De 'Cinquenta tons de cinza' à descoberta do corpo e da autoestima, orgasmo é aprendizado e conquista
Hoje é o Dia Mundial do Orgasmo, mas mais de um terço das brasileiras não sabem o que é ter essa sensação. Certas de que têm algum 'problema' ou de que a culpa é do parceiro, perdem a oportunidade de conhecer o próprio corpo e conquistar o prazer
Letícia Orlandi - Saúde Plena
Publicação:31/07/2014 08:30Atualização: 01/08/2014 12:57
Cinco dias após o lançamento oficial, o trailer de 'Cinquenta tons de cinza', filme inspirado pela trilogia da escritora britânica E. L. James, se tornou o mais visto e comentado do ano, com mais de 36 milhões de visualizações no YouTube. Os livros, traduzidos em 52 línguas e com mais de 100 milhões de cópias vendidas, trazem a história do milionário sedutor Christian Grey e da inexperiente Anastasia Steele.
'Cinquenta tons' é também o longa com o melhor desempenho em redes sociais de 2014, com 1,2 milhão de curtidas no vídeo divulgado no Facebook, em apenas 24 horas. E ainda faltam seis meses para a estreia. Veja o trailer:
Nesta quinta-feira (31), celebra-se o Dia Mundial do Orgasmo. Celebra-se? Para cerca de 40% das brasileiras, 30% das argentinas e 25% das norte-americanas, não. Elas enfrentam a anorgasmia, ou seja, a ausência de orgasmo, que se divide em primária, quando a mulher nunca chegou ao clímax; e a secundária, em que ela deixou de ter a sensação por algum motivo. De acordo com a ProSex, pesquisa sobre sexualidade realizada pela Universidade de São Paulo (USP), 51% das brasileiras têm dificuldade para atingir o clímax.
A sexóloga Sônia Fonseca explica que essa dificuldade é considerada uma disfunção sexual e deve ser tratada. A falta de lubrificação, o retardo ou a ausência do orgasmo, a dor durante, antes ou depois do ato – também são situações que devem ser avaliadas. Elas podem afetar o desejo, a excitação, o orgasmo e também a resolução - quando a mulher não sente prazer e bem-estar logo após a relação.
Entre as causas físicas da anorgasmia, estão a compressão do nervo pélvico e suas ramificações, o desequilíbrio hormonal, o uso de alguns medicamentos e drogas, tumores e doenças que deixem o organismo debilitado (saiba mais na infografia logo abaixo).
Já as causas psicológicas incluem a vergonha do próprio corpo, a depressão e a falta de comunicação com o parceiro, mas também as pressões culturais que ainda exercem controle sobre os papéis que o feminino supostamente pode exercer na sociedade. “A mulher fica muito dividida entre o sagrado e o profano, o certo e o errado. Muitas resistem, inicialmente, ao estímulo provocado pela masturbação, por exemplo, porque isso representaria a perda de uma imagem pura - uma vez que a masturbação tem como objetivo o prazer, puro e simples. Por isso, ainda é comum que mulheres, assim que atingem a menopausa e concluem sua fase reprodutiva, digam que também encerraram suas atividades sexuais. Predomina o pensamento do 'posso, mas não devo', e isso é mais comum do que se imagina”, alerta a psicóloga.
Esse condicionamento pode ser prejudicial em vários sentidos e aspectos da vida da mulher. Um deles é o aspecto sexual. A masturbação é um dos caminhos para enfrentar a anorgasmia e voltar a ter controle sobre o próprio corpo e sobre o prazer. “Ao contrário do ato sexual, que pode ter outras finalidades como a reprodução, a troca de carícias, o carinho, a intimidade; a finalidade da masturbação é o orgasmo. E todos nós temos a possibilidade de atingir o orgasmo, se quisermos”, reforça Sônia Fonseca.
Entre as dicas da sexóloga para as pacientes, está a compra de massageadores, vibradores, dilatadores, cremes e géis que aumentem a lubrificação e facilitem o caminho dos estímulos nervosos pelo corpo. É possível também a indicação de trabalho fisioterápico e medicamentoso, com encaminhamento aos especialistas de cada área, em um trabalho interdisciplinar.
Se há vários recursos, porque muitas mulheres desistem, mesmo antes de tentar? Para a especialista, apesar de tantas lutas pela liberação do lugar feminino no mundo, no mundo do trabalho e dos direitos, muitas mulheres não se sentem merecedoras do direito de desfrutar do sexo e do prazer. “Algo que os homens, muito mais naturalmente, sentem que podem”, pondera.
Aprendizado
As experiências iniciais podem ajudar a definir se uma mulher terá mais ou menos dificuldade para tomar as rédeas do próprio orgasmo. Só que é preciso entender que 'iniciais', aqui, dizem respeito também à infância. “Nossa vida sexual começa quando nascemos. Desde as experiências de carinho e amor, até a descoberta do corpo pela criança, que manipula os órgãos genitais e se sente bem consigo mesma – se ela é tratada com compreensão e tem sua autoestima valorizada, ela saberá que é merecedora de um vida prazerosa”, explica a psicóloga.
