Pacientes paralisados recuperam movimentos em pesquisa classificada como 'impressionante', veja
Estudo foi publicado hoje e mostra resultados da estimulação elétrica na medula espinhal. No Brasil, pesquisadores desenvolvem exoesqueleto para permitir que pessoas com paralisia voltem a andar
Letícia Orlandi - Saúde Plena
Publicação:08/04/2014 13:30Atualização: 08/04/2014 14:55
Em um experimento classificado pelas comunidades médicas e científicas como 'impressionante', uma equipe de pesquisadores da Universidade de Louisville e da Universidade da California conseguiu restaurar movimentos voluntários de quatro homens com paralisia. O estudo foi publicado nesta terça-feira (8) na revista científica Brain. “A mensagem que fica após o experimento é de que a perda de movimentos dos membros inferiores deixa de ser uma sentença definitiva”, disse Roderic Pettigrew, diretor do Instituto Nacional de Imagens Biomédicas e Bioengenharia.
Por meio da estimulação elétrica aplicada na medula espinhal dos quatro pacientes, os pesquisadores conseguiram refazer a ligação entre os cérebro e as pernas. No caso deles, foi identificado que conseguiam enviar os sinais cerebrais normalmente até a coluna, mas a conexão com os membros inferiores havia sido, aparentemente, perdida. Os participantes apresentavam a paralisia por mais de dois anos, mas, conectados ao aparelho de estimulação, puderam levantar as pernas, flexionar tornozelos, joelhos e dedos dos pés, além de suportar o próprio peso do corpo na posição vertical.
Um dos resultados que particularmente impressionou os cientistas foi que eles recuperaram também o controle da bexiga e dos intestinos. Conseguiram ainda regular a pressão sanguínea para retomar funções sexuais, nos casos em que elas haviam sido perdidas. Esses efeitos específicos perduraram mesmo após a desconexão do aparelho. Um dos participantes, Kent Stephenson, sofreu um acidente de moto em 2009, quando ficou paralisado do pescoço para baixo. Ele diz que está conseguindo sua vida de volta. “Aos 22 anos, os médicos me entregaram a cadeira e disseram: acostume-se com isso. Agora estou bem melhor e tenho a sensação que ainda vou melhorar muito; e não piorar. Quando levantei a perna, não pude acreditar. Minha mãe foi às lágrimas”, afirmou em entrevista ao USA Today.
O primeiro paciente a participar da pesquisa, Rob Summers, já tinha impressionado os médicos em 2011, mas a equipe queria comprovar que não era um caso isolado, nem um acaso. Summers, que estava paralisado do peito para baixo, havia sido capaz de se levantar sem ajuda dos fisioterapeutas; e, sete meses depois, conseguiu movimentar voluntariamente as pernas, o que deixou os pesquisadores muito otimistas.
Os benefícios da estimulação não são, no entanto, imediatos. Todos os quatro homens mudaram-se para a cidade de Louisville e passaram por pelo menos dois anos de reabilitação e experiências. Eles faziam também exercícios em casa. “Ainda é muito cedo para dizer que todos os pacientes com lesões na medula espinhal poderão ser beneficiados. Mas um bom resultado com todos os 4 participante é um ótimo sinal”, pondera Claudia Angeli, professora do Centro de Pesquisa em Lesões na Medula Espinhal de Louisville. A equipe está recrutando um novo grupo de quatro pessoas para os experimentos.
A pesquisa é financiada parcialmente pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA e pela fundação criada pelo eterno super-homem Christopher Reeve (1952-2004). Em 1995, ele caiu de um cavalo e ficou tetraplégico, passando a lutar pelo desenvolvimento de pesquisas principalmente com células-tronco. A instituição continua a investir em diversos trabalhos científicos após sua morte.
Conexões 'ressuscitadas'
Embora os cientistas já soubessem que a medula espinhal pudesse comandar ações de forma independente do cérebro, eles ainda não sabiam o nível de força do sinal original do cérebro que precisaria atingir a coluna. Agora eles sabem que um sinal bem fraco já é capaz de ser o gatilho. “Em vez de haver uma separação completa entre as conexões, é provável que as conexões continuem existindo, só que não funcionam. O sinal chegava do cérebro à medula espinhal, mas parava ali. A estimulação pode fazer com que as conexões voltem a funcionar. O fato de que pode ser possível recuperar essas funções é fantástico”, explicou V. Reggie Edgerton, pesquisador da Universidade da Califórnia.
Edgerton afirmou ainda que os testes com animais indicam que os resultados podem ser ainda melhores. “Para um movimento específico, podemos selecionar exatamente onde e como estimular a medula espinhal. Nós ainda não temos essa flexibilidade na tecnologia disponível, mas podemos chegar lá”, disse o pesquisador, que mantém pesquisas sobre a estimulação dos membros superiores e também testes de estimulação por meio da pele.
