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Seguir a profissão do pai e trabalhar sob o mesmo teto podem estreitar as relações familiares

Atenção: quando a consanguinidade é o único pré-requisito para conquistar o posto de trabalho, o risco é grande e os negócios costumam enfrentar prejuízos

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Revista do CB - Correio Braziliense Publicação:09/08/2014 13:30Atualização:08/08/2014 11:51
Hilton cresceu passeando pelo consultório médico, enquanto Samara ouvia o sopro no saxofone. Adultos, tornaram-se oftalmologista e musicista. Eles são exemplos de pessoas que se inspiraram nos pais para seguir a profissão. Tudo em família é intenso, e trazer essa relação para dentro do emprego pode garantir um legado robusto e positivo — ou desastroso. Mas nada de receio: há várias recomendações para alcançar um relacionamento saudável em termos pessoais e financeiros.

O investimento em capacitação é um dos maiores aliados nessa empreitada familiar. O empresário Wilson Amaral, 62 anos, relata que o filho ajudava no empreendimento desde a adolescência, mas foi o curso de administração que deu base teórica e ideias para o xará do pai, de 26 anos. Juntos, eles conduzem uma rede de lojas de cosméticos e dizem que o parentesco ajudou a criar uma sintonia maior para desenvolver as atividades. “É uma parceria que deu muito certo, unir a energia dele e a minha experiência. Enquanto eu queria pisar no freio, ele queria inovar. Se não fosse isso, nós, dificilmente, teríamos aumentado as lojas”, avalia o pai.

Pioneiro, o oftalmologista João Eugênio Medeiros abriu caminho para que o filho Hilton e o neto Filipe seguissem os seus passos profissionais  (Janine Moraes/CB/D.A Press)
Pioneiro, o oftalmologista João Eugênio Medeiros abriu caminho para que o filho Hilton e o neto Filipe seguissem os seus passos profissionais
Também formada em administração, Helena Peres, 25 anos, trabalha em uma empresa de construção civil que foi fundada pelo avô, ainda no começo de Brasília, em 1961. O pai, Julio Cesar Peres, 59 anos, é diretor-presidente e engenheiro. Ele considerou que a filha estava apta a se tornar diretora administrativa-financeira após ela ter passado por um treinamento em liderança empresarial. Cada um se dedica às funções de preferência. Ela cuida da rotina no escritório e ele pode fazer o que mais gosta: ir para as obras e acompanhar as construções. No entanto, a condição tem algumas desvantagens e uma delas é a desconfiança em relação à capacidade profissional. “Sempre tem muito preconceito”, admite Helena. “Principalmente no começo, você tem que provar a todo momento o profissionalismo, mostrar que é tão boa quanto os outros e que não está lá só porque é filha do chefe.”

Mas há ocasiões em que as dúvidas são justificadas. Quando a consanguinidade é o único pré-requisito para conquistar um posto de trabalho, o risco é grande e os negócios costumam enfrentar prejuízos. “São pessoas que têm cargos-chave, mas sem preparo técnico nem comportamental. Assim, a empresa se desenvolve menos”, alerta o consultor empresarial Evandro Santos. Ele diz que o problema pode causar retrocessos. “O profissional que não tem parentesco percebe que, por mais que esteja correto, não vai conseguir mudar uma situação ao ir contra o filho do dono e desiste de trazer melhorias.”

Para evitar tais problemas, o consultor recomenda estabelecer uma estrutura que dê empoderamento para cada cargo na empresa. A tarefa nem sempre é fácil: exige muito profissionalismo e imparcialidade do empreendedor, mas os resultados valem a pena. O respeito à hierarquia permite que as relações fluam de forma natural. “Tem que ter humildade para aprender com os profissionais mais antigos, mas também trazer inovações”, opina Helena.

Os filhos também precisam lidar com as esperanças dos outros. “Meus pais me incentivaram, me deixando livre para escolher. Mas a cobrança, a expectativa é sempre maior”, explica Samara de Carvalho, 28 anos, que é violinista e professora do instrumento. “Desde pequena, eu tive contato com o mundo da música. Meu pai é meu grande exemplo.” Ela se refere ao maestro Manoel Carvalho, 66 anos, que é saxofonista e clarinetista e atua na Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro e na orquestra de jazz da qual é fundador, a Brasília Popular Orquestra (Brapo).

Helena Peres mantém o legado da família ao trabalhar ao lado do pai na empresa criada pelo avô ( Janine Moraes/CB/D.A Press)
Helena Peres mantém o legado da família ao trabalhar ao lado do pai na empresa criada pelo avô
Samara tem a oportunidade de conviver também com a mãe no trabalho. Por vezes, ela atua como convidada na Orquestra Sinfônica e dá aulas na Escola de Música de Brasília, na qual a mãe, Lilian, trabalha. Foi com ela que Samara aprendeu a tocar piano aos 6 anos de idade. Aos 11, ela conheceu o violino e se apaixonou. A jovem reconhece que teve dúvidas sobre a profissão e chegou a cursar três semestres de estatística. “Eu quis ser diferente, mas, no começo do curso, já estava me formando na Escola de Música e estudando mais sobre o assunto. Percebi que era o que eu gostava mesmo”, conta.

A convivência com a mentalidade de diferentes épocas também traz outros desafios. “Tem aquele velho conflito de gerações. Às vezes, é difícil aceitar uma nova maneira para algo que você fez de um jeito a vida inteira”, comenta Hilton Medeiros, 59 anos. O pai, de 78 anos, João Eugênio Medeiros, veio para Brasília em 1966, atraído pelas oportunidades da capital. Ele ajudou a montar o serviço de oftalmologia do Hospital de Base e criou a própria clínica, na qual trabalha até hoje com o filho. A proximidade permite que eles discutam os casos difíceis e comemorem juntos o sucesso de pacientes.

Hilton Medeiros frequenta o consultório do pai desde pequeno e admira a vontade dele de se manter atualizado ao estudar diariamente. O filho Felipe, de 20 anos, decidiu também estudar medicina, área que o impressionou. “Para tomar uma decisão simples, é preciso ter uma quantidade de conhecimento muito grande”, pondera. Só não aprova a correria da profissão. “Eu quero trabalhar, mas ficar menos estressado.” Para o avô, é uma realização ver os descendentes dando continuidade ao trabalho. Na hora das divergências, Hilton Medeiros aponta a solução. “Diálogo é a chave de tudo. Não podemos pensar que somos donos da verdade, temos que estar dispostos a aprender.”

O consultor Marlon Amaral acredita que a falta de disposição para ceder e compreender o outro é um dos principais focos de conflitos. “Quanto mais se exercer as artes de conversar e respeitar as diferenças, maiores serão as chances de ter sucesso”, indica. O consultor também afirma que a centralização de decisões pode ser a maior força ou fraqueza das empresas familiares. O poder concentrado nos membros da família garante maior agilidade na tomada de decisões, principalmente nos momentos de crise. Mas a centralização excessiva dos controles pelos proprietários pode ser prejudicial, pois é possível haver funcionários mais capacitados para determinadas ações. “A mesma característica que ajuda uma empresa familiar a crescer e a se sobressair é a que a impede de expandir e prosperar no mercado”, afirma Marlon. Cabe aos pais e filhos decidirem qual rumo tomar.

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