Mais adiante, quando o adolescente geralmente escolhe um parceiro e tem sua primeira relação genital com outra pessoa, um dos principais fatores para o bem-estar será a ternura, o carinho e o vínculo que há com esse parceiro. “A terapia sexual vai trabalhar as questões apresentadas pela mulher exatamente para que ela entenda que a disfunção sexual é natural e pode ser trabalhada. E é importante lembrar que o orgasmo não é de responsabilidade do outro. Não adianta jogar a culpa no parceiro que não 'tem pegada' e outras gírias do tipo. O orgasmo pode, e deve, ser treinado e aprendido”, resume a especialista.
Diferenças
Outra explicação interessante está na diferença das estatísticas entre os países. “No Brasil, falta informação e sobra censura, principalmente para quem passou dos 40 anos. Muitas mulheres levam a vida sexual no casamento como uma obrigação, não conhecem o próprio corpo e não se permitem o prazer”, lamenta Sônia Fonseca.
Um estudo realizado com 999 mulheres entre 41 e 60 anos, no Ambulatório de Ginecologia Endócrina e Climatério da Clínica Ginecológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, concluiu que depois da menopausa, a capacidade orgástica relacionou-se positivamente com o relacionamento mais afetivo com o companheiro e com a prática da masturbação. Mesmo no caso das mulheres que apresentaram secura vaginal, a prática da masturbação e o carinho com o parceiro garantiam número satisfatório de orgasmos, se comparados com a frequência das relações.
Já as participantes que não apresentavam pelo menos uma dessas características apontaram desconforto e dor como fatores para evitar, sempre que possível, a experiência sexual.
50 e tantos tons
Nessa busca pelo prazer, tão cheia de obstáculos, por que o filme ‘Cinquenta tons de cinza’ é aguardado com tanta ansiedade? Pode ser uma simples curiosidade, mas a resposta pode passar também pela identificação.
Sônia Fonseca faz um paralelo entre as fantasias sexuais mostradas na ficção de ‘Cinquenta tons de cinza’ e o jogo de futebol. “Ali, dentro do estádio, eu posso me permitir xingar e gritar de uma forma bem diferente do meu cotidiano. Eu tenho, inclusive, respaldo coletivo - todos estão fazendo isso naquele ambiente. Os livros de E. L. James também conseguiram colocar dentro de um espaço coletivo algumas questões que estavam no imaginário das pessoas. O livro fez sucesso porque 'permite' esse imaginário, porque há identificação. A pessoa que não se identifica com a situação retratada provavelmente não finalizaria nem a leitura”, diz.
Embora aponte que a obra é limitada do ponto de vista erótico, a especialista considera que o estímulo visual trazido pelas imagens do filme ou pela imaginação a partir das cenas descritas no texto literário podem ser fonte de excitação. “Principalmente para as mulheres que têm mais dificuldade em exercitar esse campo da imaginação, a excitação pode ser um começo, pode ser um incentivo para experimentar”, conclui a sexóloga.
'Cinquenta tons' é também o longa com o melhor desempenho em redes sociais de 2014, com 1,2 milhão de curtidas no vídeo divulgado no Facebook, em apenas 24 horas. E ainda faltam seis meses para a estreia. Veja o trailer:
As imagens adiantam algumas cenas do romance e das cenas de sexo entre os protagonistas, com insinuações sadomasoquistas e detalhes que mostram a diferença de comportamento entre o casal, principalmente no início da trama. Um dos aspectos que chamam a atenção na história é que a jovem vive um dilema entre a atração que sente pelo poderoso Grey e as imposições que ele faz, incluindo a assinatura de um contrato transferindo a ele o controle total e irrestrito sobre a vida de Anastasia.
Saiba mais...
Ainda que a narrativa tente destacar o processo de redescoberta da protagonista, está sempre presente a mão forte do milionário intimidador, conduzindo os acontecimentos. Fora da ficção, no entanto, se uma mulher quiser descobrir qual o melhor caminho para o prazer sexual, é bem mais provável que ela consiga pelo esforço próprio. “O orgasmo é um aprendizado e uma conquista. Não deve ser responsabilidade do outro, assim como a falta dele não é 'culpa' do outro”, destaca a neuropsicóloga Sônia Eustáquia Fonseca, especialista em terapia breve para diagnóstico e tratamentos de conflitos e disfunções sexuais.- Vídeo de 'orgasmo cerebral' é sucesso com dezenas de milhões de acessos no Youtube
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Nesta quinta-feira (31), celebra-se o Dia Mundial do Orgasmo. Celebra-se? Para cerca de 40% das brasileiras, 30% das argentinas e 25% das norte-americanas, não. Elas enfrentam a anorgasmia, ou seja, a ausência de orgasmo, que se divide em primária, quando a mulher nunca chegou ao clímax; e a secundária, em que ela deixou de ter a sensação por algum motivo. De acordo com a ProSex, pesquisa sobre sexualidade realizada pela Universidade de São Paulo (USP), 51% das brasileiras têm dificuldade para atingir o clímax.
