Estudos confirmam: amizades virtuais não substituem as da vida real

Ter amizades fortes ao longo da vida é certeza de ganhos físicos e psicológicos. O ser humano só se realiza plenamente no diálogo com o outro, garantem estudos diversos

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Carolina Samorano - Revista do CB Juliana Contaifer - Revista do Correio Publicação:15/07/2014 16:00Atualização:15/07/2014 16:42
O consultor Pietro Politi coleciona 2.250 amigos em seu perfil na internet, mas os brothers de verdade estão na foto - um time de sete irmãos camaradas  (Zuleika de Souza/CB/D.A Press)
O consultor Pietro Politi coleciona 2.250 amigos em seu perfil na internet, mas os brothers de verdade estão na foto - um time de sete irmãos camaradas
Um estudo da Universidade de Harvard, feito desde os anos 1930, tem provado seguidamente que uma vida sentimental bem resolvida, e isso inclui ter amigos, contribui para a longevidade. Para eles, ser velho, saudável mas sem amigos não tem a menor graça. E descobriram que os indivíduos que eram socialmente isolados acabavam morrendo mais jovens.

Ricardo Monezi, pesquisador do Instituto de Medicina Comportamental da Universidade Federal de São Paulo, acrescenta que, hoje, promover longevidade com qualidade é uma preocupação central para a ciência médica. “Antes, você ouvia muito ‘nossa, fulano durou 100 anos’. Mas não é que ele viveu 100 anos. Ele sobreviveu. A ciência médica vem provando que as relações positivas, além de promover longevidade, promovem também qualidade de vida”, diz o especialista.

Sem dúvida, ter bons companheiros pode fazer você viver mais e melhor. A questão é: num mundo em que a internet dá de bandeja a possibilidade de um sujeito ter um milhão de amigos, trocar likes até com desconhecidos, como reconhecer uma verdadeira amizade? Aquela que, de fato, exerce algum efeito sobre a saúde, que injeta porções generosas de oxitocina no organismo, que nos dá amparo?

Os brothers de carne e osso
Se para Aristóteles era impossível ter mais do que cinco amigos íntimos ao mesmo tempo, não se pode dizer o mesmo em tempos de Facebook. O pesquisador Robin Dunbar, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, garante que o número máximo de amigos que uma pessoa pode ter é 150. E a explicação faz sentido. Para ser amigo mesmo, é preciso guardar várias informações sobre a vida do outro, além de situações compartilhadas, e o cérebro humano não é capaz de armazenar tantos dados assim.

O consultor empresarial Pietro Politi, 26 anos, tem 2.250 amigos no Facebook. E ele garante: conhece todos. “Eu não adiciono quem não conheço. Tenho que ter conversado com a pessoa pelo menos uma vez, inclusive nego alguns pedidos de gente que já encontrei várias vezes, mas nunca conheci de verdade”, conta. Pietro fez um intercâmbio no Canadá e, lá, aumentou muito sua rede — por não conseguir conversar por telefone com os amigos estrangeiros, o jeito encontrado pela turma foi se adicionar no Facebook para manter contato ou, pelo menos, contar notícias de cada um em seus respectivos países.

Mas, entre os 2.250 “conhecidos” do Facebook, são sete os que são íntimos mesmo. Os que atendem o telefone de madrugada, consolam nos momentos tristes, comemoram as conquistas, estão sempre aptos a fazer companhia em festas, partidas de futebol ou tardes à toa e até dão uma escapada da rotina corrida para tirar uma foto com o amigo para a matéria da Revista. Como cada um tem uma profissão, os conselhos e as dúvidas são sempre sanados com rapidez e confiança — diante de qualquer dor, por exemplo, Pietro liga para o amigo médico; o amigo bancário é quase um gerente pessoal.

E nenhuma dessas amizades começou por conta da rede social. Algumas vêm da época da escola, outras da prática do handebol e até da própria família — o irmão Gabriel está no rol de pessoas em que Pietro pode confiar. “São os meus amigos antigos, que eu conheço há anos, encontro sempre e sei quem são porque sei que posso contar com eles para qualquer coisa. Mesmo quando não nos vemos há muito tempo, sei que eles vão fazer o possível para me ajudar se eu precisar de qualquer coisa. Estão sempre presentes, mesmo de longe”, conta.

Quem olha o Facebook de Pietro não identifica quem são esses amigos íntimos — e a maioria das pessoas que se rendeu à rede social pode dizer o mesmo. Aqueles que estão presentes na alegria e na tristeza não costumam trocar mensagens públicas. O contato é mais íntimo. “Meus amigos estão no mesmo patamar de importância que a minha família, prefiro telefonar ou mandar mensagem pelo WhatsApp”, explica.

