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Um passeio pela mente dos disléxicos

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Flávia Duarte - Revista do CB Publicação:24/09/2014 09:01Atualização:24/09/2014 11:19
Para entender como funciona a mente de um disléxico, só mesmo conversando com eles. “Cada dislexo é diferente”, atesta Maria Angela Nico, fonoaudióloga e psicopedagoga da ABD. Por isso, o psicanalista Otávio Giacomo dá logo um chute e começa o papo dizendo que preferia ter uma deficiência aparente. Acha que, se sua limitação fosse óbvia, não teria sofrido tanto ao longo da infância até o início da vida adulta. “É muito difícil não ser burro e ser tratado como idiota”, resume sem rodeios, e segurando o choro.
O estudante Matheus Félix, 15 anos, estuda teorias de história e geografia com música (Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
O estudante Matheus Félix, 15 anos, estuda teorias de história e geografia com música

Ele é um tipo grandalhão. Alto e largo. Impossível não notá-lo. Seja pelo tom de voz empostada, seja pela risada sonora e de frequência generosa. Ele se define como um psicanalista às avessas e acredita que o bullying tem lá seu efeito terapêutico, apesar da dor. É o preconceito que fortalece e obriga a suposta vítima a encontrar soluções.

Foi assim com ele. Em sala de aula, Otávio compreendia tudo o que o professor explicava. Às vezes, tanto sabia, que até perdia o interesse na aula. Aliás, não é privilégio dele. A maioria dos disléxicos tem uma inteligência acima da média. A explicação de Otávio para esse predicado está na matemática. “Eu uso mais meu cérebro do que você. Da mesma forma que encontro outro caminho para aprender, vou usar essa energia para fazer outras coisas”, considera ele.

A designer de interiores Maria Eugênia Ianhez, 46 anos, também encontra uma justificativa para a compensação. Como o lado esquerdo do cérebro do disléxico, onde são processadas as funções de leitura, escrita e cálculos matemáticos, funciona diferente, o direito seria mais eficiente. É justamente esse o lado da emoção e da criatividade. Talvez fosse essa uma explicação para existir entre artistas e pintores famosos tantos com traços da dislexia.

'As letras dançam, as linhas andam, na hora de ler você pode pular partes. A leitura para o disléxico é um processo muito cansativo' Maria Eugênia Ianhez, designer de interiores (Arquivo Pessoal)
"As letras dançam, as linhas andam, na hora de ler você pode pular partes. A leitura para o disléxico é um processo muito cansativo" Maria Eugênia Ianhez, designer de interiores
Maria Eugênia mesmo garante que “adora” fazer parte do grupo dos disléxicos. “Tenho competência para saber o que suprir minhas necessidades e não cometer erros. Sou mais intuitiva, criativa e isso me coloca na frente dos outros”, avalia, a moça falante, bem articulada e sem nenhum indício de que sofria tanto para ler, escrever e entender as ideias que estavam representadas em letras.

Aliás, ser a mais querida e a mais simpática da turma foi uma estratégia de sobrevivência que ela encontrou para superar as dificuldades na escola. Se não conseguia colocar no papel os símbolos corretos que formavam as palavras, era ela quem apresentava os trabalhos orais diante da turma. Compensava a falta de jeito com o português, com a simpatia e a desenvoltura.

E assim é com cada disléxico, que encontra uma forma própria de superar as dificuldades. A associação é uma delas. Maria Eugênia explica que associar uma palavra a imagens, facilita lembrar a forma de escrevê-la. Um exemplo seria a palavra “ingresso”. “Um disléxico uma vez disse que sabia que era com dois SS já que, para ele, bom era ir ao cinema acompanhado. Então o S também aparecia em casal”, diz Maria Angela, da ABD.

E outras estratégias são válidas. O estudante Matheus Félix, 15 anos, só estuda teorias de história e geografia com música, por exemplo. A mãe dele, a funcionária pública Lusimar Félix, achou o hábito estranho e pensou que o gosto só podia ser desatino para o menino que já tinha tanta dificuldade de compreensão. Mas ela, nem ninguém, pode entender como funciona a mente de um disléxico. O jovem explicou que a música não atrapalhava. Ao contrário, ele associava um trecho da canção ao que lia no texto. Assim, gravava a teoria mais facilmente.

O importante apoio
Mais conscientes do problema, as escolas estão se preparando para receber os alunos com dislexia e oferecer um método de ensino que facilite o aprendizado desses meninos. No Sistema Mackenzie de Ensino, por exemplo, os professores recebem capacitação para ajudar as crianças diagnosticadas a cumprirem tarefas e assimilarem conteúdos. A coordenadora do grupo, Débora Bueno Muniz Oliveira, explica inclusive que eles estão desenvolvendo um projeto para que os livros usados no ensino médio tenha uma diagramação especial, com mais espaço entre linhas, e parágrafos mais curtos e espaçados. Isso evita que os disléxicos misturem as letras e percam o rumo da leitura. “Além disso, se o aluno chega com o laudo, nós oferecemos mais tempo para ele fazer uma atividade. As nossas provas também são mais limpas, com menos informações, e também oferecemos um ledor, caso ele precise”, comenta Débora.

No Distrito Federal, a Secretaria de Educação também oferece salas de apoio aos alunos que são diagnosticados com o distúrbio. Em turno contrário ao da aula, os estudantes são acompanhados em aulas de reforço para aliviar algumas dificuldades. Mas o apoio da família é essencial. Lusimar Félix, por exemplo, nunca julgou o filho Matheus Félix, 15 anos, por ele apresentar baixo rendimento na escola. Nunca pensou que fosse resultado de falta de empenho do garoto. Ao contrário, buscou ajuda profissional para ajudá-lo a superar as confusões de compreensão, resultado da dislexia. Ele faz aula de reforço particular, tem acompanhamento com fonoaudióloga, que o ajuda com a troca de letras, e apoio psicólogico para superar o jeito retraído. A mãe sempre estudou com ele. Contava histórias e criava imagens na cabeça do menino para que ele associasse a determinados conteúdos e registrasse na mente. Treinavam juntos a escrita das palavras. Ele gosta de gibi. Um jeito divertido de incentivar a leitura prazerosa e associar a escrita com imagens. O adolescente tem se saído bem. Até a sala exclusiva para fazer prova, em tempos separados, ele dispensou. Quer ser avaliado com a turma. Quer ser igual aos colegas. “A dislexia não é um doença, mas um transtorno que tem solução”, define Lusimar.

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