Pesquisa aponta que filtragem da fumaça no narguilé não funciona
Experimento feito com 55 fumantes nos Estados Unidos comprova que o dispositivo não elimina as substâncias causadoras de câncer, doenças cardíacas e respiratórias
Bruna Sensêve - Correio Braziliense
Publicação:19/05/2014 14:00Atualização: 19/05/2014 14:41
Cachimbos de água são usados para fumar tabaco e outras substâncias na África e na Ásia por pelo menos quatro séculos. A história mais conhecida, mas não completamente comprovada, conta que o narguilé foi inventado no século 17, na Índia, pelo médico Hakim Abul Fath. O objetivo principal era justamente encontrar uma forma de retirar as impurezas da fumaça. Projeto não alcançado, segundo pesquisadores norte-americanos. De acordo com um estudo publicado neste sábado (17) na Cancer Epidemiology, Biomarkers & Prevention, um jornal da Associação Americana para Pesquisa do Câncer, jovens adultos que usaram o dispositivo em bares da cidade de São Francisco apresentaram níveis bastante elevados das mesmas substâncias cancerígenas encontradas no cigarro manufaturado.
O narguilé — também conhecido como hookah, shisha ou goza — é uma espécie de instrumento no qual uma mistura de tabaco é aquecida por uma brasa e a fumaça gerada passa por um filtro de água antes de ser aspirada pelo fumante (veja arte). Por envolver um processo distinto, muitos tendem a pensar que o dispositivo não é prejudicial à saúde ou causa menos estragos que o cigarro comum. Para enterrar completamente essa ideia, cientistas liderados por Gideon St.Helen, da Divisão de Farmacologia Clínica e do Centro de Pesquisa do Controle de Tabaco e Educação da Universidade da Califórnia, em São Francisco, analisaram amostras da urina de 55 fumantes experientes.
Após uma única noite de tabagismo, as pessoas apresentaram um aumento de 73 vezes de nicotina na urina; quatro vezes de cotinina (metabólico produzido pelo corpo ao ser exposto à nicotina); duas vezes de NNAL e NNK, substâncias que podem causar câncer de pulmão e de pâncreas. O incremento nos produtos de degradação de compostos orgânicos voláteis, como benzeno e acroleína, ficou entre 14% e 91%. Eles são conhecidos por também causar câncer, doenças cardiovasculares e respiratórias. “O aumento significativo nos níveis de nicotina levanta preocupações sobre a dependência potencial de fumar cachimbos com água e possíveis efeitos sobre o cérebro em desenvolvimento de crianças e jovens que compartilham os filtros de água”, alerta St.Helen.
O estudioso ressalta que a crença de que esses cachimbos são inofensivos faz com que sejam alvo da curiosidade de adolescentes e mesmo de crianças. “Eu vi famílias inteiras, incluindo crianças pequenas, fumando cachimbos de água. Eu mesmo tive a oferta de um trago de um amigo que achava que fumar cachimbo de água era ‘totalmente seguro’”, acrescentou.
Efeitos persistentes
A equipe liderada por St.Helen descobriu também que os níveis elevados de nicotina, cotinina e NNAL detectados imediatamente após a sessão de tabagismo se mantiveram significativamente elevados nas amostras de urina do dia seguinte. A nicotina foi 10,4 vezes maior; a cotinina, 3,2 vezes; e a NNAL, 2,2 vezes. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma sessão de narguilé dura em média de 20 a 80 minutos, o que corresponde à exposição a todos os componentes tóxicos presentes na fumaça de 100 cigarros.
Para Luiz Carlos Silva, coordenador da Comissão de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, o estudo é metodologicamente suficiente para mostrar evidências estatísticas. “Já existem trabalhos mostrando que a filtragem pelo narguilé não faz diferença nenhuma. O fato de a fumaça passar por um líquido não retira nenhuma substância produzida na combustão do fumo. Isso é bem mensurado na pesquisa.”
Ele reforça que, no narguilé, não há a filtragem do cigarro tradicional, o que deixa o dispositivo ainda mais nocivo. “Eles (os usuários) estão sob um grande risco de câncer e nem imaginam, além da enorme possibilidade de se tornarem fumantes normais. O narguilé é percebido como uma porta de entrada para o tabagismo convencional”, alerta. Silva argumenta que a regulamentação para esse tipo de produto e atividade deveria ser a mesma sofrida pelo cigarro tradicional, com as mesmas proibições de ambiente e público.
Para saber mais
Adesão alta entre jovens brasileiros
Dados da Pesquisa Especial sobre Tabagismo (PETab) — realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em parceria com o Instituto Nacional de Câncer — apontam que o cachimbo de origem oriental tinha em 2008 quase 300 mil consumidores no país. Informações da pesquisa Vigescola evidenciam a alta prevalência do consumo do narguilé entre estudantes de 13 a 15 anos em 2009. O mesmo panorama foi constatado pela pesquisa Perfil do Tabagismo entre Estudantes Universitários no Brasil, do Ministério da Saúde. Em Brasília e São Paulo (SP), dos estudantes da área da saúde que declararam em 2011 consumir com frequência algum outro tipo de produto derivado do tabaco, de 60% a 80%, respectivamente, citaram o narguilé. A socialização facilitada está entre os atrativos do dispositivo, que pode ser compartilhada por várias pessoas.
