Cumplicidade nos cuidados
Quase 3 milhões de idosos moram sozinhos no Brasil
Carolina Samorano - Revista do CB
Publicação:11/01/2014 10:02Atualização: 07/01/2014 16:07
“Ficamos só os velhos por lá. Até que minha sobrinha começou a pedir que viéssemos para cá”, recorda-se Lair, professora aposentada. Muito próximas desde sempre, as irmãs desembarcaram unidas na capital. Mas, até então, cada uma com sua família: Vilma e o marido se alojaram em uma casa no Lago Norte e Lair e o companheiro foram para um apartamento na Asa Sul. Os anos se passaram, os maridos morreram. Unidas desde o berço, as irmãs acabaram por encararem juntas também a viuvez. Os maridos faleceram no mesmo ano, em 2006.
Vilma não aguentou o baque da perda do companheiro, com quem dividia a vida desde os 14 anos. “Ela ficou aqui nessa casa sozinha. Só queria ficar sentada no sofá assistindo a um filme depois do outro, o dia inteiro”, conta Lair. “Dizia que era meu palco”, diverte-se Vilma. O “palco” a que se refere a caçula é a sala de tevê, que fica alguns degraus elevada do resto da casa. Vendo o sofrimento da irmã, Lair assumiu seu instinto materno e decidiu que era hora de fazer companhia à caçula. Mudou-se para a casa de Vilma em 2011.
Aposentadas, as duas não têm exatamente uma vida social muito ativa. Dividem-se entre a tevê e cuidar das cadelinhas que lhes fazem companhia. As visitas são raras. Os filhos de Vilma - a filha mora na QL vizinha à sua - passam para dar um abraço e se certificar de que tudo vai bem. Mas Lair não esconde que, de fato, a solidão, às vezes, incomoda. Quando se mudou para a casa de Vilma, Lair tratou de contratar uma funcionária para ajudar nos serviços de casa e com os cuidados com a irmã. De segunda a sexta, ela divide seu tempo em tarefas que vão desde a preparação do almoço até ajudar as duas a trocarem de roupa, por exemplo. Para o fim de semana, quando a funcionária não está por perto, as duas contrataram um serviço de cuidadores. A ideia inicial, na verdade, foi da filha de Vilma. No início, dona Lair achava que ter um estranho por perto, ainda que apenas por alguns dias na semana, não seria boa ideia. Até que viu que uma ajudinha a mais nos fins de semana não cairia mal.
Chegou a uma empresa especializada nesse tipo de serviço. Lá se vão dois anos desde que contar com um cuidador passou a ser fundamental na rotina das irmãs, ainda que, elas admitem, uma pedra no sapato muitas vezes. “É dificílimo se adaptar, mesmo com as questões mais básicas (como a convivência no mesmo espaço)”, diz dona Lair. Como o serviço contratado por Lair é para fins de semana, a empresa funciona em esquema de plantão, o que significa que nem sempre é a mesma pessoa que passará sábado e domingo com as duas. Com algumas há mais identificação e carinho; com outras, nem tanto. Elas mesmas admitem que aceitar mudanças tão bruscas na rotina a essa altura da vida não é fácil. “Mas é mais difícil ficar sozinha. Não posso, tenho medo”, entrega a aposentada, ao lado da irmã.
Deixando a vida mais prática
O advogado paulistano Ruy Carlos de Barros Monteiro teve uma participação intensa na vida jurídica do país. Deixou a família e a cidade em que nasceu para assumir o cargo de secretário particular do ministro da Justiça na época da ditadura militar, nos anos 1970. Os laços profissionais com a capital se expandiram e tornaram-se também emocionais. Aqui, Ruy Carlos casou-se e teve seus dois filhos, que hoje moram no Rio de Janeiro. O relacionamento com a esposa acabou. O com Brasília não - apesar de vez ou outra ser assombrado pela ideia de retornar a São Paulo.
