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Vício em sexo não é brincadeira, é sofrimento

Novo filme de Lars von Trier, Ninfomaníaca, que estreia nesta sexta-feira na capital mineira, tenta trazer cores reais para transtorno que atinge milhões de pessoas

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Letícia Orlandi - Saúde Plena Valéria Mendes - Saúde Plena Publicação:17/01/2014 09:00Atualização:17/01/2014 09:57
Esta reportagem começa com uma peregrinação. Após uma extensa pesquisa pela internet e várias tentativas frustradas de contato por e-mail, as repórteres resolveram visitar os últimos endereços conhecidos do grupo Dependentes de Sexo e Amor Anônimos (Dasa) na capital mineira, em um esforço para tentar mostrar onde e como um dependente de sexo poderia buscar ajuda de forma anônima.

No primeiro local, uma igreja que é ponto de referência no Centro de BH, pouco progresso. “Havia mesmo grupos de ajuda aqui, mas isso foi há uns seis, sete anos. Acho que alguns mudaram para o edifício aí em frente”, disse a funcionária. Atravessamos a avenida, pedimos indicações à ascensorista e chegamos ao sétimo andar, onde era realizado um encontro dos Neuróticos Anônimos.

A coordenadora interrompeu a reunião por alguns segundos e, gentilmente, nos informou que a última localização do Dasa da qual ela tinha notícia era em outra igreja, distante alguns quarteirões dali, na região Centro-Sul. Caminhamos até lá, pedimos informações ao segurança, que indicou uma casa ao lado do templo. Chegando lá, esperança! Vimos um folheto do Dasa colado no mural.

Durou pouco. A funcionária da paróquia disse que as reuniões existiam, mas acabaram há mais ou menos um ano. A busca não foi de todo infrutífera, conseguimos o telefone de um dos membros, e a partir dele chegamos ao ex-coordenador, que não mora mais na capital e vamos identificar como Luiz. Nesse meio tempo, chegou por e-mail um retorno do que seria uma 'junta nacional' do Dasa, personificada pela alcunha de um organizador chamado 'Rico'. Na mensagem, eles explicam mais sobre o funcionamento do grupo e confirmam que a unidade de Belo Horizonte está suspensa (leia mais na entrevista adiante).

Então, como alguém nessa condição pode compreender o próprio caso e buscar ajuda? Ouvimos especialistas – um psiquiatra e uma psicóloga – sobre a dependência em sexo, questão levantada no último filme do cineasta dinamarquês Lars von Trier, que chega nesta sexta-feira (17) às telas mineiras. Mas antes, contamos um pouco a história de Luiz, 41 anos, que encontrou o Dasa aos 36; e de A., 43 anos, divorciado e pai de dois filhos.


Luiz – nem culpado, nem vítima

Luiz é professor e tem 41 anos. Aos 36, chegou até sua primeira reunião do Dasa, grupo que depois passou a coordenar e manteve até o início de 2013, quando mudou-se de Belo Horizonte. Reservado, ele prefere falar de sua experiência em linhas mais gerais. “A compulsão sexual é um tema mais polêmico que vários outros vícios – desperta interesse por um lado, mas repulsa pelo outro. Existem aqueles que enxergam como um grupo de tarados. E outra dificuldade é lidar com os diferentes transtornos associados. É muito comum que um membro do Dasa se identifique também com o Neuróticos Anônimos, por exemplo. Isso fez com que o grupo perdesse um pouco as suas características”, conta. “Todas as pessoas são neuróticas, em alguma medida, mas, em grupos como esse, isso é difícil de administrar”, acrescenta.

 (California Filmes / Divulgação)
Ele não se considera uma pessoa muito ‘simples’. “O processo envolve compreender várias coisas, e não só essa compulsão. São vários padrões de comportamento e de caráter que precisam ser trabalhados a longo prazo. Embora eu tenha observado sinais já na minha adolescência, só depois de adulto é que fui procurar ajuda específica, depois de enfrentar problemas na vida sentimental e uma série de grandes insatisfações”, reflete. “Você busca ajuda quando para de acreditar que na próxima vez, com a próxima pessoa, vai ser diferente. Quando quer barrar o ciclo vicioso”, completa.

Ele relata uma outra dificuldade de compreensão. “Muitas vezes, achamos que o comportamento sexual está causando nossos problemas. Por isso sentimos culpa, arrependimento. Mas, na verdade, é um problema ou carência anterior que causa esse comportamento. Quando chegamos a esse esclarecimento, a culpa dá lugar ao papel de vítima. E muitas pessoas que buscam ajuda param nesse estágio, ou seja, não assumem mais a responsabilidade sobre suas vidas. Na minha opinião, não é assim. Nós somos responsáveis e podemos fazer diversas escolhas, gastar energia com um hobby, tratamento, reuniões, com outras atividades”, adverte.