De acordo com estudo publicado na Cancer Epidemiology, Biomarkers & Prevention, jovens adultos que usaram o dispositivo em bares apresentaram níveis bastante elevados das mesmas substâncias cancerígenas encontradas no cigarro manufaturado
O narguilé — também conhecido como hookah, shisha ou goza — é uma espécie de instrumento no qual uma mistura de tabaco é aquecida por uma brasa e a fumaça gerada passa por um filtro de água antes de ser aspirada pelo fumante (veja arte). Por envolver um processo distinto, muitos tendem a pensar que o dispositivo não é prejudicial à saúde ou causa menos estragos que o cigarro comum. Para enterrar completamente essa ideia, cientistas liderados por Gideon St.Helen, da Divisão de Farmacologia Clínica e do Centro de Pesquisa do Controle de Tabaco e Educação da Universidade da Califórnia, em São Francisco, analisaram amostras da urina de 55 fumantes experientes.
Saiba mais...
Os voluntários tinham entre 18 e 48 anos e foram instruídos a não usar qualquer tipo de fumo por uma semana. No fim desse período, forneceram uma amostra de urina para a referência inicial. Em seguida, foram orientados a passar uma noite usando o narguilé em um bar de preferência. Logo após a visita, entregaram uma nova amostra de urina e preencheram um formulário com as informações detalhadas sobre a sessão de fumo, incluindo o tempo total gasto, o número de pratos de tabaco usados e de pessoas que compartilharam o dispositivo. Os participantes forneceram ainda uma primeira amostra de urina na manhã seguinte, o que ajudou os pesquisadores a estimar o apuramento das substâncias químicas relacionadas com a atividade. Pela coleta de dados, descobriu-se que eles passaram em média 74 minutos fumando e fumaram 0,6 prato de tabaco por pessoa.Após uma única noite de tabagismo, as pessoas apresentaram um aumento de 73 vezes de nicotina na urina; quatro vezes de cotinina (metabólico produzido pelo corpo ao ser exposto à nicotina); duas vezes de NNAL e NNK, substâncias que podem causar câncer de pulmão e de pâncreas. O incremento nos produtos de degradação de compostos orgânicos voláteis, como benzeno e acroleína, ficou entre 14% e 91%. Eles são conhecidos por também causar câncer, doenças cardiovasculares e respiratórias. “O aumento significativo nos níveis de nicotina levanta preocupações sobre a dependência potencial de fumar cachimbos com água e possíveis efeitos sobre o cérebro em desenvolvimento de crianças e jovens que compartilham os filtros de água”, alerta St.Helen.
O estudioso ressalta que a crença de que esses cachimbos são inofensivos faz com que sejam alvo da curiosidade de adolescentes e mesmo de crianças. “Eu vi famílias inteiras, incluindo crianças pequenas, fumando cachimbos de água. Eu mesmo tive a oferta de um trago de um amigo que achava que fumar cachimbo de água era ‘totalmente seguro’”, acrescentou.
Efeitos persistentes
A equipe liderada por St.Helen descobriu também que os níveis elevados de nicotina, cotinina e NNAL detectados imediatamente após a sessão de tabagismo se mantiveram significativamente elevados nas amostras de urina do dia seguinte. A nicotina foi 10,4 vezes maior; a cotinina, 3,2 vezes; e a NNAL, 2,2 vezes. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma sessão de narguilé dura em média de 20 a 80 minutos, o que corresponde à exposição a todos os componentes tóxicos presentes na fumaça de 100 cigarros.
Ele reforça que, no narguilé, não há a filtragem do cigarro tradicional, o que deixa o dispositivo ainda mais nocivo. “Eles (os usuários) estão sob um grande risco de câncer e nem imaginam, além da enorme possibilidade de se tornarem fumantes normais. O narguilé é percebido como uma porta de entrada para o tabagismo convencional”, alerta. Silva argumenta que a regulamentação para esse tipo de produto e atividade deveria ser a mesma sofrida pelo cigarro tradicional, com as mesmas proibições de ambiente e público.
Para saber mais
Adesão alta entre jovens brasileiros
Dados da Pesquisa Especial sobre Tabagismo (PETab) — realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em parceria com o Instituto Nacional de Câncer — apontam que o cachimbo de origem oriental tinha em 2008 quase 300 mil consumidores no país. Informações da pesquisa Vigescola evidenciam a alta prevalência do consumo do narguilé entre estudantes de 13 a 15 anos em 2009. O mesmo panorama foi constatado pela pesquisa Perfil do Tabagismo entre Estudantes Universitários no Brasil, do Ministério da Saúde. Em Brasília e São Paulo (SP), dos estudantes da área da saúde que declararam em 2011 consumir com frequência algum outro tipo de produto derivado do tabaco, de 60% a 80%, respectivamente, citaram o narguilé. A socialização facilitada está entre os atrativos do dispositivo, que pode ser compartilhada por várias pessoas.