Micróbios resistentes a antibióticos viram ameaça global
Infecções não respondem mais aos medicamentos disponíveis, o que leva a doenças com tratamentos mais longos para sua eventual cura, um risco maior de contágio, mais custos econômicos e, sobretudo, um risco maior de mortalidade
AFP - Agence France-Presse
Publicação:19/02/2014 08:34Atualização: 19/02/2014 08:41
"Se não ficarmos atentos a isso, muito em breve estaremos na primeira era de pós-antibióticos", na qual os medicamentos milagrosos do século XX não serão mais eficazes, advertiu em setembro passado, o diretor do CDC, Tom Frieden. "É um grande problema!", declarou à AFP o professor Patrice Courvalin, que chefia o Centro Nacional de Referência da Resistência aos Antibióticos no renomado Instituto Pasteur de Paris.
"O problema não é só não poder mais tratar uma doença, mas ter de deixar para trás, de um dia para o outro, entre 20 e 30 anos de avanços médicos", explicou o cientista. A descoberta dos antibióticos representou, entre 1930 e 1970, um avanço incrível materializado em uma maior expectativa de vida e em muitos êxitos cirúrgicos.
No Reino Unido, a principal conselheira governamental para a Saúde, Sally Davies, fala da resistência aos antibióticos como de uma ameaça global comparável ao terrorismo, ou ao aquecimento global. No entanto, esse fenômeno é algo natural: o aparecimento, por meio de um processo de seleção, de cepas mutantes de bactérias que se tornaram "insensíveis" aos medicamentos.
As infecções não respondem mais aos medicamentos disponíveis, o que leva a doenças com tratamentos mais longos para sua eventual cura, um risco maior de contágio, mais custos econômicos e, sobretudo, um risco maior de mortalidade.
A tuberculose, uma doença ultrarresistente
A tuberculose é a doença infecciosa mais emblemática no desafio provocado pela resistência aos medicamentos. Quase 5% dos casos recentes foram provocados por variações do bacilo de Koch "multirresistentes", insensíveis a dois antibióticos: a isoniazidia e a rifampicina.
Algo ainda mais grave: o aparecimento de uma tuberculose "ultrarresistente", também refratária aos antibióticos de último recurso. Esses casos já representam 10% dos de tuberculose resistente. "Em algumas partes do mundo já não dispomos quase de antibióticos (eficazes)", alarma-se o professor de Microbiologia Timothy Walsh, da Universidade de Cardiff (Gales), citando Índia, Paquistão, Sudeste Asiático e algumas regiões da América Latina.
As resistências microbianas não são exclusividade dos países pobres. A multiplicação, nos hospitais de países ricos, de infecções hospitalares entre pacientes com imunidade baixa, como as provocadas pelo "Staphylococcus aureus", é uma prova disto. Para a OMS, o uso "inapropriado" de antimicrobianos é a primeira causa de resistência: nos países pobres, porque às vezes as doses administradas são muito fracas e, ao contrário, nos ricos, porque podem ser excessivas.
A França, por exemplo, é o terceiro consumidor europeu de antibióticos, após ter sido o primeiro durante muito tempo. O hábito de muitos médicos de receitá-los inutilmente para combater doenças de origem viral recuou, mas 20% dos medicamentos que ocupam as prateleiras das farmácias do território francês são antibióticos.
Também é uma realidade que nas fazendas do mundo ocidental a metade dos medicamentos antimicrobianos é destinada aos animais de criação para aumentar seu rendimento em carne. "Essas práticas contribuem para aumentar a resistência a organismos como as salmonelas, que podem ser transmitidos ao ser humano", destacou a OMS. A OMS vem desenvolvendo desde 2001 uma "estratégia" para limitar e controlar as resistências em nível mundial.
Nos Estados Unidos, a agência que regula os produtos sanitários e os alimentos, a FDA (na sigla em inglês), busca convencer a indústria farmacêutica a eliminar "alguns" antibióticos usados na criação de gado. Na Europa, a Comissão Europeia implantou em 2011 um plano contra a resistência, que tem como um dos objetivos estimular a pesquisa sobre o tema. Mas, segundo o especialista Olivier Patey, "os grandes laboratórios não estão motivados" a desenvolver produtos desse tipo.
A "fagoterapia", que usa vírus para matar bactérias específicas, poderia ser a grande solução para o programa europeu anti-resistência. Bruxelas financiou em 2013 um primeiro projeto, denominado "Phagoburn", para testar dois produtos à base de "vírus bacteriófagos" contra bactérias resistentes, presentes nos ferimentos de pacientes com grandes queimaduras.
