Terapia anti-hormonal pode bloquear câncer de mama
Estudo comprova efeito de substância que interfere na produção do estrogênio para combater e reduzir as chances de tumores na mama. O tratamento, porém, só é indicado a mulheres com alto risco de ter a doença
Bruna Sensêve - Correio Braziliense
Publicação:16/12/2013 16:10Atualização: 16/12/2013 16:17
Durante um dos eventos mais respeitados sobre o tema, que terminou sábado, a Comissão de Coordenação do II Estudo Internacional de Intervenção no Câncer de Mama (IBIS -II) relatou dados observados em mais de 4 mil voluntárias de 18 países e com idade entre 40 e 70 anos. Elas foram acompanhadas durante cinco anos, sendo metade delas tratada com uma medicação anti-hormonal e a outra metade, com placebo. Os resultados iniciais mostraram que, das 125 participantes que desenvolveram o câncer de mama, 85 eram do grupo placebo e apenas 40 eram do que recebeu a medicação, comercialmente conhecida como anastrozol. Isso dá ao remédio uma taxa de redução de incidência do mal em 53%. Segundo os pesquisadores, os efeitos colaterais também foram mais leves que os observados nas medicações preventivas atuais.
Simultaneamente ao anúncio no encontro científico, o grupo publicou um artigo na revista The Lancet desta semana. “Esperamos que nossos resultados levem a uma terapia alternativa de prevenção com menos efeitos colaterais para as mulheres na pós-menopausa e com alto risco de desenvolver câncer de mama”, comemora Jack Cuzick, presidente da comissão e chefe do Centro para a Prevenção do Câncer do Cancer Research UK. “Duas outras terapias anti-hormonais, tamoxifeno e raloxifeno, são usadas por algumas mulheres para prevenir a doença, mas essas drogas não são tão eficazes e podem ter efeitos colaterais adversos, o que limita o seu uso.”
Comprovação
As drogas usadas como terapia anti-hormonal para o câncer de mama se dividem em duas categorias: os moduladores seletivos do receptor de estrogênio (tamoxifeno e raloxifeno) e os inibidores de aromatase (exemestano e anastrozol). A principal diferença entre elas está na forma como bloqueiam a captação hormonal pelo tumor. Antes da menopausa, os ovários são os responsáveis por produzir o estrogênio e a progesterona. Esses hormônios vão provocar, tanto no útero quanto nas mamas, um tipo específico de ação. No início do ciclo menstrual, por exemplo, o hormônio estimula a glândula mamária para uma possível produção de leite. Para que ele possa agir dessa forma, as células da mama precisam ter um receptor para o estrogênio.
“Hoje, sabemos que a maioria das células da mama tem receptores hormonais para poder crescer. Quando atinge a célula mamária, o tumor modifica a estrutura original, mas alguns deles mantêm esses receptores e o hormônio passa a promover o crescimento tumoral. O tumor, então, se alimenta do estrogênio”, explica o coordenador do Departamento de Mastologia do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC), Edison Mantovani. O oncologista relata que, a nível laboratorial, já foi provado que doses maciças do hormônio não só promovem o crescimento, como também induzem o aparecimento do câncer em cobaias.
Ele conta que trabalhos recentes mostraram um aumento de 30% no risco de desenvolvimento do câncer em mulheres no pós-menopausa que usavam a suplementação hormonal para tratar de sintomas comuns dessa fase da vida. Elas foram acompanhadas por 10 anos até os cientistas chegarem a esses resultados. “Não temos como estabelecer evidências de uma forma direta no ser humano, só por observação. Mas existe uma relação direta entre o hormônio e o crescimento. Por isso, pedimos que mulheres com alto risco evitem o uso de hormônio na menopausa”, analisa Mantovani. Nesse estágio, a produção de hormônio pelo ovário é interrompida e o hormônio passa a ser produzido pelo tecido gorduroso por um processo chamado de aromatização.
Contraindicações
Presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia, Carlos Alberto Ruiz ressalta que a medi-cação testada não é para todas as pacientes. O trabalho foi realizado com mulheres de alto risco, o que representa entre 5% a 10% da população em geral. Ambos os tipos de droga têm efeitos colaterais fortes, aumentando os riscos de tromboembolismo, o entupimento vascular. “É preciso ponderar o risco-benefício dessa medicação. A paciente não é um câncer, é um todo.”
