Tímidos enfrentam desafios em tempos de exposição nas redes sociais e exigência de comportamento extrovertido

Nos dias de Facebook, Instagram, selfie e Twitter, pessoas de personalidade mais retraída criam maneiras particulares de lidar com o networking e a necessidade de se fazer notar

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Lilian Monteiro - Estado de Minas Publicação:12/01/2014 09:00Atualização:12/01/2014 09:00

Mãos suadas. Pernas trêmulas. Olhar para baixo. Voz embargada. Bochechas vermelhas. Essas são características que, na maioria das vezes, definem as pessoas tímidas e introspectivas quando chamadas a público ou postas em evidência. E neste mundo cada vez mais vivido por meio das telas dos computadores, como será que pessoas com esse perfil têm sobrevivido? Como lidam com o universo das redes sociais em que se exibir é a regra? Como encaram a "obrigação" de que a atitude correta parece estar na autoexposição, autopromoção, no desejo de se mostrar?

 

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Como está a vida daqueles com personalidade mais quieta? Como anda o dia a dia de quem prefere jantar em casa, com poucos e seletos amigos, a uma balada? De quem fica mais à vontade na companhia de um livro do que num grupo de discussão? De quem gosta mais de palestra do que de seminário? De quem usa o Facebook só para trabalho e não para falar que chegou da academia, qual prato é o seu jantar ou se está em Nova York ou Nova Lima?

 

Seja no universo on-line ou no real, a cobrança para falar, conectar, se abrir, participar da roda de conversa, emitir opinião (por mais boba que seja) ocorre a todo instante. E aí, será que os tímidos e introspectivos estão sofrendo mais? Têm procurado sair do isolamento ou estão ainda mais fechados? Ou as ferramentas acabam sendo aliadas?


O diretor de teatro Diego Benicá diz que o palco era o único lugar em que conseguia se mostrar sem ser incomodado; para lidar com a inibição no mundo artístico, precisou criar um personagem (Cristina Horta/EM/D.A Press)
O diretor de teatro Diego Benicá diz que o palco era o único lugar em que conseguia se mostrar sem ser incomodado; para lidar com a inibição no mundo artístico, precisou criar um personagem
A timidez e a introspeção são encaradas por muitos como defeitos. E neste século, em que a comunicação é ferramenta essencial para a vida pessoal e profissional, as pessoas reservadas são alvo de críticas e quase coagidas, intimidadas a fazer parte de alguma rede. "Você não tem Face? Não acredito.", "Nem Instagram? Como vive sem?". Essas são perguntas e espantos frequentes para quem está fora do que um grupo definiu como a nova ordem mundial!


Estar na contramão por escolha ou por dificuldade de interagir carimba tímidos e introspectivos, muitas vezes, como antissociais, antipáticos e metidos até. A pergunta é: por que ser quieto é um problema para os outros? Desde que tal comportamento não afete ou prejudique a pessoa e não se torne uma doença como a fobia social, por que incomoda tanto?


A discussão está aberta. Como usar a timidez e a introspeção a seu favor? Quais são os pontos positivos e os que atrapalham? E como essas características podem se transformar em aliadas ao longo da vida? Exemplos do mundo real não faltam. Dos famosos aos comuns. De Chico Buarque a Bill Gates. De Luís Fernando Verissimo a Woody Allen. De Elton John a Albert Einstein. E também do assistente social Aleandro Costa Oliveira, do diretor de teatro Diego Benicá e da oficial judiciária Jussara Aparecida Rodrigues Ribeiro.


Sábios observadores
Estudo publicado na Universidade da Califórnia, em Berkeley, constatou que pessoas com perfil quieto são mais generosas e merecem a confiança dos outros. "Constrangimento é uma assinatura emocional de uma pessoa a quem você pode confiar recursos valiosos. É uma característica que promove a confiança e cooperação na vida cotidiana", declarou o psicólogo Robb Willer, coautor do estudo publicado no Journal of Personality and Social Psychology (publicação da Associação Americana de Psicologia).