 (Arquivo Pessoal)
Uma referência para a vida


“A amizade faz parte da condição humana. Hoje em dia, as pessoas confundem coleguismo com amizade. Temos poucas referências das relações de amizade atualmente. Colegas trabalham juntos, partilham ideias ou se filiam em ações parecidas. Amigos têm uma relação de companherismo (em latim, companis significa dividir o pão). De alguma maneira, amizade é estar junto, ser solidário às vontades do outro mesmo sem concordar, é um desprendimento egóico para fazer com que o amigo se realize. É ser altruísta e leal, ter uma relação quase fraterna de compromisso e entrega para com o outro.

O amigo é importante para que o sujeito tenha uma referência de si mesmo na sociedade. Uma relação de amizade oferece uma percepção dos seus próprios aspectos em uma pessoa que concorda e discorda e pode lhe oferecer um reflexo, mostrar a realidade. Além disso, faz bem para a saúde por fortalecer a autoestima, trazer confiança — que vem da palavra fiar, tecer juntos — e segurança. Uma pessoa que tem amigos sente que tem uma retaguarda para se apoiar nas adversidades. Indivíduos sem amigos não têm referências e se sentem isolados — um sentimento desesperador.”


Waldemar Magaldi é psicólogo especialista em psicologia junguiana, psicossomática e homeopatia. Mestre e doutor em ciências da religião. Professor do Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa.

 (Arquivo Pessoal)
Uma troca com o olhar do outro


“Ter relacionamentos sadios é fundamental para a vida humana. Para que isso exista, deve haver para com o outro um comportamento de confiança e ética que permita autonomia e solidariedade. Amigos remetem a um grau de compromisso social, moral e cultural que dá ensejo à construção de possibilidades de crescimento mútuo e de ampliação de conhecimento. Para isso, é preciso escolher bem os amigos. Nós os escolhemos por vários motivos, que vão desde enxergar no olhar de alguém uma chance de compartilhamento e de segurança ao suporte intelectual. Não existe uma regra, existem circunstâncias e situações que provocam gestos, que demandam expectativas, que se transformam em encontro. E, para durar, é preciso respeito mútuo, garantia de autonomia e confiança partilhada.

Na virtualidade atual, um pode ser o que quiser para o outro. Nas redes sociais como o Facebook, por exemplo, ser amigo é ter sido aceito na página de alguém. Nessa circunstância, a amizade pode ser superficial. Por outro lado, encontros podem se tornar sólidos, duradouros e, inclusive, escapar da barreira virtual. Tudo depende. As redes sociais podem tanto abrir como fechar portas.”


Mauro Koury é doutor em antropologia, professor e coordenador do GREM — Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções, da Universidade Federal da Paraíba.

A química dos amigos
Pode até nem parecer, mas estar ao lado de um amigo vai além de longas horas de conversa, filmes e copos compartilhados, segredos e momentos divididos. Enquanto você conversa com aquela pessoa que talvez saiba mais sobre a sua vida do que você mesmo, seu cérebro trabalha tão intensamente quanto sua língua. Segundo o médico e pesquisador Ricardo Monezi, professor doutor do Instituto de Medicina Comportamental da Universidade Federal de São Paulo, a amizade envolve não apenas o contexto social, mas também o biológico e o psicológico. “Essas três dimensões estabelecem relações multidirecionais, ou seja, interagem mutuamente”, explica.

De acordo com o especialista, ao se relacionar com outra pessoa ou com um grupo delas, as sensações se traduzem em benefícios no organismo, através da liberação de substâncias que, além da sensação de prazer, ajudam em fatores como o fortalecimento do sistema imune e na diminuição da dor. “O corpo libera neurotransmissores, como dopamina, serotonina e endorfina, que oferecem sensação de bem-estar e que, às vezes, é tão intensa, que podem reduzir os níveis de dor, trabalhando como analgésicos”, detalha Monezi.

Além disso, as relações sociais são capazes de reduzir a liberação de hormônios relacionados ao estresse, como a adrenalina, a noradrenalina e o cortisol, o que, consequentemente, diminui também o risco de doenças cardiovasculares e fortalece a defesa do organismo, já que, em excesso, essas substâncias debilitam o sistema imunológico. “Quando compartilhamos uma tensão com uma pessoa que gostamos ou passamos por algum estresse ao lado dela, o corpo interpreta esse estresse de maneira diferenciada, e a sua capacidade de resistência, sua resiliência, é ampliada”, ensina o médico da Unifesp. Biologicamente, ele acrescenta, a amizade ainda faz entrar em cena outra substância, a ocitocina, um neurormônio responsável, entre outras coisas, pelo estabelecimento de vínculos entre seres humanos.

