Pesquisa da UFJF propõe dieta normal para tratar pancreatite aguda

O estudo da Universidade Federal de Juiz de Fora, publicada no American Journal of Gastroenterology, propõe nova abordagem na alimentação de pacientes com a doença e é considerada inovadora

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Francelle Marzano - Estado de Minas Publicação:20/01/2014 11:00Atualização:19/01/2014 18:47

O Núcleo de Pesquisa em Gastroenterologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) desenvolveu uma pesquisa que está sendo considerada referência mundial no tratamento da pancreatite aguda leve (PAL). O estudo pode acelerar a cura da doença e reduzir em um ou dois dias o tempo de internação dos pacientes. Publicado pelo Colégio Americano de Gastroenterologia por meio de um dos principais jornais da área médica no mundo, o American Journal of Gastroenterology, já é considerado referência por propor uma nova abordagem na dieta de pacientes recém-internados com a doença. O trabalho foi desenvolvido na Faculdade de Medicina da UFJF e liderado pelo diretor da instituição, o médico gastroenterologista Julio Chebli.

A pesquisa foi desenvolvida em quatro anos, sendo os dois primeiros usados para a coleta de dados e o restante para análises e tabulação, reunindo sete pesquisadores da UFJF, entre professores, alunos de pós-graduação e iniciação científica. Ao todo, foram estudados 210 casos de pacientes selecionados aleatoriamente ao se internar no Hospital Universitário (HU) com os sintomas de PAL, número considerado suficiente para reproduzir um resultado confiável. Eles chegavam até a unidade pela emergência e relatavam fortes dores abdominais e vômito, foram internados e acompanhados até receber alta.

Entenda o que é e quais as causas da pancreatite. Clique para ampliar (EM / DA Press)
Entenda o que é e quais as causas da pancreatite. Clique para ampliar
A pesquisa foi publicada em 2010 e reconhecida pelo Colégio Americano de Gastroenterologia no fim de 2013. Coordenador do estudo, Julio Chebli explica que começou a estudar os casos depois de reparar que alguns pacientes que estavam internados no HU com dieta restrita ingeriam comidas com teor de gordura trazidas por familiares e não tinham o quadro agravado. "Cada paciente era avaliado em um período diferente ao longo dos quatro anos de pesquisa. À medida que ele recebia alta, a participação dele na pesquisa também era encerrada", afirma Chebli.

Depois de diagnosticada a PAL, a indicação era para internação imediata para tratamento e reabilitação, quando o paciente é submetido a jejum completo, hidratação venosa e analgesia. O processo era mantido dessa forma até que a dor cessasse e o apetite voltasse ao normal, o que ocorria em um período entre três a cinco dias. Esse era o processo tradicionalmente utilizado pelos hospitais, que havia sido definido com base no funcionamento fisiológico, já que a gordura é vista como a principal responsável por estimular a secreção pancreática, causando entre os médicos especialistas receio sobre a dieta contendo gorduras.

No entanto, análises feitas pelos pesquisadores constataram que o pâncreas no estado de pancreatite aguda já tem inibido o processo de secreção, o que não faria diferença sobre a dieta a qual o paciente seria submetido. "Foi uma observação clínica. Notamos que eles transgrediam a dieta sem nenhuma alteração, o que se tornou a base do estudo", acrescenta o pesquisador.

Realimentação com gordura

O trabalho analisou a segurança e a extensão de hospitalização em pacientes realimentados com uma dieta sólida completa com refeição normal iniciada após a PAL, quando comparada a outras dietas mais restritivas, sem componentes de gordura. Os pacientes foram divididos em três grupos e para um terço deles foi prescrita a alimentação usada tradicionalmente nos casos de pancreatite: primeiro líquida, depois pastosa e, por último, a alimentação normal com gordura. Para a segunda parte do grupo foi introduzida primeiro a dieta pastosa e, em seguida, a alimentação normal com gordura.