Perfil que não impede que tímidos e introspectivos sejam vistos com desvantagens em relação aos desinibidos. O problema é que num mundo que faz ode à tagarelice é cada vez mais difícil ter um temperamento retraído. No colégio, a participação em aula vale ponto e no trabalho a contratação depende da dinâmica de grupo. A sensação do introvertido é de estar encurralado.


Mas há quem drible com categoria tanta pressão. Eles chegaram a sofrer, mas superaram e encontraram sua maneira de, sem abrir mão da identidade, viver confortavelmente neste mundo loquaz. Ator, diretor, figurinista, iluminador e cenógrafo. Alguém com talento para essas habilidades pode ser tímido? Diego Benicá é. Aliás, de tão tímido, ele revela ter criado um personagem para lidar com suas profissões e conviver no meio artístico.


Diego conta que cresceu sozinho e sofreu bullying na escola. De família evangélica, não se abria em casa e vivia isolado. "Sem apoio de ninguém, nunca quis me expor e foi difícil. Decidi me resguardar. Na escola, implicavam comigo. Ao mesmo tempo, foi onde me descobri. Nas apresentações de teatro todos fugiam e eu subia ao palco e me destacava. Na verdade, era o único lugar onde conseguia me mostrar e podia me revelar."

 

Diego tem certeza de que a infância definiu os rumos de sua vida. "Muitos não acreditam na minha timidez ao me ver no palco, na reunião de elenco, na confraternização com colegas ou na discussão de figurino com as costureiras. Nesses momentos, como sou o centro das atenções, precisei criar um personagem para fazer o que gosto, mas sempre fui sozinho e de poucos amigos. Gosto de ficar em casa, de me isolar e quase não saio."

 

Mas o diretor enfatiza que é feliz e não sofre. "Criei um outro Diego, porque o verdadeiro não daria conta. Antes sofria muito. A timidez me distanciou de vários relacionamentos e precisei moldá-la. Assim, consegui criar uma teia de trabalho e minha produtora, mas com muito suor e exercício diários, já que é mais fácil criar intimidade e confiança só com quem convivo."

 

A vida de ator anda de lado. O papel nos bastidores e nas coxias o tem feito mais feliz. "Minha vida é um contraponto. Não era para estar no palco. Ao mesmo tempo é onde me destaco e posso viver o personagem que quiser. Mas não me vejo diferente, já que todo mundo interpreta o seu no dia a dia. Você é um com a família, outro com amigos, um terceiro diante da sogra..."


Por outro lado, Diego reconhece que é complicado se relacionar com os tímidos. "Fica difícil chegar perto, e quem se aproxima não entende de cara se a pessoa gostou ou não... É preciso tempo. Mas é importante interagir, conversar, ter um grupo de amigos para, além de construir confiança, criar laços, já que o tímido constrói barreiras. Aliás, laços reais são fundamentais. Redes no mundo virtual, nem tanto."

 

Nas redes sociais, Diego despreza a maior parte, "só futilidades". Ele só tem Facebook da produtora, a Copas Produções Artísticas, para divulgar seus espetáculos. "Minha mãe põe foto minha no Face dela. Como não tenho, acredito que perdi oportunidades, mas não me sinto à vontade. E não tenho tempo. Preciso do meu dia para produzir e as pessoas ficam reféns. O fundamental é se relacionar de forma sadia, com equilíbrio."

 

O assistente social Aleandro Costa Oliveira sempre teve amigos e acredita que a timidez nunca o impediu de se relacionar com as pessoas: ''minha mulher é super extrovertida'' (Túlio Santos/EM/D.A Press)
O assistente social Aleandro Costa Oliveira sempre teve amigos e acredita que a timidez nunca o impediu de se relacionar com as pessoas: ''minha mulher é super extrovertida''
PERCEPÇÃO
O assistente social Aleandro Costa Oliveira reconhece que não tem tanta percepção de sua timidez, constantemente alardeada pelos outros. Falam tanto que ele aceitou o rótulo, mas confessa: "Minha origem é de família pobre, com infância difícil, ausência de bens, e acredito que tudo isso intensificou meu jeito quieto, de querer ficar no meu cantinho".


