Odor exalado por mães em situação de medo pode levar bebês a desenvolver traumas
Descoberta pode explicar - e ajudar a tratar - fobia, depressão e ansiedade
Paloma Oliveto - Correio Brasilienze
Publicação:11/08/2014 15:00Atualização: 11/08/2014 15:37
Durante nove meses, aquele é um abrigo inviolável. Uma garantia de que nada de ruim vindo do mundo externo poderá agredir o bebê. Mas o útero materno não tem só coisas boas para oferecer. Ali, mesmo antes de nascer, a criança já pode começar a desenvolver traumas. Pesquisas recentes indicam que, em situações de medo, o odor de substâncias químicas secretadas pelo organismo da mãe é identificado pelo feto, que aprenderá a associar esses cheiros a coisas ruins. Segundo os cientistas, muitas fobias e pavores inexplicáveis podem ter origem na fase intrauterina ou nos primeiros dias de vida.
O estudo mais recente foi publicado na revista Pnas, da Academia Nacional de Ciências dos EUA. Nele, pesquisadores da Universidade de Michigan e da Universidade de Nova York investigaram o comportamento de roedores cujas mães aprenderam a temer o cheiro de hortelã. Os cientistas demonstraram que as ratinhas ensinaram esse medo à descendência nos primeiros dias de vida, por meio do odor que exalavam em situações de estresse.
Os pesquisadores acreditam que a descoberta vai ajudar a compreender um fenômeno que ainda desafia estudiosos da saúde mental: como experiências traumáticas podem afetar profundamente uma criança, ainda que tenham ocorrido muito tempo antes de ela nascer. Há inúmeros relatos do tipo na literatura médica.
Filhos e netos de sobreviventes do holocausto, por exemplo, já foram alvo de estudos que tentam desvendar esse mistério, por exibirem traumas semelhantes aos indivíduos que, de fato, estiveram nos campos de concentração. Além disso, o psiquiatra Jacek Debiec, neurocientista que liderou a pesquisa publicada na Pnas, diz que espera entender por que nem todos os filhos de mulheres traumatizadas ou que sofrem de fobias/ansiedade/depressão estão fadados a herdar esses temores.
Debiec explica que, nos primeiros dias de vida, os roedores desconhecem os perigos ambientais, que, apenas com a experiência diária, começarão a se revelar. “Mas se as mães deles carregam a informação sobre um tipo de medo, eles aprendem rapidamente, formando memórias traumáticas. Nosso estudo demonstra que, muito antes de poder aprender com as próprias experiências, eles basicamente as adquirem de suas mães. O mais importante é que essas memórias transmitidas pelas mães têm longa duração, ao mesmo tempo que outras informações aprendidas na infância rapidamente fenecem caso não sejam repetidas”, esclarece.
O psiquiatra atende crianças e mães ansiosas em seu consultório, no Departamento de Psiquiatria da Universidade de Michigan, e observa que o estudo dessas situações com roedores ajuda a entender o que se passa dentro do cérebro humano, no momento da transmissão dos medos.
Na pesquisa, as fêmeas aprenderam a temer o cheiro de hortelã porque eram expostas a ele no momento em que tomavam choques elétricos. Isso antes de ficarem prenhas. Depois que os filhotes nasceram, os cientistas expuseram as mães apenas ao odor da erva, sem os choques, para provocar a resposta de medo. Ao mesmo tempo, eles usaram um grupo de roedoras que não haviam aprendido a temer o hortelã, apenas para comparação.
As crias de ambos os grupos foram colocadas em contato com o cheiro da erva, sob diversas condições, com ou sem as mães por perto. Usando uma técnica de imagem cerebral aliada a estudos da atividade genética de células do órgão, além de exames de sangue que mediam o nível de cortisol, os pesquisadores identificaram uma estrutura chamada amigdala lateral como centro do aprendizado do medo.
“Essa é uma região que, mais tarde, será essencial para detectar e planejar respostas a ameaças. Então, faz sentido que seja também o centro de aprendizagem de novos medos”, afirma Debiec. O pesquisador ressalta outra descoberta interessante: quando os pequenos ratos recebiam uma substância bloqueadora da atividade da amígdala, a capacidade de aprender os medos com as mães cessava.
“Sabemos há algum tempo que bebês podem identificar, ainda no útero, a luz, o som e o estado emocional das mães. Recentemente, a tecnologia da ressonância magnética, que não é invasiva, tem ajudado a estudar as atividades dos fetos: quando a mãe lê uma história para eles, pode-se ver mudanças no cérebro do bebê que correspondem ao sentido da audição”, conta Phil Baker, diretor do Centro Nacional de Crescimento e Desenvolvimento da Universidade de Auckland, na Austrália. “Mais recentemente, as pesquisas também estão indicando que o estresse durante a gestação se traduz em efeitos de longo prazo para o bebê”, destaca.