Luiz diz que o comportamento padrão de uma pessoa que chega ao Dasa é a necessidade de revelar aquele segredo, desabafar. “Ao contrário de outros grupos de anônimos, em que a pessoa chega lá até mesmo por indicação da família, dos amigos; no Dasa a pessoa vai escondida de todos, motivada pela insatisfação nos relacionamentos, no casamento. Tanto que não aparecem muitos jovens. Quando se é jovem, aquilo é considerado normal. Só quando os relacionamentos vão acabando é que existe a percepção de 'algo muito errado'. O efeito catártico da revelação não pode ser desprezado, mas muitos param por aí e não voltam. E um grupo desse não pode ser só um lugar de desabafo, porque acaba virando apenas um hábito, como tantos outros”, defende.

O próprio ex-coordenador diz que agora não está mais em busca de alívio, mas de uma evolução para uma vida sentimental e sexual minimamente saudável. “Estou mais caseiro e mais reflexivo”, compartilha.

Luiz acha que, apesar dos tabus, certas características da sociedade atual dificultam a forma correta de encarar o problema. “Hoje, se a pessoa quiser ou precisar, ela tem muitas oportunidades para levar uma vida louca, com festas, sexo livre e promiscuidade, aparentemente sem preocupações ou culpa. Nem todos vão achar que isso é um desvio ou um 'pecado'. Muitos acham que essa loucura é até o padrão. Mas depois vem a frustração de não ter construído nada sólido e de que a vida é curta, sim, mas não por causa da farra, e sim por causa dos relacionamentos que foram perdidos”, reflete.

“A pessoa acaba acumulando experiências negativas de abandono e separação. É uma diversão sem nenhum prazer. Diversão pela diversão, pelo lazer fast food, que não dura. Parece mesmo uma adolescência eterna. E para quebrar isso, só se investigar a origem, lá nas relações familiares, na casa em que aprendemos a conviver com o mundo. Não posso dizer que o passado passou, mas estou aprendendo”, conclui Luiz.

'A pessoa acaba acumulando experiências negativas de abandono e separação. É uma diversão sem nenhum prazer. Diversão pela diversão, pelo lazer fast food, que não dura', diz Luiz (Christian Geisnaes  / Divulgação)
'A pessoa acaba acumulando experiências negativas de abandono e separação. É uma diversão sem nenhum prazer. Diversão pela diversão, pelo lazer fast food, que não dura', diz Luiz
A. - quem você conhece que é perfeitamente nornal?
Divorciado há 2 anos, A. conta que a questão do impulso sexual excessivo apareceu no processo de separação. “Meu casamento já ia mal há muito tempo e eu sentia muita falta de sexo. Faço terapia há vários anos e também participo de grupos de ajuda mútua que tratam de questões que envolvem relacionamento como o Dasa e os Neuróticos Anônimos”, afirma.

Segundo ele, desde o fim do casamento está em busca de um novo relacionamento. “Tenho dificuldade de desapegar da minha ex-mulher. Vejo que ainda tenho uma ligação com ela, mas a gente não combinava e as coisas foram piorando passo a passo, até o ponto de ela não querer mais fazer sexo comigo. Ela dizia, ‘arruma outra mulher’, e repetia: ‘arruma outra mulher’, até o dia em que eu arrumei várias. Apesar de ela manifestar o desejo da separação, o dia que ela se decidiu, foi pesado”, relembra.

A. diz que não toma nenhum remédio atualmente, mas assume que é uma pessoa muito ansiosa. No ano passado, namorou duas vezes, os relacionamentos duraram 3 e 6 meses. “O meu problema é que tenho dificuldade em ficar muito tempo sem sexo. Mas não sou nenhum atleta sexual”, pondera.

Logo após a separação da mãe de seus filhos, ele emendou um relacionamento que também não deu certo e que o fez sofrer muito. “Precisei recorrer a um antidepressivo e uma dose baixa de rivotril”, relata. A medicação foi acompanhada de perto por um médico que, segundo ele, com o tempo foi diminuindo a dosagem até parar. Essa época foi tão difícil que A. teve uma doença autoimune, que ele não quer revelar o nome com receio de ser identificado na reportagem por algum conhecido.

Atualmente ele classifica sua vida amorosa como complicada, desde que rompeu o último relacionamento que durou 6 meses. “Conheci várias pessoas. Já saí com sete, tive relação com quatro. Mas não vejo perspectiva de namoro. Eu não consigo ficar saindo muito tempo com alguém se eu não tiver interesse pela pessoa. Mas as mulheres não gostam dessa coisa eventual. Aquelas que eu gostei, enjoaram de mim”, relata.

A. reforça que o Dasa o ajudou muito à época que frequentava as reuniões. “Foi quando eu consegui ficar mais tempo sem ter relação sexual com ninguém”, recorda-se. Ele recomenda o trabalho dos grupos de apoio e sugere ainda, no caso feminino, o Mulheres que Amam Demais (Mada).

“As pessoas deviam procurar mais ajuda de profissionais especializados, grupos de apoio e até na literatura que aborda comportamento e relacionamento. É uma forma de aprender a lidar com a emoção. Na época que frequentava os Neuróticos Anônimos eles afirmavam que 95% das pessoas tinham algum tipo de neurose. Acho que é um chute, mas quantas pessoas você conhece que são perfeitamente normais? Eu não conheço ninguém”, encerra.

Assista ao trailer do filme:


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