Corporal (IMC) de 2.038 alunos de 17 escolas públicas e particulares de BH. Os estudantes cursavam do 2º ao 6º ano do ensino fundamental e tinham idade entre 5 e 15 anos. Do total, 30,8% estavam fora de forma, sendo 15,9% com sobrepeso e 14,9% de obesos. O índice se aproxima ao de países desenvolvidos, onde a obesidade é considerada epidemia. Também é quase três vezes maior em relação ao Estudo do coração, pesquisa semelhante feita em 1998 que identificou excesso de peso entre 11,5% dos alunos de 6 a 18 anos em BH.
Alerta nas escolas - Pesquisa da UFMG indicou que quase um terço dos estudantes entrevistados estão com excesso de peso
O problema é mais acentuado nas escolas particulares, que têm 39% dos alunos acima do peso, contra 26% das públicas, estaduais e municipais. Os meninos estão mais gordinhos do que as meninas, com, respectivamente, 35% e 27% de pessoas com sobrepeso e obesidade. De acordo com a dissertação, os quilos a mais prevalecem entre as crianças de 5 a 9 anos. “A questão é prevenir o mais cedo possível”, afirma a pesquisadora, que concluiu o estudo este ano. Renata Abreu destaca que o excesso de peso está ligado ao contexto familiar, à genética, aos hábitos de vida, mas há estudos que apontam influência do fator econômico. “Talvez na escola particular, pela questão socioeconômica, o percentual seja mais alto. Há mais facilidade de acesso aos alimentos, principalmente industrializados, os meninos têm mais videogames, geralmente vão de carro para a escola”, diz.
O presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais, Emiro Barbini, não se assustou com o resultado. “Os meninos têm mais facilidade de ir a fast food e comprar guloseimas”, afirma ele, reforçando que a Lei da Merenda Saudável, de 2009, tem ajudado a mudar o panorama. “As escolas se envolvem mais com a questão, mas os pais também precisam participar. A família é determinante”, ressalta.
Receita para mudar hábitos
Tânia e a filha Tássia, de 8 anos, já melhoraram os hábitos: sucos naturais fazem parte do dia a dia
Referência técnica do grupo de Reeducação Infantil da Unimed-BH, a nutricionista Juliana Algarves reforça que a mudança depende de um envolvimento conjunto. “As crianças tendem a repetir o que os pais fazem, desde o alto consumo de comidas com gordura saturada, bebidas hipercalóricas e refeições fora de casa”, ressalta. A ausência no dia a dia também pode interferir. “Muitas vezes os pais compensam isso com benefícios na alimentação da criança, oferecendo doces e industrializados”, alerta. Mas os pequenos também têm um papel fundamental nesse processo. “Eles têm a responsabilidade de saber escolher”, diz. Caso contrário, as consequências dos maus hábitos podem chegar rápido. “A obesidade aumenta a chance de desenvolvimento de doenças crônicas, como problemas cardiovasculares e diabetes, maiores causas de mortalidade no país”, afirma Juliana.
Sob cuidados da mãe Guilherme, de 9 anos, começou a comer frutas
COLESTEROL Com rostinho meigo de criança, Tássia, de 8, convive com problemas de adulto. A mãe, Tânia, notou que ela estava engordando e crescendo muito, o que a levou a procurar ajuda de especialistas. “Tomei um choque de perder o sono. Os exames indicaram que ela estava com o triglicérides alto e o colesterol no limite”, afirma Tânia. Com 1,42m e 44 quilos, a menina abandonou os chips e macarrão instantâneo. Chocolate agora é controlado e as bebidas industrializadas, como refrigerantes e achocolatados, foram substituídas por sucos. “Por ser mais fácil e como eu trabalhava o dia todo, acabei deixando acontecer, sem saber o risco. A gente escuta que as bebidas de caixinha têm vitaminas, mas fui descobrir depois que não é bem assim”, conta Tânia. O desafio agora é até janeiro chegar baixar o triglicérides.
O nutrólogo e pediatra Joel Lamounier, professor das universidades federais de Minas Gerais (UFMG) e São João del-Rei (UFSJ), conta que a conduta mais adequada é trabalhar a educação alimentar desde a gestação. “Sabemos que as alterações começam dentro do útero. O leite tem composição que varia com a dieta e com os sabor dos alimentos. Essa variedade no cardápio da mãe vai preparando o paladar do bebê para refeições saudáveis”, afirma o especialista.
Cardápio deve ter frutas e verduras
A nutricionista Cláudia Dias - "É preciso diversificar a alimentação"
Segundo ela, é importante diversificar a oferta dos alimentos e evitar os industrializados, que têm baixo valor nutricional. “Devemos diversificar e ampliar o consumo de frutas, verduras e legumes e dos demais alimentos saudáveis pelas crianças. É muito importante que a oferta variada desses alimentos aconteça tanto no ambiente escolar quanto no familiar e se torne um hábito”, destaca.
E quando o filho faz birra? “A recusa de algum alimento pela criança não deve ser um sinal para que os pais ou a escola deixem de oferecê-lo. Para que a criança aprenda a gostar de alguns alimentos, eles devem ser oferecidos várias vezes”, explica. O momento da refeição aceita brincadeiras, mas com seriedade. “É importante usar os nomes corretos para os diferentes alimentos e evitar chamá-los pela cor. Dependendo da faixa etária as crianças levam tudo ao pé da letra. Se uma criança não gosta de algum alimento chamado de ‘verdinho’, pode recusar todos os outros alimentos dessa mesma cor e assim por diante”, diz.
ENQUANTO ISSO...
...baleiros na mira de projeto
A Câmara Municipal de Belo Horizonte quer fechar o cerco a baleiros na porta de escolas públicas e particulares da capital. Projeto de lei que tramita em primeiro turno tenta proibir a presença de ambulantes para a venda de doces, balas, chicletes e produtos com alto teor de gordura e açúcares para os alunos. A proposta 811/2013 do texto, de autoria do vereador Joel Moreira (PTC), é complementar à lei estadual da Merenda Saudável, em vigor desde 2009, que baniu a venda de frituras, alimentos gordurosos e guloseimas em geral das cantinas escolares.