Ele exemplifica ao detalhar que o inibidor de aromatase tem como efeito colateral dores articulares e musculares — características já comuns no envelhecimento e no período pós-menopausa. “O que é mais importante? Será que é certo deixá-la viver com dor porque eu estou prevenindo o câncer?”
Segundo Cuzick, os planos são de continuar a acompanhar essas voluntárias por pelo menos mais cinco anos para determinar se o anastrozol tem um impacto contínuo na incidência de câncer mesmo após a interrupção do tratamento e se reduz mortes por câncer de mama, além de garantir que não existem efeitos colaterais adversos de longo prazo.
Proteção dupla
“Já sabíamos que o tamoxifeno consegue promover uma redução de até 80% de risco dependendo da paciente. Depois, um segundo trabalho mostrou que outra medicação, chamada raloxifeno, também tem essa propriedade. E, no ano passado, um estudo foi publicado com a mesma classe do anastrozol (inibidor de aromatase), que também teve benefício. Esse, então, é o quarto composto na classe de terapia hormonal a mostrar um benefício preventivo. Na verdade, o anastrozol tem mais um fator para suspeitarmos que o resultado seria positivo. Um estudo com pacientes que já tiveram câncer de mama registrou um maior benefício na prevenção do câncer de mama contralateral. Isto é, naquela paciente que já teve a doença, a medicação evitou o câncer na outra mama. Esse novo trabalho é mais uma constatação científica. Não foi um estudo para descobrir se haveria um benefício, mas para entender o tamanho desse benefício.”
Saiba mais...
Um dos subtipos mais recorrentes de câncer de mama nas mulheres em período pós-menopausa, chamado de hormônio-dependente, tem uma característica muito peculiar. Suas células precisam se ligar a hormônios femininos, estrogênio ou progesterona, para crescer e evoluir. Cientes da condição, cientistas de todo o mundo se dedicaram a desenvolver drogas que bloqueassem esse processo. Surgiram, dessa forma, as classes de terapias anti-hormonais, que se mostraram muito eficientes contra esse tipo de tumor. Os oncologistas observaram ainda que, além de combater o câncer, os remédios impediram a reincidência dele. Uma dessas drogas atingiu 53% de redução da ocorrência da doença em mulheres com alto risco. O resultado foi apresentado, nesta semana, no Simpósio San Antonio de Câncer de Mama, nos EUA.- Um terço dos tipos de câncer podem ser evitados com hábitos saudáveis
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Durante um dos eventos mais respeitados sobre o tema, que terminou sábado, a Comissão de Coordenação do II Estudo Internacional de Intervenção no Câncer de Mama (IBIS -II) relatou dados observados em mais de 4 mil voluntárias de 18 países e com idade entre 40 e 70 anos. Elas foram acompanhadas durante cinco anos, sendo metade delas tratada com uma medicação anti-hormonal e a outra metade, com placebo. Os resultados iniciais mostraram que, das 125 participantes que desenvolveram o câncer de mama, 85 eram do grupo placebo e apenas 40 eram do que recebeu a medicação, comercialmente conhecida como anastrozol. Isso dá ao remédio uma taxa de redução de incidência do mal em 53%. Segundo os pesquisadores, os efeitos colaterais também foram mais leves que os observados nas medicações preventivas atuais.
Simultaneamente ao anúncio no encontro científico, o grupo publicou um artigo na revista The Lancet desta semana. “Esperamos que nossos resultados levem a uma terapia alternativa de prevenção com menos efeitos colaterais para as mulheres na pós-menopausa e com alto risco de desenvolver câncer de mama”, comemora Jack Cuzick, presidente da comissão e chefe do Centro para a Prevenção do Câncer do Cancer Research UK. “Duas outras terapias anti-hormonais, tamoxifeno e raloxifeno, são usadas por algumas mulheres para prevenir a doença, mas essas drogas não são tão eficazes e podem ter efeitos colaterais adversos, o que limita o seu uso.”