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A crescente resistência dos micróbios aos antibióticos se tornou uma ameaça em escala planetária, considerada muito séria pelas autoridades sanitárias que, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), multiplicam as advertências e os planos de ação. Um novo sinal de alerta foi lançado nos Estados Unidos, onde o organismo federal da saúde (CDC, na sigla em inglês) estimou que a resistência das bactérias aos antibióticos provoca "pelo menos 23 mil mortes" a cada ano, quase tantas quanto as vítimas por armas de fogo.- Hospitais do Rio identificam três pacientes com bactéria resistente a antibióticos
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"Se não ficarmos atentos a isso, muito em breve estaremos na primeira era de pós-antibióticos", na qual os medicamentos milagrosos do século XX não serão mais eficazes, advertiu em setembro passado, o diretor do CDC, Tom Frieden. "É um grande problema!", declarou à AFP o professor Patrice Courvalin, que chefia o Centro Nacional de Referência da Resistência aos Antibióticos no renomado Instituto Pasteur de Paris.
"O problema não é só não poder mais tratar uma doença, mas ter de deixar para trás, de um dia para o outro, entre 20 e 30 anos de avanços médicos", explicou o cientista. A descoberta dos antibióticos representou, entre 1930 e 1970, um avanço incrível materializado em uma maior expectativa de vida e em muitos êxitos cirúrgicos.
No Reino Unido, a principal conselheira governamental para a Saúde, Sally Davies, fala da resistência aos antibióticos como de uma ameaça global comparável ao terrorismo, ou ao aquecimento global. No entanto, esse fenômeno é algo natural: o aparecimento, por meio de um processo de seleção, de cepas mutantes de bactérias que se tornaram "insensíveis" aos medicamentos.
As infecções não respondem mais aos medicamentos disponíveis, o que leva a doenças com tratamentos mais longos para sua eventual cura, um risco maior de contágio, mais custos econômicos e, sobretudo, um risco maior de mortalidade.
Resistência das bactérias aos antibióticos provoca "pelo menos 23 mil mortes" a cada ano, quase tantas quanto as vítimas por armas de fogo
A tuberculose é a doença infecciosa mais emblemática no desafio provocado pela resistência aos medicamentos. Quase 5% dos casos recentes foram provocados por variações do bacilo de Koch "multirresistentes", insensíveis a dois antibióticos: a isoniazidia e a rifampicina.
Algo ainda mais grave: o aparecimento de uma tuberculose "ultrarresistente", também refratária aos antibióticos de último recurso. Esses casos já representam 10% dos de tuberculose resistente. "Em algumas partes do mundo já não dispomos quase de antibióticos (eficazes)", alarma-se o professor de Microbiologia Timothy Walsh, da Universidade de Cardiff (Gales), citando Índia, Paquistão, Sudeste Asiático e algumas regiões da América Latina.
As resistências microbianas não são exclusividade dos países pobres. A multiplicação, nos hospitais de países ricos, de infecções hospitalares entre pacientes com imunidade baixa, como as provocadas pelo "Staphylococcus aureus", é uma prova disto. Para a OMS, o uso "inapropriado" de antimicrobianos é a primeira causa de resistência: nos países pobres, porque às vezes as doses administradas são muito fracas e, ao contrário, nos ricos, porque podem ser excessivas.
A França, por exemplo, é o terceiro consumidor europeu de antibióticos, após ter sido o primeiro durante muito tempo. O hábito de muitos médicos de receitá-los inutilmente para combater doenças de origem viral recuou, mas 20% dos medicamentos que ocupam as prateleiras das farmácias do território francês são antibióticos.
Também é uma realidade que nas fazendas do mundo ocidental a metade dos medicamentos antimicrobianos é destinada aos animais de criação para aumentar seu rendimento em carne. "Essas práticas contribuem para aumentar a resistência a organismos como as salmonelas, que podem ser transmitidos ao ser humano", destacou a OMS. A OMS vem desenvolvendo desde 2001 uma "estratégia" para limitar e controlar as resistências em nível mundial.
Nos Estados Unidos, a agência que regula os produtos sanitários e os alimentos, a FDA (na sigla em inglês), busca convencer a indústria farmacêutica a eliminar "alguns" antibióticos usados na criação de gado. Na Europa, a Comissão Europeia implantou em 2011 um plano contra a resistência, que tem como um dos objetivos estimular a pesquisa sobre o tema. Mas, segundo o especialista Olivier Patey, "os grandes laboratórios não estão motivados" a desenvolver produtos desse tipo.
A "fagoterapia", que usa vírus para matar bactérias específicas, poderia ser a grande solução para o programa europeu anti-resistência. Bruxelas financiou em 2013 um primeiro projeto, denominado "Phagoburn", para testar dois produtos à base de "vírus bacteriófagos" contra bactérias resistentes, presentes nos ferimentos de pacientes com grandes queimaduras.