Brasil sofre revés no combate à Aids: juventude é um dos principais gargalos para o controle

Apesar de o país ser referência em políticas públicas contra a doença, número de casos cresceu 11% entre 2005 e 2013

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Renata Mariz - Correio Braziliense Ana Pompeu - Correio Braziliense Publicação:17/07/2014 15:30Atualização:17/07/2014 15:45
Especialistas temem o risco de nova epidemia do HIV no país. A maior parte das atuais vítimas brasileiras do vírus são jovens homossexuais. Isso se justificaria pelo fato de eles não terem vivido o começo da forte campanha de prevenção à Aids na época nem visto a morte de ídolos como Cazuza e Freddie Mercury. O relatório da Unaids também aponta elevação no número de casos na América do Norte e na Europa Ocidental, que registraram acréscimo de 8% no mesmo período (Thiago Fagundes/ CB / DA Press)
Especialistas temem o risco de nova epidemia do HIV no país. A maior parte das atuais vítimas brasileiras do vírus são jovens homossexuais. Isso se justificaria pelo fato de eles não terem vivido o começo da forte campanha de prevenção à Aids na época nem visto a morte de ídolos como Cazuza e Freddie Mercury. O relatório da Unaids também aponta elevação no número de casos na América do Norte e na Europa Ocidental, que registraram acréscimo de 8% no mesmo período
Considerado vitrine em políticas de combate à Aids, o Brasil vem sofrendo um revés na estratégia que se tornou exemplo internacional. O sinal de alerta está nos dados divulgados ontem pela Unaids, programa das Nações Unidas sobre HIV e Aids, que apontaram um aumento de 11% no número de novos casos no Brasil entre 2005 e 2013. No mesmo período, houve queda expressiva no mundo, de 27,5%, puxada sobretudo por países do Caribe e da África Subsaariana (veja arte).


O risco de uma nova epidemia de Aids no país, que registrou 7% a mais de mortes no ano passado em relação a 2005, enquanto no mundo os óbitos caíram 38%, leva governo e pesquisadores da área a reavaliar o programa nacional de combate à doença. Criado ainda na década de 1980, a estratégia de ofertar tratamento e, ao mesmo tempo, trabalhar a prevenção rendeu ao Brasil diminuição tanto no número de novas infecções quanto na mortalidade. Essa tendência, entretanto, começou a mudar a partir de meados dos anos 2000.

Para Georgiana Braga Orillard, diretora da Unaids no Brasil, dois fatores explicam a mudança no cenário brasileiro. “Há o jovem que não viu o começo da epidemia. Não viu os ídolos morrendo, não conheceu Cazuza, Freddie Mercury, Renato Russo. E os novos casos estão concentrados exatamente no jovem homossexual. Aí vem o segundo desafio. Temos de combater a discriminação que traz dificuldade para essa população jovem exercer a sexualidade de maneira segura”, afirma Georgiana.

O relatório da Unaids mostra elevação no número de novos casos também em outros locais, como América do Norte e Europa Ocidental, que registraram acréscimo de 8% no período analisado. O fenômeno ocorre também em alguns países vizinhos do Brasil. A Argentina diagnosticou 5,2 mil pessoas com HIV em 2013, contra 4,8 mil em 2005. O levantamento aponta grupos mais vulneráveis no Brasil e no mundo, tais como usuários de drogas injetáveis, homens homossexuais e profissionais do sexo.

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Grupo de risco

Roberto (nome fictício), 60 anos e diagnosticado com HIV há 21, reconhece o comportamento arriscado. Nem mesmo ter conhecido a epidemia no início o livrou da doença. “Sou da época do Cazuza, de quando ele descobriu a doença. Já se falava em Aids, mas não existia campanha como agora. O governo não dava preservativo como hoje”, compara. “Eu era de risco realmente. Não tem como negar. Estava envolvido com prostituição, drogas e essa coisa toda.”

Usuários de entorpecentes, homens que fazem sexo com outros homens e profissionais do sexo são justamente o maior desafio do país. “O Brasil, como os Estados Unidos e a Europa, lida com a chamada epidemia concentrada. Temos populações de risco que são de acesso mais difícil”, justificou o secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa. No Brasil, o secretário acredita que a maior incidência seja entre homens jovens e gays.

Ele também defende que o país não perdeu o status de referência nas estratégias contra a doença. “Nunca fomos exemplo em números de casos, mas por adotar políticas inovadoras”, disse. Apesar disso, o secretário afirma não ser uma situação confortável. “Por isso, a gente tem se preocupado em buscar tudo que pode ser feito no sentido de responder melhor a esse quadro, unindo tratamento e diagnóstico”, acrescentou. Desde dezembro do ano passado, toda pessoa diagnosticada como soropositiva é automaticamente encaminhada para o tratamento. Com o novo protocolo, de acordo com o secretário, de janeiro a junho deste ano, 35 mil novos pacientes deram início ao acompanhamento.

 (Soraia Piva / EM / DA press)
Alexandre Grangeiro, pesquisador da Faculdade de Medicina da USP e ex-diretor do Programa Nacional de DST/Aids

O Brasil, com incremento de novos casos de Aids, está retrocedendo na política tão aclamada?
Depois da introdução dos antirretrovirais no Brasil, em 1996, houve uma redução sistemática de óbitos e de novos casos, até o começo dos anos 2000. Isso porque as pessoas passaram a viver mais devido à diminuição da possibilidade de transmitir o vírus quando se está em tratamento. Então, a hipótese é de que o mundo, que só ampliou o acesso à medicação depois do Brasil, está um passo atrás da gente, experimentando reduções pelas quais já passamos. A pergunta agora é: após essa redução, o mundo vai se comportar como o Brasil, que agora está registrando aumento de novos casos?

Mas o que explica a nossa realidade?
Temos três problemas já identificados em pesquisas. Primeiro, é a redução das práticas mais seguras, como o uso do preservativo. Outra questão importante é as pessoas não saberem que têm HIV. Demoram a iniciar o tratamento e transmitem mais o vírus. Um terceiro problema está nas pessoas que, embora conheçam o próprio diagnóstico, não estão em tratamento.

Sendo gratuito, por que as pessoas não fazem o tratamento? Há problemas na assistência ou na oferta de remédios?
O aumento do número de pessoas vivendo com HIV não foi acompanhado por uma expansão nos serviços de atendimento, especialmente nos centros de referência. Hoje, a marcação de consulta é mais demorada, por exemplo. Isso leva o paciente a se deslocar para unidades não tão boas e, por fim, desestimula a adesão ao tratamento. Sem dúvida, os problemas na assistência têm relação com esses dados divulgados agora. Já a disponibilidade dos antirretrovirais é bem regular no país. Há falhas pontuais, mas que não explicariam esses números.

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