Por outro lado, ele enfatiza que sempre teve amigos: "Poucos, porque sempre escolhi bem e todos com características parecidas". "Nunca me atrapalhou nos relacionamentos interpessoais." A fase difícil, reconhece, foi na adolescência. "O impacto visual foi, literalmente, um obstáculo, tenho 1,93m."

 

Mas Aleandro diz que a timidez jamais foi um problema e muito menos o impediu de fazer as coisas. "Não tive dificuldade de relacionamento e minha mulher, Flávia, que conheci na adolescência, é superextrovertida. Um contraponto do casal." Agora, ele revela que se vê introspectivo e não mais tímido. "Sou retraído. Observo o terreno onde piso, não me exponho de cara e só me abro com quem conheço. Toco violão e me divirto com os amigos, acho que é uma transmutação da timidez. No trabalho, sou reservado por escolha. Acho positivo no atual contexto em que somos vigiados 24 horas por dia e vivemos o big brother de George Orwell."


Por outro lado, Aleandro enfatiza que ser quieto não significa se isolar do mundo. "A comunicação faz parte da sociedade, ainda que sua velocidade interfira na nossa vida. É um jogo interessante, mas se expor a ponto de se prejudicar é terrível. Não quero excesso. Tomo cuidado com as redes sociais. Tenho Facebook, mas posto fotos da família, registro de amigos e eu só apareço em posições secundárias. O mundo capitalista traz muita vaidade. A pessoa se torna produto à venda atuando como vitrine. O culto à estética, valorização da autopromoção... Critico e evito isso tudo."

 

''Melhorei bastante ao longo dos anos''

(Por Jussara Aparecida Rodrigues Ribeiro - oficial judiciária)

 

"Desde que me entendo como pessoa sempre fui tímida. Acho que perdi muitas oportunidades na vida, desde criança, na escola. Por ser bem fechada, não me queriam no grupo dos trabalhos nem no time dos esportes. Lembro-me de que o vôlei era uma tortura, era a última a ser escolhida e tinha de lidar com as caras feias. Não conseguia me relacionar.

 

Tenho três irmãos e sou a única tímida. Acho que puxei meu pai, que era fechado. Na vida adulta, passo pelas mesmas dificuldades. Na faculdade, sofri para ter um grupo. Procurava me aproximar das pessoas com quem me identificava, no entanto me sentia deslocada. Sempre fui de poucos amigos.

 

A timidez me atrapalhou até para arrumar emprego, na hora da entrevista. Antes de me formar em direito, me candidatei a uma vaga numa loja de perfumes. Na seleção, a pessoa me pediu para lhe vender um lápis, um teste. Não saiu nada. Foi uma frustração. A partir daí, pensei que, para ter um emprego, teria de buscar uma posição que dependesse só de mim. Por isso, optei pelo concurso.

 

Hoje em dia, tento falar. Às vezes, quero opinar, mas antes penso, penso, penso e, se falo, fico vermelha. Todos percebem. Até tenho Facebook, mas quando o fiz foi por curiosidade de saber sobre pessoas que não via há anos. Mas sou contida, não gosto de me expor, posto poucas fotos minhas, a maioria de corrida. Adoro correr. Outras que aparecem lá foram colocadas pela família e confesso que não gostei, não fico confortável. Por isso, até pensei em sair da rede.

 

Enfim, tenho me esforçado, mas não é fácil vencer a timidez. Mas ela também tem um lado bom, me ajuda a ser observadora e gosto de ouvir as pessoas. Por ter esse perfil, sinto que elas gostam de falar comigo, desabafar, contar os problemas. E no trabalho, no atendimento ao público, formado na maioria por advogados e partes, muitos chegam e disparam a falar comigo. Melhorei bastante ao longo dos anos. Nunca procurei ajuda, apesar de sempre pensar a respeito."

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