Hormônios
Baker cita uma pesquisa, feita na Dinamarca com mais de 1 milhão de pessoas, que indicou um risco maior de esquizofrenia em indivíduos cujas mães passaram por um estresse muito grande — a morte ou o diagnóstico de câncer de um parente, por exemplo — quando estavam grávidas. A ciência, sustenta Baker, está sugerindo cada vez mais que, de alguma forma, o cérebro do bebê é alterado de maneira súbita pelo estresse materno. “Há uma sinfonia complexa de hormônios secretados pelo organismo que afetam tanto as mães como os bebês”, lembra.
Entender como essas substâncias são transferidas para as descendências gerando memórias traumáticas é a linha de pesquisa de Kerry Ressler, psiquiatra da Universidade de Emory que também investigou, em ratos, a relação entre medo e odor. “Saber que a experiência dos pais influencia os descendentes pode nos ajudar a entender distúrbios psiquiátricos que têm origem em várias gerações e também a chegar a estratégias terapêuticas mais adequadas”, afirma.
Ele treinou ratos para temerem um tipo de odor — a acetofenona — ao aplicar choques elétricos nos animais enquanto eram expostos ao cheiro. Assim como na pesquisa publicada agora na Pnas, Ressler descobriu que os filhotes se tornavam mais sensíveis ao odor, mesmo se jamais tivessem entrado em contato direto com ele. “Agora, os estudos futuros devem investigar se esses efeitos são reversíveis, por que isso só ocorre com odor, pois outros estudos mostram que o medo de um som não é herdado e como poderemos usar essas informações para tratar distúrbios psiquiátricos”, acredita.
Cérebro rastreia acontecimentos ruins
Pela primeira vez, cientistas conseguiram localizar uma pequena e primitiva estrutura cerebral associada à percepção de que algo ruim está por acontecer. Trata-se da habênula, uma parte evolutiva do órgão, que tem metade do tamanho de uma ervilha e, ainda assim, desempenha um importante papel no aprendizado de experiências negativas, como choques elétricos dolorosos. O estudo, publicado na revista Pnas, da Academia de Ciências dos EUA, foi realizado por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCL).
Os cientistas escanearam o cérebro de 23 voluntários saudáveis e verificaram que a habênula se ativa em resposta a figuras associadas a choques elétricos dolorosos, sendo que o oposto acontece quando as imagens pressupõem eventos positivos. Estudos anteriores em animais indicaram que a atividade dessa estrutura supressa a dopamina, neurotransmissor que comanda a motivação. Também em modelos animais, os cientistas verificaram que as células que compõem a habênula disparam quando coisas ruins acontecem ou são esperadas.
“A habênula rastreia nossas experiências, respondendo com mais força dependendo de quão ruim é a coisa que está para acontecer”, disse, em um comunicado, Jonathan Roiser, pesquisador do Instituto de Neurociência Cognitiva da UCL. “Por exemplo, ela responde muito mais fortemente quando é quase certo que receberemos um choque elétrico do que quando isso é improvável. Nesse estudo, mostramos que a habênula não apenas expressa se algo levará a um evento negativo ou não; ela sinaliza o quão ruim será esse acontecimento”, explicou.
Segundo Roiser, a esturutra está envolvida com características como motivação baixa, pessimismo e foco em experiências ruins. Uma habênula hiperativa poderia, por exemplo, fazer com que as pessoas se tornassem excessivamente negativas.
Pesquisas indicam que o estresse durante a gestação se traduz em efeitos de longo prazo para o bebê
O estudo mais recente foi publicado na revista Pnas, da Academia Nacional de Ciências dos EUA. Nele, pesquisadores da Universidade de Michigan e da Universidade de Nova York investigaram o comportamento de roedores cujas mães aprenderam a temer o cheiro de hortelã. Os cientistas demonstraram que as ratinhas ensinaram esse medo à descendência nos primeiros dias de vida, por meio do odor que exalavam em situações de estresse.
Filhos e netos de sobreviventes do holocausto, por exemplo, já foram alvo de estudos que tentam desvendar esse mistério, por exibirem traumas semelhantes aos indivíduos que, de fato, estiveram nos campos de concentração. Além disso, o psiquiatra Jacek Debiec, neurocientista que liderou a pesquisa publicada na Pnas, diz que espera entender por que nem todos os filhos de mulheres traumatizadas ou que sofrem de fobias/ansiedade/depressão estão fadados a herdar esses temores.
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Debiec explica que, nos primeiros dias de vida, os roedores desconhecem os perigos ambientais, que, apenas com a experiência diária, começarão a se revelar. “Mas se as mães deles carregam a informação sobre um tipo de medo, eles aprendem rapidamente, formando memórias traumáticas. Nosso estudo demonstra que, muito antes de poder aprender com as próprias experiências, eles basicamente as adquirem de suas mães. O mais importante é que essas memórias transmitidas pelas mães têm longa duração, ao mesmo tempo que outras informações aprendidas na infância rapidamente fenecem caso não sejam repetidas”, esclarece.
O psiquiatra atende crianças e mães ansiosas em seu consultório, no Departamento de Psiquiatria da Universidade de Michigan, e observa que o estudo dessas situações com roedores ajuda a entender o que se passa dentro do cérebro humano, no momento da transmissão dos medos.