A credibilidade da pesquisa, no entanto, dependia de alguns fatores fundamentais, como que o estudo fosse duplo-cego, quando nem os pacientes envolvidos nem os médicos responsáveis pela medicação e pela alta hospitalar soubessem dos trâmites. Ou seja, nenhuma das partes sabia qual das três dietas estava sendo administrada. "Eles sabiam que estavam participando de um estudo, mas não sabiam qual método estava sendo seguido. Somente quando o paciente recebia alta é que ele tinha conhecimento", explica Chebli.

"O resultado revelou que realmente não houve diferença nos índices de recorrência de dores abdominais durante a realimentação dos pacientes entre os três grupos", explica. Os pacientes que receberam dieta normal desde o início da realimentação ingeriram mais calorias e teor de gorduras nos dois primeiros dias. No entanto, nenhum deles apresentou piora do quadro ou recorrência de dores abdominais que fossem diferentes de outros grupos.

Estudo indica economia para sistema de saúde
Para a gastroenterologista e membro da Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG), Maria do Carmo Friche Passos, o resultado apresentado no estudo desenvolvido na Federal de Juiz de Fora propõe uma mudança radical no tratamento da pancreatite aguda leve e, apesar de ser uma pesquisa nova, ser citada no American Journal of Gastroenterology como referência no tratamento é um grande avanço. "São mudanças recentes que vão trazer uma transformação para o diagnóstico da doença. A consequência que o estudo trás é de uma boa economia para o sistema de saúde e para o paciente, que tem diagnóstico mais rápido", afirma.

Maria do Carmo acredita que a novidade ainda demande mais estudos, uma vez que apenas os casos de PAL foram estudados. Ela afirma que existem vários estágios da doença que talvez poderiam se encaixar no mesmo diagnóstico. "Não fazer o jejum e introduzir uma dieta com gorduras já é um grande avanço, mas talvez o mesmo diagnóstico não pode ser aplicado em casos em que a doença já esteja em um grau mais avançado. Precisamos de mais estudo na área para complementar a pesquisa", diz.

 (Soraia Piva / EM / DA Press)

Todos saem ganhando

O estudo também foi publicado no Journal of Clinical Gastroenterology, referência para área médica, que destacou a redução do período de internação do paciente com pacreatite aguda leve, sem o aumento na recorrência de dores abdominais. A publicação ressalta como método seguro a antecipação da prática da dieta normal, incluindo os itens com conteúdo de gorduras. O cooordenador da pesquisa Julio Chebli ressalta que o resultado mais importante do trabalho é que a extensão da hospitalização do terceiro grupo foi significativamente menor, implicando em vantagem para o paciente e também para o hospital. "É um impacto grande para o sistema de saúde, tanto o público quanto o privado. Diminui o custo global e disponibiliza mais leitos", pontua.

Com os resultados positivos, o procedimento já vem sendo adotado no Hospital Universitário de Juiz de Fora, representando uma disponibilidade média de 80 dias de leitos anuais. Um impacto significativo, indicando que o estudo pode contribuir expressivamente para a gestão hospitalar. "O estudo foi publicado na revista que é considerada o guia dos médicos e já vem sendo aplicado em todo o mundo, inclusive nos Estado Unidos", afirma Maria do Carmo Friche.

Membros do grupo de estudo afirmam que, embora o estudo já esteja reconhecido e normatizado, a aplicação dele em hospitais do Brasil demanda tempo. "A cura da doença com uma dieta leve é vista por nós como uma crença e desmistificar isso é um processo difícil. Acredito que aos poucos isso vai se tornando padrão", reflete Chebli.

Pesquisadores destacam que a nova metodologia pode trazer soluções viáveis para a gestão, com opções eficientes, testadas e comprovadas no hospital universitário. O conjunto entre a pesquisa e planejamento econômico pode ser uma saída eficiente para o desenvolvimento e viabilidade das políticas públicas de atendimento à saúde. "A pesquisa apresenta soluções eficientes, com reduções no tempo de internação, com uma economia global nos custos dos hospitais e leitos disponíveis para tratamento de outras doenças que podem ser consideradas mais graves", ressalta Maria do Carmo.

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