Desde a separação, o advogado morava em um apartamento na Asa Sul. Quando se viu obrigado a vender o imóvel por motivos que ele prefere descrever apenas como “pessoais”, Ruy Carlos decidiu procurar alternativa mais cômoda do que manter um imóvel do mesmo padrão. “Percebi que não queria mais ir atrás de outro apartamento, que não precisava daquilo, já que moraria sozinho de qualquer maneira.” Morar em um hotel, de repente, pareceu-lhe uma boa ideia: espaço suficiente para um homem sozinho e conforto e serviços à disposição. A primeira parada de Ruy foi a já extinta Academia de Tênis, onde ele diz que se “cansou” das sessões de cinema e dos jogos casuais de tênis com os amigos, quando os ombros ainda lhe permitiam praticar o esporte. Mas, desde que o lugar parou de funcionar, há três anos, é no LakeSide, na beira do Lago Paranoá, que o advogado encontra o sossego que procurava quando deixou o apartamento.
“É preciso ter um certo temperamento para morar num lugar como esse”, pondera. “Mas eu tenho muito mais segurança do que teria em um apartamento, além da comodidade. Se queima uma lâmpada no meu apartamento, só preciso fazer uma ligação para a recepção e está resolvido.” Os filhos, ele garante, estão tranquilos com a sua opção, embora alguns irmãos, que moram em São Paulo, vez ou outra esbocem alguma preocupação com a sua solidão. Ruy Carlos procura se cuidar. “Uma vez por ano vou a São Paulo fazer um checape no Instituto do Coração. Sou da opinião de que quem mora sozinho precisa estar bem.”
No hotel que virou casa, a rotina do advogado divide-se entre as caminhadas matinais, as causas a que ainda se dedica na advocacia e a leitura, atividade preferida. Vez ou outra, um encontro com alguns amigos das antigas. “Mas já não tenho mais disposição. Depois de uma idade, você passa a não querer fazer mais algumas coisas”, diz. Mesmo assim, garante que a rotina não é solitária. “Sempre morei sozinho em Brasília. Hoje em dia eu me basto.”
Saiba mais...
Lair Santos Faria, 86 anos, e a irmã caçula, Vilma Pinto de Faria, 83, estavam muito bem em sua terra natal, o Rio de Janeiro. Até que, com mais de 70 anos, em 2002, decidiram passar o resto da velhice na capital, ainda que um tanto a contragosto. A escolha do destino não foi aleatória. Lair e o marido não tiveram filhos - embora ela afirme ter um instinto maternal tão forte que foi tão mãe dos sobrinhos, e hoje da irmã, quanto qualquer mãe que dá à luz -, mas os dois herdeiros de Vilma tinham se estabelecido em Brasília. A mais velha chegou à capital em 1979 para começar uma carreira, e o caçula veio em 1990. Vilma, o marido, os tios e a avó seguiam suas vidas na capital carioca. Até que decidiram repensar as escolhas.Quem: As irmãs Vilma Pinto de Faria Castro e Lair Santos Faria Idades: 83 e 86 anos Viúvas há sete anos Moram com: juntas, como nos velhos tempos, e com uma ajuda aqui e outra acolá
Vilma não aguentou o baque da perda do companheiro, com quem dividia a vida desde os 14 anos. “Ela ficou aqui nessa casa sozinha. Só queria ficar sentada no sofá assistindo a um filme depois do outro, o dia inteiro”, conta Lair. “Dizia que era meu palco”, diverte-se Vilma. O “palco” a que se refere a caçula é a sala de tevê, que fica alguns degraus elevada do resto da casa. Vendo o sofrimento da irmã, Lair assumiu seu instinto materno e decidiu que era hora de fazer companhia à caçula. Mudou-se para a casa de Vilma em 2011.
Aposentadas, as duas não têm exatamente uma vida social muito ativa. Dividem-se entre a tevê e cuidar das cadelinhas que lhes fazem companhia. As visitas são raras. Os filhos de Vilma - a filha mora na QL vizinha à sua - passam para dar um abraço e se certificar de que tudo vai bem. Mas Lair não esconde que, de fato, a solidão, às vezes, incomoda. Quando se mudou para a casa de Vilma, Lair tratou de contratar uma funcionária para ajudar nos serviços de casa e com os cuidados com a irmã. De segunda a sexta, ela divide seu tempo em tarefas que vão desde a preparação do almoço até ajudar as duas a trocarem de roupa, por exemplo. Para o fim de semana, quando a funcionária não está por perto, as duas contrataram um serviço de cuidadores. A ideia inicial, na verdade, foi da filha de Vilma. No início, dona Lair achava que ter um estranho por perto, ainda que apenas por alguns dias na semana, não seria boa ideia. Até que viu que uma ajudinha a mais nos fins de semana não cairia mal.