Na pesquisa, as fêmeas aprenderam a temer o cheiro de hortelã porque eram expostas a ele no momento em que tomavam choques elétricos. Isso antes de ficarem prenhas. Depois que os filhotes nasceram, os cientistas expuseram as mães apenas ao odor da erva, sem os choques, para provocar a resposta de medo. Ao mesmo tempo, eles usaram um grupo de roedoras que não haviam aprendido a temer o hortelã, apenas para comparação.
Psiquiatra Kerry Ressler: pesquisas ajudam a entender distúrbios que afetam várias gerações
“Essa é uma região que, mais tarde, será essencial para detectar e planejar respostas a ameaças. Então, faz sentido que seja também o centro de aprendizagem de novos medos”, afirma Debiec. O pesquisador ressalta outra descoberta interessante: quando os pequenos ratos recebiam uma substância bloqueadora da atividade da amígdala, a capacidade de aprender os medos com as mães cessava.
“Sabemos há algum tempo que bebês podem identificar, ainda no útero, a luz, o som e o estado emocional das mães. Recentemente, a tecnologia da ressonância magnética, que não é invasiva, tem ajudado a estudar as atividades dos fetos: quando a mãe lê uma história para eles, pode-se ver mudanças no cérebro do bebê que correspondem ao sentido da audição”, conta Phil Baker, diretor do Centro Nacional de Crescimento e Desenvolvimento da Universidade de Auckland, na Austrália. “Mais recentemente, as pesquisas também estão indicando que o estresse durante a gestação se traduz em efeitos de longo prazo para o bebê”, destaca.
Hormônios
Baker cita uma pesquisa, feita na Dinamarca com mais de 1 milhão de pessoas, que indicou um risco maior de esquizofrenia em indivíduos cujas mães passaram por um estresse muito grande — a morte ou o diagnóstico de câncer de um parente, por exemplo — quando estavam grávidas. A ciência, sustenta Baker, está sugerindo cada vez mais que, de alguma forma, o cérebro do bebê é alterado de maneira súbita pelo estresse materno. “Há uma sinfonia complexa de hormônios secretados pelo organismo que afetam tanto as mães como os bebês”, lembra.
Entender como essas substâncias são transferidas para as descendências gerando memórias traumáticas é a linha de pesquisa de Kerry Ressler, psiquiatra da Universidade de Emory que também investigou, em ratos, a relação entre medo e odor. “Saber que a experiência dos pais influencia os descendentes pode nos ajudar a entender distúrbios psiquiátricos que têm origem em várias gerações e também a chegar a estratégias terapêuticas mais adequadas”, afirma.
Ele treinou ratos para temerem um tipo de odor — a acetofenona — ao aplicar choques elétricos nos animais enquanto eram expostos ao cheiro. Assim como na pesquisa publicada agora na Pnas, Ressler descobriu que os filhotes se tornavam mais sensíveis ao odor, mesmo se jamais tivessem entrado em contato direto com ele. “Agora, os estudos futuros devem investigar se esses efeitos são reversíveis, por que isso só ocorre com odor, pois outros estudos mostram que o medo de um som não é herdado e como poderemos usar essas informações para tratar distúrbios psiquiátricos”, acredita.
Cérebro rastreia acontecimentos ruins
Pela primeira vez, cientistas conseguiram localizar uma pequena e primitiva estrutura cerebral associada à percepção de que algo ruim está por acontecer. Trata-se da habênula, uma parte evolutiva do órgão, que tem metade do tamanho de uma ervilha e, ainda assim, desempenha um importante papel no aprendizado de experiências negativas, como choques elétricos dolorosos. O estudo, publicado na revista Pnas, da Academia de Ciências dos EUA, foi realizado por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCL).
Os cientistas escanearam o cérebro de 23 voluntários saudáveis e verificaram que a habênula se ativa em resposta a figuras associadas a choques elétricos dolorosos, sendo que o oposto acontece quando as imagens pressupõem eventos positivos. Estudos anteriores em animais indicaram que a atividade dessa estrutura supressa a dopamina, neurotransmissor que comanda a motivação. Também em modelos animais, os cientistas verificaram que as células que compõem a habênula disparam quando coisas ruins acontecem ou são esperadas.
“A habênula rastreia nossas experiências, respondendo com mais força dependendo de quão ruim é a coisa que está para acontecer”, disse, em um comunicado, Jonathan Roiser, pesquisador do Instituto de Neurociência Cognitiva da UCL. “Por exemplo, ela responde muito mais fortemente quando é quase certo que receberemos um choque elétrico do que quando isso é improvável. Nesse estudo, mostramos que a habênula não apenas expressa se algo levará a um evento negativo ou não; ela sinaliza o quão ruim será esse acontecimento”, explicou.
Segundo Roiser, a esturutra está envolvida com características como motivação baixa, pessimismo e foco em experiências ruins. Uma habênula hiperativa poderia, por exemplo, fazer com que as pessoas se tornassem excessivamente negativas.