Todos os pacientes foram capazes de sincronizar os movimentos da perna, tornozelo e dedos dos pés. “Isso abre um novo leque de experiências e não há dúvida de que essa pesquisa vai beneficiar outras pessoas com paralisia. As mudanças foram impressionantes e significam grande esperança de trazer qualidade de vida para essas pessoas”, disse Peter T. Wilderotter, presidente da Christopher and Dana Reeve Foundation. No artigo publicado hoje, os pesquisadores indicam que o prognóstico que até hoje era dado aos pacientes com lesões na medula espinhal - "não há nada que se possa fazer" - precisa ser repensado e precisa considerar o potencial dos resultados alcançados.
No Brasil, exoesqueleto controlado pela mente
Já a equipe comandada pelo pesquisador brasileiro Miguel Nicolelis trabalha no aperfeiçoamento de um exoesqueleto robótico controlado pela mente. Uma das metas colocada pelo grupo é que alguns dos pacientes participantes do estudo sejam capazes de dar o pontapé inicial da Copa do Mundo 2014, em 12 de junho, na capital paulista.
O traje complexo foi construído a partir de ligas leves e um sistema hidráulico, ao longo de anos de trabalho do projeto 'Andar de novo'. Desenvolvido por um consórcio internacional, o projeto é liderado, no Brasil, pelo IINN-ELS (Instituto Internacional de Neurociências de Natal – Edmond e Lily Safra) em parceria com a AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente).
Dentro desse contexto, Nicolelis e sua equipe desenvolvem pesquisas com foco na leitura de ondas cerebrais, para permitir que uma pessoa controle membros robóticos. O projeto treina, atualmente, nove homens e mulheres com idade entre 20 e 40 anos, no laboratório de reabilitação NeuroRobotics, em São Paulo. Três deles foram escalados para participar da cerimônia de abertura do Mundial.
O exoesqueleto tem autonomia para duas horas de uso contínuo e é equipado com airbags múltiplos e giroscópios para impedi-lo de cair. Os pés do operador ficam sobre placas dotadas de sensores e conectadas a um dispositivo vibratório costurado no antebraço da camisa. Assim, ele 'engana' o cérebro, que percebe o estímulo como originário do pé.
Nicolelis disse, em relatório recente, que a tecnologia estava madura para transformar-se em equipamentos de uso diário e poderia finalmente substituir as cadeiras de rodas. “Muitos disseram que a missão era impossível, mas a 65 dias da abertura da Copa, o exoesqueleto dá os primeiros passos no chão. É um momento histórico”, afirmou nesta segunda-feira em seu perfil no Facebook, quando divulgou um vídeo que mostra o exoesqueleto dando seus primeiros passos.
Da esq. para a direita: Andrew Meas, Dustin Shillcox, Kent Stephenson e Rob Summers, participantes da experiência que conseguiram levantar as pernas, flexionar tornozelos, joelhos e dedos dos pés, além de suportar o próprio peso do corpo na posição vertical
Por meio da estimulação elétrica aplicada na medula espinhal dos quatro pacientes, os pesquisadores conseguiram refazer a ligação entre os cérebro e as pernas. No caso deles, foi identificado que conseguiam enviar os sinais cerebrais normalmente até a coluna, mas a conexão com os membros inferiores havia sido, aparentemente, perdida. Os participantes apresentavam a paralisia por mais de dois anos, mas, conectados ao aparelho de estimulação, puderam levantar as pernas, flexionar tornozelos, joelhos e dedos dos pés, além de suportar o próprio peso do corpo na posição vertical.
Um dos resultados que particularmente impressionou os cientistas foi que eles recuperaram também o controle da bexiga e dos intestinos. Conseguiram ainda regular a pressão sanguínea para retomar funções sexuais, nos casos em que elas haviam sido perdidas. Esses efeitos específicos perduraram mesmo após a desconexão do aparelho. Um dos participantes, Kent Stephenson, sofreu um acidente de moto em 2009, quando ficou paralisado do pescoço para baixo. Ele diz que está conseguindo sua vida de volta. “Aos 22 anos, os médicos me entregaram a cadeira e disseram: acostume-se com isso. Agora estou bem melhor e tenho a sensação que ainda vou melhorar muito; e não piorar. Quando levantei a perna, não pude acreditar. Minha mãe foi às lágrimas”, afirmou em entrevista ao USA Today.