Fora os aspectos biológicos, Ricardo Monezi ainda lembra que ter amigos pode trazer benefícios também no âmbito psicológico. Reduz a ansiedade, ajuda na melhora de quadros depressivos e, segundo o médico, artigos científicos relatam que, quando pessoas com tendências suicidas se sentem amparadas por amigos, desistem da ideia ao pensar nas suas relações. “Previne o suicídio e previne o comportamento do suicida. Além disso, no lado social, a amizade ajuda na redução das violências sociais. Como as pessoas se sentem melhor por causa da ação dos neurormônios e dos neurotransmissores, as relações humanas são melhoradas. A compreensão do outro se diferencia”, conclui o especialista.

O que dizem os estudos


  • Segundo uma pesquisa da Universidade da Califórnia (Ucla), as mulheres respondem de forma diferente ao estresse. Enquanto eles têm o instinto de lutar ou correr, elas procuram a família e os amigos. A explicação vem dos tempos das cavernas: as mulheres tinham que proteger os filhos e se unir com as outras mulheres do clã para se defender enquanto os homens atuavam na linha de frente. Seria por isso que, quando nervosas, as mulheres preferem sair com as amigas ou encontrar a família como válvula de escape.
  • O pesquisador Nattavudh Powdthavee, da Universidade de Londres, criou uma fórmula que garante: quem só encontra com os amigos e a família uma vez por mês deveria ganhar pelo menos 85 mil libras (mais ou menos R$ 320.450,00) por ano para ser tão feliz e satisfeito quanto aqueles que veem os mais queridos com frequência.
  • O pesquisador americano Tom Rath estuda as amizades no ambiente de trabalho. Para ele, aqueles que trabalham junto de pelo menos um bom amigo é sete vezes mais produtivo, criativo e engajado — e é 50% mais satisfeito com a empresa em que trabalha. Quanto mais, melhor: quem tem três amigos no trabalho tem 88% mais chance de ser feliz na vida do que aqueles isolados.
  • O Alsa, um estudo australiano longitudinal de estudo do envelhecimento, descobriu que entre os sujeitos participantes da pesquisa, 69% declararam que tinham pelo menos quatro amigos próximos e que pessoas com mais de 70 anos tinham 22% menos chance de morrer durante o período de estudo do que aquelas com menos amigos. Ou seja, pessoas com fortes ligações sociais com amigos vivem por mais tempo.
  • Um estudo publicado em 2006 pela American Sociological Review descobriu que os americanos têm menos amigos do que tinham há 20 anos. Em 1985, os pesquisados relataram ter pelo menos três amigos próximos, enquanto em 2004, apenas dois. Segundo a pesquisa, 25% revelaram não ter nem uma pessoa para conversar.
  • Um estudo da Universidade de Chicago afirma que pelo menos uma vez na vida, 20% das pessoas são infelizes por estarem socialmente isoladas.
  • Um estudo de 2006 feito com cerca de três mil enfermeiras portadoras de câncer de mama revelou que aquelas com muitos amigos íntimos têm probabilidade quatro vezes menor de morrer por conta da doença. As participantes da pesquisa contam que as amigas criam um ambiente confortável e seguro, no qual não há medo de discutir os problemas decorrentes do câncer.
  • Uma pesquisa da Universidade da Virgínia colocou 34 estudantes munidos de pesadas mochilas para subir uma colina. As pessoas que subiram sozinhas relataram que a colina era muito íngreme, enquanto aqueles que subiram com os amigos acharam a subida mais confortável — quanto mais amigos eram os estudantes, menos íngreme eles perceberam a colina.

 Escolhas poderosas

“Amigos são importantes porque todos precisamos saber que somos apreciados, queridos e até amados por aqueles que escolheram ser nossos amigos entre todas as pessoas do mundo. Claro que ter uma família amorosa é maravilhoso. E mesmo que nem todas as famílias se deem bem, sempre há um sentimento de união, de que é preciso amar uns aos outros. Mas a amizade é uma escolha, e esse processo é o que a faz ser tão poderosa. Nas minhas pesquisas, descobri que ter alguém que divida seus valores é o que faz uma amizade durar. Poder fazer coisas junto e ter os mesmos interesses é importante para amizades casuais, mas, para as mais próximas e íntimas, é preciso fornecer suporte emocional e ser compreensivo — e essas características são as mais importantes. No começo, a proximidade é importante, mas amizades fortes sobrevivem mesmo com a distância.

E é importante escolher bem os amigos. As consequências de se ter amigos ruins são muitas. As pessoas podem se sentir tristes e deprimidas ou ser alvo de traições e fofocas que podem ser as causas de feridas mentais e até físicas.”


Jan Yager é coach, socióloga, pós-doutora pela Universidade de Nova York e autora de 35 livros. 

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