Comprovação
As drogas usadas como terapia anti-hormonal para o câncer de mama se dividem em duas categorias: os moduladores seletivos do receptor de estrogênio (tamoxifeno e raloxifeno) e os inibidores de aromatase (exemestano e anastrozol). A principal diferença entre elas está na forma como bloqueiam a captação hormonal pelo tumor. Antes da menopausa, os ovários são os responsáveis por produzir o estrogênio e a progesterona. Esses hormônios vão provocar, tanto no útero quanto nas mamas, um tipo específico de ação. No início do ciclo menstrual, por exemplo, o hormônio estimula a glândula mamária para uma possível produção de leite. Para que ele possa agir dessa forma, as células da mama precisam ter um receptor para o estrogênio.
“Hoje, sabemos que a maioria das células da mama tem receptores hormonais para poder crescer. Quando atinge a célula mamária, o tumor modifica a estrutura original, mas alguns deles mantêm esses receptores e o hormônio passa a promover o crescimento tumoral. O tumor, então, se alimenta do estrogênio”, explica o coordenador do Departamento de Mastologia do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC), Edison Mantovani. O oncologista relata que, a nível laboratorial, já foi provado que doses maciças do hormônio não só promovem o crescimento, como também induzem o aparecimento do câncer em cobaias.
Ele conta que trabalhos recentes mostraram um aumento de 30% no risco de desenvolvimento do câncer em mulheres no pós-menopausa que usavam a suplementação hormonal para tratar de sintomas comuns dessa fase da vida. Elas foram acompanhadas por 10 anos até os cientistas chegarem a esses resultados. “Não temos como estabelecer evidências de uma forma direta no ser humano, só por observação. Mas existe uma relação direta entre o hormônio e o crescimento. Por isso, pedimos que mulheres com alto risco evitem o uso de hormônio na menopausa”, analisa Mantovani. Nesse estágio, a produção de hormônio pelo ovário é interrompida e o hormônio passa a ser produzido pelo tecido gorduroso por um processo chamado de aromatização.
Contraindicações
Presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia, Carlos Alberto Ruiz ressalta que a medi-cação testada não é para todas as pacientes. O trabalho foi realizado com mulheres de alto risco, o que representa entre 5% a 10% da população em geral. Ambos os tipos de droga têm efeitos colaterais fortes, aumentando os riscos de tromboembolismo, o entupimento vascular. “É preciso ponderar o risco-benefício dessa medicação. A paciente não é um câncer, é um todo.”
Ele exemplifica ao detalhar que o inibidor de aromatase tem como efeito colateral dores articulares e musculares — características já comuns no envelhecimento e no período pós-menopausa. “O que é mais importante? Será que é certo deixá-la viver com dor porque eu estou prevenindo o câncer?”
Segundo Cuzick, os planos são de continuar a acompanhar essas voluntárias por pelo menos mais cinco anos para determinar se o anastrozol tem um impacto contínuo na incidência de câncer mesmo após a interrupção do tratamento e se reduz mortes por câncer de mama, além de garantir que não existem efeitos colaterais adversos de longo prazo.
“Existe uma relação direta entre o hormônio e o crescimento (do câncer). Por isso, pedimos que mulheres com alto risco evitem o uso de hormônio na menopausa”
Edison Mantovani, do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer
Edison Mantovani, do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer
Proteção dupla
“Já sabíamos que o tamoxifeno consegue promover uma redução de até 80% de risco dependendo da paciente. Depois, um segundo trabalho mostrou que outra medicação, chamada raloxifeno, também tem essa propriedade. E, no ano passado, um estudo foi publicado com a mesma classe do anastrozol (inibidor de aromatase), que também teve benefício. Esse, então, é o quarto composto na classe de terapia hormonal a mostrar um benefício preventivo. Na verdade, o anastrozol tem mais um fator para suspeitarmos que o resultado seria positivo. Um estudo com pacientes que já tiveram câncer de mama registrou um maior benefício na prevenção do câncer de mama contralateral. Isto é, naquela paciente que já teve a doença, a medicação evitou o câncer na outra mama. Esse novo trabalho é mais uma constatação científica. Não foi um estudo para descobrir se haveria um benefício, mas para entender o tamanho desse benefício.”
Ricardo Caponero, integrante da Femama