O primeiro paciente a participar da pesquisa, Rob Summers, já tinha impressionado os médicos em 2011, mas a equipe queria comprovar que não era um caso isolado, nem um acaso. Summers, que estava paralisado do peito para baixo, havia sido capaz de se levantar sem ajuda dos fisioterapeutas; e, sete meses depois, conseguiu movimentar voluntariamente as pernas, o que deixou os pesquisadores muito otimistas.
Na foto da esquerda, Kent Stephenson levanta voluntariamente a perna, enquanto o estimulador da medula espinhal está ativo. Na foto da direita, ele tem seu nível de força muscular medido
A pesquisa é financiada parcialmente pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA e pela fundação criada pelo eterno super-homem Christopher Reeve (1952-2004). Em 1995, ele caiu de um cavalo e ficou tetraplégico, passando a lutar pelo desenvolvimento de pesquisas principalmente com células-tronco. A instituição continua a investir em diversos trabalhos científicos após sua morte.
Conexões 'ressuscitadas'
Embora os cientistas já soubessem que a medula espinhal pudesse comandar ações de forma independente do cérebro, eles ainda não sabiam o nível de força do sinal original do cérebro que precisaria atingir a coluna. Agora eles sabem que um sinal bem fraco já é capaz de ser o gatilho. “Em vez de haver uma separação completa entre as conexões, é provável que as conexões continuem existindo, só que não funcionam. O sinal chegava do cérebro à medula espinhal, mas parava ali. A estimulação pode fazer com que as conexões voltem a funcionar. O fato de que pode ser possível recuperar essas funções é fantástico”, explicou V. Reggie Edgerton, pesquisador da Universidade da Califórnia.
Edgerton afirmou ainda que os testes com animais indicam que os resultados podem ser ainda melhores. “Para um movimento específico, podemos selecionar exatamente onde e como estimular a medula espinhal. Nós ainda não temos essa flexibilidade na tecnologia disponível, mas podemos chegar lá”, disse o pesquisador, que mantém pesquisas sobre a estimulação dos membros superiores e também testes de estimulação por meio da pele.
Todos os pacientes foram capazes de sincronizar os movimentos da perna, tornozelo e dedos dos pés. “Isso abre um novo leque de experiências e não há dúvida de que essa pesquisa vai beneficiar outras pessoas com paralisia. As mudanças foram impressionantes e significam grande esperança de trazer qualidade de vida para essas pessoas”, disse Peter T. Wilderotter, presidente da Christopher and Dana Reeve Foundation. No artigo publicado hoje, os pesquisadores indicam que o prognóstico que até hoje era dado aos pacientes com lesões na medula espinhal - "não há nada que se possa fazer" - precisa ser repensado e precisa considerar o potencial dos resultados alcançados.
O exoesqueleto que dará o pontapé inicial na Copa 2014 poderá substituir, no futuro, o uso de cadeiras de roda
Já a equipe comandada pelo pesquisador brasileiro Miguel Nicolelis trabalha no aperfeiçoamento de um exoesqueleto robótico controlado pela mente. Uma das metas colocada pelo grupo é que alguns dos pacientes participantes do estudo sejam capazes de dar o pontapé inicial da Copa do Mundo 2014, em 12 de junho, na capital paulista.
O traje complexo foi construído a partir de ligas leves e um sistema hidráulico, ao longo de anos de trabalho do projeto 'Andar de novo'. Desenvolvido por um consórcio internacional, o projeto é liderado, no Brasil, pelo IINN-ELS (Instituto Internacional de Neurociências de Natal – Edmond e Lily Safra) em parceria com a AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente).
Dentro desse contexto, Nicolelis e sua equipe desenvolvem pesquisas com foco na leitura de ondas cerebrais, para permitir que uma pessoa controle membros robóticos. O projeto treina, atualmente, nove homens e mulheres com idade entre 20 e 40 anos, no laboratório de reabilitação NeuroRobotics, em São Paulo. Três deles foram escalados para participar da cerimônia de abertura do Mundial.
O exoesqueleto tem autonomia para duas horas de uso contínuo e é equipado com airbags múltiplos e giroscópios para impedi-lo de cair. Os pés do operador ficam sobre placas dotadas de sensores e conectadas a um dispositivo vibratório costurado no antebraço da camisa. Assim, ele 'engana' o cérebro, que percebe o estímulo como originário do pé.
Nicolelis disse, em relatório recente, que a tecnologia estava madura para transformar-se em equipamentos de uso diário e poderia finalmente substituir as cadeiras de rodas. “Muitos disseram que a missão era impossível, mas a 65 dias da abertura da Copa, o exoesqueleto dá os primeiros passos no chão. É um momento histórico”, afirmou nesta segunda-feira em seu perfil no Facebook, quando divulgou um vídeo que mostra o exoesqueleto dando seus primeiros passos.