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Pesquisa ganha prêmio com fórmula para calcular qualidade de vida dos brasileiros

Tese de doutorado defendida na UFMG ganha Prêmio Capes ao propor uma fórmula que ajuda a calcular a expectativa da qualidade de vida dos brasileiros

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Marta Vieira Publicação:23/02/2014 08:49
O educador físico Ramon Lino pensa na saúde dos alunos e também no seu futuro: plano de previdência em breve (Euler Junior/EM/D.A press)
O educador físico Ramon Lino pensa na saúde dos alunos e também no seu futuro: plano de previdência em breve

Envelhecer com qualidade de vida deixou de ser preocupação de quem está próximo de ingressar na chamada idade madura e dos especialistas envolvidos na discussão sobre a fragilidade do sistema de previdência num Brasil que vê cair a taxa de fecundidade. Gerações mais novas têm demonstrado a percepção de que qualquer ganho em qualidade de vida na idade avançada depende da busca de um estilo saudável de viver, associada à mudança de cultura e hábitos. Atento a esse comportamento que contagia a própria população idosa, o pesquisador Marcos Roberto Gonzaga pôs todo o conhecimento como estatístico, com mestrado e doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na elaboração de uma desafiadora fórmula de cálculo capaz de estimar a expectativa de vida saudável dos brasileiros.


Conceito central da tarefa que ele abraçou, a expectativa de vida saudável indica o tempo médio adicional que as pessoas esperam viver com boa saúde e em plenas condições de realizar as atividades do dia a dia. Marcos Gonzaga, que é professor adjunto do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais da UFRN, conta que, além do interesse pelo tema da saúde da população idosa, procurou desenvolver metodologia alternativa aos bancos de dados de pesquisas existentes no país. Não é novidade que a população brasileira está envelhecendo, realidade que já tem sido desvendada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O valor da metodologia criada pelo pesquisador está na possibilidade de apontar qual é a qualidade do tempo de vida adicional do brasileiro na idade madura. Se o país conhece como a população está envelhecendo, isso permite que o governo tenha condições de planejar os investimentos na área da saúde e previdência. Marcos Gonzaga usou como referência para a tese de doutorado as informações coletadas pelas edições de 1998, 2005 e 2008 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domícilios (Pnad), do IBGE, as mais recentes disponíveis.

Nos 10 anos analisados, ele constatou que houve aumento da expectativa de vida do brasileiro. As pessoas que chegaram aos 60 anos em 2008 esperavam viver em média por mais 19 anos, dos quais 15 anos seriam vividos com boas condições de saúde e outros quatro com incapacidade. Em 1998, a expectativa delas era viver por mais 17 anos, sendo 12 com boa saúde. A conclusão, portanto, foi que o tempo médio a ser vivido acima dos 60 anos em condições saudáveis cresceu de 73% para 79%, observou o pesquisador. “A metodologia nos apontou que a parcela do tempo vivida pelos brasileiros sem incapacidade aumentou entre 1998 e 2008, mostrando que as pessoas estão vivendo mais e melhor”, afirma. Outro resultado obtido com as estimativas feitas pelo novo método indica que as mulheres estão vivendo mais tempo com algum tipo de incapacidade, quando comparadas aos homens.

Não há uma série de dados suficiente para explicar a diferença entre as situações vividas por mulheres e homens. Uma das suposições, segundo Gonzaga, é a de que as mulheres procuram mais os serviços de saúde e têm percepção aguçada do seu estado de saúde. “É possível, mas não sei se provável, que elas tendam a dispor de diagnósticos precoces e, portanto, vivam mais tempo com a doença e restrições de atividade”, diz o pesquisador. Como contrapartida, supõe-se que os homens possam viver um tempo menor com alguma morbidade.

Difícil de mensurar
As conclusões a partir da tese de doutorado defendida por Marcos Gonzaga estão longe, no entanto, de eliminar a necessidade de o país investir em pesquisas ou de aperfeiçoamento do novo método proposto para orientar políticas públicas voltadas ao envelhecimento de vida com qualidade. “Se por um lado é inegável que a população esteja vivendo mais, por outro, não temos tanta certeza de que esse aumento está sendo acompanhado por melhorias em termos de saúde, morbidade ou incapacidade”, afirma. Ele reconhece a dificuldade de mensurar a qualidade de vida, principalmente tendo-se como referência um único indicador, usado pelo IBGE.