Chegou a uma empresa especializada nesse tipo de serviço. Lá se vão dois anos desde que contar com um cuidador passou a ser fundamental na rotina das irmãs, ainda que, elas admitem, uma pedra no sapato muitas vezes. “É dificílimo se adaptar, mesmo com as questões mais básicas (como a convivência no mesmo espaço)”, diz dona Lair. Como o serviço contratado por Lair é para fins de semana, a empresa funciona em esquema de plantão, o que significa que nem sempre é a mesma pessoa que passará sábado e domingo com as duas. Com algumas há mais identificação e carinho; com outras, nem tanto. Elas mesmas admitem que aceitar mudanças tão bruscas na rotina a essa altura da vida não é fácil. “Mas é mais difícil ficar sozinha. Não posso, tenho medo”, entrega a aposentada, ao lado da irmã.
Quem: Ruy Carlos de Barros Monteiro Idade: 65 anos Divorciado Mora com: sozinho, em uma hotel-residência
O advogado paulistano Ruy Carlos de Barros Monteiro teve uma participação intensa na vida jurídica do país. Deixou a família e a cidade em que nasceu para assumir o cargo de secretário particular do ministro da Justiça na época da ditadura militar, nos anos 1970. Os laços profissionais com a capital se expandiram e tornaram-se também emocionais. Aqui, Ruy Carlos casou-se e teve seus dois filhos, que hoje moram no Rio de Janeiro. O relacionamento com a esposa acabou. O com Brasília não - apesar de vez ou outra ser assombrado pela ideia de retornar a São Paulo.
Desde a separação, o advogado morava em um apartamento na Asa Sul. Quando se viu obrigado a vender o imóvel por motivos que ele prefere descrever apenas como “pessoais”, Ruy Carlos decidiu procurar alternativa mais cômoda do que manter um imóvel do mesmo padrão. “Percebi que não queria mais ir atrás de outro apartamento, que não precisava daquilo, já que moraria sozinho de qualquer maneira.” Morar em um hotel, de repente, pareceu-lhe uma boa ideia: espaço suficiente para um homem sozinho e conforto e serviços à disposição. A primeira parada de Ruy foi a já extinta Academia de Tênis, onde ele diz que se “cansou” das sessões de cinema e dos jogos casuais de tênis com os amigos, quando os ombros ainda lhe permitiam praticar o esporte. Mas, desde que o lugar parou de funcionar, há três anos, é no LakeSide, na beira do Lago Paranoá, que o advogado encontra o sossego que procurava quando deixou o apartamento.
“É preciso ter um certo temperamento para morar num lugar como esse”, pondera. “Mas eu tenho muito mais segurança do que teria em um apartamento, além da comodidade. Se queima uma lâmpada no meu apartamento, só preciso fazer uma ligação para a recepção e está resolvido.” Os filhos, ele garante, estão tranquilos com a sua opção, embora alguns irmãos, que moram em São Paulo, vez ou outra esbocem alguma preocupação com a sua solidão. Ruy Carlos procura se cuidar. “Uma vez por ano vou a São Paulo fazer um checape no Instituto do Coração. Sou da opinião de que quem mora sozinho precisa estar bem.”
No hotel que virou casa, a rotina do advogado divide-se entre as caminhadas matinais, as causas a que ainda se dedica na advocacia e a leitura, atividade preferida. Vez ou outra, um encontro com alguns amigos das antigas. “Mas já não tenho mais disposição. Depois de uma idade, você passa a não querer fazer mais algumas coisas”, diz. Mesmo assim, garante que a rotina não é solitária. “Sempre morei sozinho em Brasília. Hoje em dia eu me basto.”