A sexóloga Sônia Fonseca explica que essa dificuldade é considerada uma disfunção sexual e deve ser tratada. A falta de lubrificação, o retardo ou a ausência do orgasmo, a dor durante, antes ou depois do ato – também são situações que devem ser avaliadas. Elas podem afetar o desejo, a excitação, o orgasmo e também a resolução - quando a mulher não sente prazer e bem-estar logo após a relação.
Entre as causas físicas da anorgasmia, estão a compressão do nervo pélvico e suas ramificações, o desequilíbrio hormonal, o uso de alguns medicamentos e drogas, tumores e doenças que deixem o organismo debilitado (saiba mais na infografia logo abaixo).
Fora da ficção, no entanto, se uma mulher quiser descobrir qual o melhor caminho para o prazer sexual, é bem mais provável que ela consiga pelo esforço próprio
Esse condicionamento pode ser prejudicial em vários sentidos e aspectos da vida da mulher. Um deles é o aspecto sexual. A masturbação é um dos caminhos para enfrentar a anorgasmia e voltar a ter controle sobre o próprio corpo e sobre o prazer. “Ao contrário do ato sexual, que pode ter outras finalidades como a reprodução, a troca de carícias, o carinho, a intimidade; a finalidade da masturbação é o orgasmo. E todos nós temos a possibilidade de atingir o orgasmo, se quisermos”, reforça Sônia Fonseca.
Entre as dicas da sexóloga para as pacientes, está a compra de massageadores, vibradores, dilatadores, cremes e géis que aumentem a lubrificação e facilitem o caminho dos estímulos nervosos pelo corpo. É possível também a indicação de trabalho fisioterápico e medicamentoso, com encaminhamento aos especialistas de cada área, em um trabalho interdisciplinar.
Se há vários recursos, porque muitas mulheres desistem, mesmo antes de tentar? Para a especialista, apesar de tantas lutas pela liberação do lugar feminino no mundo, no mundo do trabalho e dos direitos, muitas mulheres não se sentem merecedoras do direito de desfrutar do sexo e do prazer. “Algo que os homens, muito mais naturalmente, sentem que podem”, pondera.
Aprendizado
As experiências iniciais podem ajudar a definir se uma mulher terá mais ou menos dificuldade para tomar as rédeas do próprio orgasmo. Só que é preciso entender que 'iniciais', aqui, dizem respeito também à infância. “Nossa vida sexual começa quando nascemos. Desde as experiências de carinho e amor, até a descoberta do corpo pela criança, que manipula os órgãos genitais e se sente bem consigo mesma – se ela é tratada com compreensão e tem sua autoestima valorizada, ela saberá que é merecedora de um vida prazerosa”, explica a psicóloga.
Condicionamento social, cultural e religioso, além da falta de informação, fazem com que parte das mulheres não se sintam merecedoras do prazer
Diferenças
Outra explicação interessante está na diferença das estatísticas entre os países. “No Brasil, falta informação e sobra censura, principalmente para quem passou dos 40 anos. Muitas mulheres levam a vida sexual no casamento como uma obrigação, não conhecem o próprio corpo e não se permitem o prazer”, lamenta Sônia Fonseca.
Um estudo realizado com 999 mulheres entre 41 e 60 anos, no Ambulatório de Ginecologia Endócrina e Climatério da Clínica Ginecológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, concluiu que depois da menopausa, a capacidade orgástica relacionou-se positivamente com o relacionamento mais afetivo com o companheiro e com a prática da masturbação. Mesmo no caso das mulheres que apresentaram secura vaginal, a prática da masturbação e o carinho com o parceiro garantiam número satisfatório de orgasmos, se comparados com a frequência das relações.
Já as participantes que não apresentavam pelo menos uma dessas características apontaram desconforto e dor como fatores para evitar, sempre que possível, a experiência sexual.
50 e tantos tons
Nessa busca pelo prazer, tão cheia de obstáculos, por que o filme ‘Cinquenta tons de cinza’ é aguardado com tanta ansiedade? Pode ser uma simples curiosidade, mas a resposta pode passar também pela identificação.
Sônia Fonseca faz um paralelo entre as fantasias sexuais mostradas na ficção de ‘Cinquenta tons de cinza’ e o jogo de futebol. “Ali, dentro do estádio, eu posso me permitir xingar e gritar de uma forma bem diferente do meu cotidiano. Eu tenho, inclusive, respaldo coletivo - todos estão fazendo isso naquele ambiente. Os livros de E. L. James também conseguiram colocar dentro de um espaço coletivo algumas questões que estavam no imaginário das pessoas. O livro fez sucesso porque 'permite' esse imaginário, porque há identificação. A pessoa que não se identifica com a situação retratada provavelmente não finalizaria nem a leitura”, diz.
Embora aponte que a obra é limitada do ponto de vista erótico, a especialista considera que o estímulo visual trazido pelas imagens do filme ou pela imaginação a partir das cenas descritas no texto literário podem ser fonte de excitação. “Principalmente para as mulheres que têm mais dificuldade em exercitar esse campo da imaginação, a excitação pode ser um começo, pode ser um incentivo para experimentar”, conclui a sexóloga.