Aos 79 anos, Leila Houara ainda costura e diz que incentiva toda a família a praticar um estilo de viver de forma harmoniosa (Cristiana Horta/EM/D.A Press)
Aos 79 anos, Leila Houara ainda costura e diz que incentiva toda a família a praticar um estilo de viver de forma harmoniosa

 

COMPLEXIDADE DO CÁLCULO
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O método alternativo para estimar a expectativa de vida saudável da população criado pelo professor Marcos Gonzaga parte dos indicadores coletados no país sobre o estado de saúde da população idosa: doenças autorreportadas (uma ou mais doenças que as pessoas informam ter ao entrevistador, de uma lista apresentada a elas); saúde autodeclarada (as pessoas qualificam o seu estado de saúde, se muito bom, bom, regular, ruim ou muito ruim) e incapacidade funcional (mede a capacidade das pessoas de realizar atividades simples e fundamentais da vida diária para avaliar a independência dos idosos).

2 Expectativa de vida saudável é um indicador que mede o quanto do aumento no tempo médio de vida a partir de uma determinada idade é experienciada com boa saúde. A base da estimativa foi a expectativa de vida aos 60 anos.

3 Do indicador de incapacidade funcional, a fórmula chega ao indicador de Expectativa de Vida Ativa (EVA), que considera, ainda, taxas de transição calculadas pelo pesquisador, entre os estados ativo, de incapacidade e do risco de morte da pessoa ou do número de pessoas que estão naquela faixa etária.

4 O passo seguinte foi estabelecer um padrão etário de taxas de transição entre os estados de saúde e morte por idade, assim definindo o tempo médio em que as pessoas vivem em cada estado antes de morrerem.

 

GERAÇÕES EXEMPLARES

Na prática, muitas pessoas têm procurado mudar hábitos, adotando uma rotina de exercícios físicos e uma boa dieta alimentar. É o que percebe o educador físico Ramon da Silva Lino, que vem observando o aumento da procura pelo serviço de personal training e da consciência dos alunos sobre a importância dos exercícios físicos orientados associados à boa dieta alimentar. Aos 28 anos, Ramon mantém o hábito de desenvolver tarefas para ter justamente a qualidade de vida que Gonzaga investigou durante o doutorado. “O objetivo principal das pessoas deve ser o de chegar à idade madura e ter uma velhice menos dolorosa e com independência funcional.” Não só na atividade profissional, que trabalha a saúde das pessoas, Ramon já pensa na sua própia vida e planeja fazer um plano de previdência para ter mais segurança no futuro.


De acordo com Maria Inês Prazeres, dona da consultoria Infovida, de Belo Horizonte, cresce a participação de jovens com essa visão, de ter uma aposentadoria mais confortável. “Eles buscam planos previdenciários para organizar uma aposentadoria e com contribuições maiores, para terem recursos financeiros suficientes”, diz.
E a lição de quem busca qualidade de vida na idade madura vem da aposentada Leila Houara, de 79, que, além de continuar usando a máquina de costura para trabalhos artesanais em tecido, conduz toda a família para a prática de um estilo saudável de viver. Alimentos naturais à mesa todos os dias, ginástica, produção de arranjos florais na filosofia da ikebana e a prática de ensinamentos do budismo se transformaram em regras básicas. “As pessoas me perguntam de que água eu bebi e respondo que é muito importante sentir que somos capazes de realizar, seja o que for. Há outras lições também essenciais, como beber menos, odiar e julgar menos, amar mais e tolerar mais”, afirma.

 
PESQUISA E LIMITAÇÕES

A tese “Uma proposta metodológica para estimar o padrão etário das transições de incapacidade e tendências na expectativa de vida ativa dos idosos: um estudo para o Brasil entre 1998 e 2008” foi defendida no Programa de Pós-graduação em Demografia do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais (Cedeplar), vinculado à UFMG. O trabalho foi vencedor do Prêmio Capes 2013 na área de Planejamento Urbano e Demografia Regional, promovido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, fundação do Ministério da Educação.

Um das limitações encontradas por Marcos Gonzaga está no fato de que a maioria das metodologias existentes com o mesmo objetivo depende de dados extraídos de pesquisas que acompanham uma população ou uma amostra de pessoas por determinado período, observando as mudanças sociais, econômicas e de saúde do grupo, levantamento carente no país. Essas pesquisas, chamadas de longitudinais, são mais caras e difíceis de ser realizadas. O pesquisador trabalhou, então, para criar um método assentado sobre bases de dados disponíveis de pesquisas pontuais, conhecidas como transversais, e que não necessariamente acompanham o mesmo universo de pessoas observado a cada período do levantamento. Com aperfeiçoamento e estudos adicionais, a intenção do pesquisador é que a metodologia alternativa seja usada para estimativas da expectativa de vida saudável por estado, incluindo variáveis relacionadas à morbidade e incapacidade da população idosa.

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