Mulher esquece objeto na vagina por dez anos e coloca saúde em risco: por que deixamos de ir ao ginecologista?
O medo da consulta ginecológica é comum e pode estar ligado à falta de informação e aos tabus. Veja um manual com as orientações que você precisa para colocar a saúde em primeiro lugar
Um estudo realizado com 9.400 mulheres ente 18 e 44 anos, de 13 países, mostrou que mais de 50% não sabiam que a anatomia da vagina é horizontalizada; e não vertical. Apesar do desconhecimento, menos da metade se sentia confortável para conversar sobre o órgão sexual. Apenas um terço sabia que o canal vaginal pode ser via para administração de medicamentos, como, por exemplo, contraceptivos; e a maioria das mulheres achava que a saúde vaginal não recebe a atenção que merece (66%) e que a sociedade tem muitos equívocos sobre a vagina (65%).
O levantamento mostrou que 78% das entrevistadas concordaram que os tabus da sociedade em torno da vagina contribuem para a ignorância das mulheres. Apenas 39% já tinha lido um artigo informativo sobre o órgão sexual, embora 83% gostariam de ter lido. Apesar de 79% das mulheres terem contado com conselhos de médicos na escolha de um contraceptivo, menos da metade se sentiam confortáveis para conversar com profissionais de saúde sobre questões relacionadas à vagina.
Segundo a ginecologista Flávia Junqueira, especializada em obstetrícia e sexologia e professora do Centro Universitário Barão de Mauá, de Ribeirão Preto (SP), a sexualidade permanece como um tabu. O tema está cercado de perguntas como “o que minha família vai pensar?”, “o que o médico vai pensar?” , “o que é normal?”. “Quanto mais informação de qualidade a pessoa tem, menor é o medo. A sexualidade não é encarada com a naturalidade que deveria ser e surgem muitos mitos”, avalia.
Ao contrário do que se possa pensar, o receio em relação à consulta não é exclusivo das adolescentes que vão pela primeira vez ao ginecologista. “No caso das mulheres adultas, entre 20 e 30 anos, há muitas dúvidas sobre a prática sexual, o orgasmo, sobre o que é permitido, sobre o que é normal. Mas nem sempre isso é colocado durante a conversa com o especialista. No caso das adolescentes, além da preocupação com a anticoncepção, surge a pressão dos pais para saber se já houve início da vida sexual”, enumera Flávia.
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Flávia Junqueira explicita que o profissional de saúde deve ter sensibilidade para fazer as perguntas certas. A conversa deve ser honesta, natural, livre de preconceitos. Há informações que, espontaneamente, a maioria dos pacientes não revela, por vergonha ou simplesmente por não considerar importante. “O número de parceiros, a falta de libido, o conhecimento sobre o próprio corpo, o tabagismo, as doenças crônicas e o estilo de vida devem ser abordados, por exemplo. O conhecimento sobre nosso corpo só traz benefícios para a vida sexual, para a escolha do método contraceptivo ideal, para a nossa felicidade e bem-estar. Quanto mais cedo conseguirmos esclarecer mitos e preocupações desnecessárias, mais feliz a pessoa será. Quanto menos tabus, melhor”, resume a sexóloga.
Um artigo recente, divulgado por cientistas norte-americanos na publicação-referência Annals of Internal Medicine, defende que o exame manual da pelve ou toque vaginal é desnecessário na avaliação de mulheres sem sintomas de qualquer anormalidade, que não estão grávidas, não estão buscando rastreamento de infecção sexualmente transmissível, orientação contraceptiva ou prevenção de câncer do colo uterino. Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores avaliaram 52 estudos, com um total de 10 mil mulheres participantes.
Um dos resultados apresentados como justificativa no artigo foi que o valor preditivo do exame pélvico para detecção do câncer de ovário foi inferior a 4%. Além disso, não foram encontrados estudos que provassem os benefícios na mortalidade, decorrente de diversas patologias. Cerca de 35% das mulheres relataram desconforto relacionado ao exame e 30% manifestaram sentir medo, vergonha, ou ansiedade.
De acordo com a diretora da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), Cláudia Lodi, é rotineiro que sejam encontradas patologias em mulheres assintomáticas. Além disso, o toque vai muito além da avaliação dos ovários, permitindo verificar toda a porção pélvica, como a bexiga e a região retal. “O exame manual não deve ser substituído por nenhum outro. O ultrassom, o raio-x e os exames de sangue devem ser vistos como complementares”, afirma a especialista.
Segundo Cláudia, embora a avaliação não possa ser classificado como 'agradável', a informação de qualidade é capaz de transformá-lo em uma necessidade, sem sofrimento. “A orientação adequada mostra qual é a importância do exame na prevenção de doenças uroginecológicas que vão afetar diretamente todas as áreas da vida da mulher e podem levar à morte se não diagnosticadas. O incômodo é tão leve e tolerável, que os benefícios passam a ser o foco. Não o medo ou a vergonha”, destaca.
A diretora da Associação ensina: a informação deve começar em casa e na escola, mas também no consultório. O médico deve explicar à paciente o que será feito e porque será feito (veja a infografia acima para tirar dúvidas). “Quanto mais informações ela tiver, mais tranquila ficará”, garante.
A ginecologista explica ainda que há casos, sim, em que o exame é dispensado: crianças e adolescentes que não apresentam queixas e não inciaram a vida sexual, mulheres que nunca tiveram vida sexual ativa e também não têm queixas; e em algumas consultas do pré-natal. “Em pacientes virgens, não se realizam procedimentos intravaginais. Caso haja alguma queixa séria, é possível fazer o toque retal para avaliar a pelve, inclusive. O importante é que o diálogo seja aberto, franco, com confiança”, resume a especialista.