Chá-verde turbina terapia contra o câncer

Cientistas de Cingapura usam composto da bebida para encapsular remédios tradicionais contra tumores na mama. A técnica reduziu a toxicidade do tratamento e ajudou a diminuir o tamanho do cancro

Diminuir Fonte Aumentar Fonte Imprimir Corrigir Notícia Enviar
Isabela de Oliveira - Correio Braziliense Publicação:09/10/2014 15:00Atualização:09/10/2014 15:17
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais (Anderson Araújo/CB/D.A Press)
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais
O excesso de benefícios faz do chá-verde uma bebida conhecida pelo mundo. Tradicional da Ásia, ele ganhou espaço entre os ocidentais preocupados com a saúde e/ou em busca de relaxamento. Estudos indicam que compostos presentes nele, como as catequinas, têm efeitos antioxidantes, úteis para a prevenção e o tratamento do câncer, por exemplo. Agora, pesquisadores de Cingapura utilizaram o chá-verde para criar um material que encapsula e transporta medicamentos usuais contra tumores, eliminando, assim, os efeitos colaterais .

Os cientistas do Instituto de Bioengenharia e Nanotecnologia (IBN) da Agência para Pesquisa, Tecnologia e Saúde de Cingapura descreveram, na última edição da revista Nature Nanotechnology, como otimizar ainda mais os benefícios da planta. Os polifenóis presentes no chá são os principais constituintes bioativos com propriedades anticancerígenas. A base molecular desses compostos, entretanto, ainda está sob investigação. Já se sabe, porém, que eles mantêm uma boa relação com as terapias tradicionais contra tumores. Os pesquisadores do IBN aproveitaram esse conhecimento para criar uma espécie de míssil teleguiado que detecta a célula doente e a elimina com precisão.

O desenvolvimento de fármacos com essa tecnologia resolveria alguns dos problemas relacionados às terapias usuais. Atualmente, a eficiência delas depende de diversos fatores, incluindo a forma com que a terapia prescrita ataca o tumor. Isso depende, em grande parte, do meio de transporte usado pela substância ativa para alcançar as células doentes. Se ele não é eficiente, o medicamento se perde pelo corpo, obrigando o aumento da dosagem. Consequentemente, causa uma espécie de envenenamento no já debilitado organismo do paciente.

“Os inúmeros benefícios de saúde do chá-verde nos inspiraram para utilizá-lo no transporte das drogas. Esta é a primeira vez que esse chá é usado com esse fim. O nosso método não apenas leva o remédio de forma mais eficiente às células cancerosas, como também reduz dramaticamente o crescimento do tumor em comparação com o fármaco utilizado sozinho. Esse é um avanço emocionante na nanomedicina “, avalia Jackie Y. Ying, diretor executivo do IBN e autor sênior do estudo.

O professor explica que o novo transportador à base de chá-verde poderia evitar que a quimioterapia danificasse os órgãos saudáveis ao redor do tumor. Esses mísseis, quando injetados no corpo do paciente, aumentam o foco do medicamento em direção às estruturas doentes. Além disso, os veículos atuais não têm nenhuma ação terapêutica contra o câncer, ao contrário do chá-verde, e podem causar efeitos secundários se usados em grandes quantidades.

Camuflado

Para resolver esse problema, a equipe projetou um nanocarro terapêutico que levou as drogas utilizando compostos derivados de epigalocatequina galato (EGCG), um composto-chave do chá-verde. O núcleo desse transportador é feito com um material que pode encapsular os fármacos e proteínas, como a trastuzumab, substância ativa de um medicamento usado atualmente para tratar o câncer de mama. O nanocarro ainda é formado por uma molécula que o camufla, impedindo que seja detectado e filtrado para fora do corpo pelo sistema imune antes que chegue ao tumor.

Para avaliar o desempenho do sistema proposto, a equipe de pesquisa conduziu estudos com ratos modificados para apresentar células de câncer de mama humano. O nanocarro de chá-verde carregado com trastuzumab reduziu o crescimento do tumor de forma muito mais eficiente do que quando o medicamento foi administrado sozinho. Ao mesmo tempo, o acúmulo da toxidade de substâncias derivadas do tratamento em órgão vitais caiu substancialmente: no fígado e nos rim, em 70%; no pulmão, em 40%.

“Desenvolvemos um transportador que ele próprio tem efeito anticancerígeno, podendo aumentar o tratamento do tumor quando utilizado em conjunto com o fármaco”, comemora Motoichi Kurisawa, principal autor do estudo. “Essa invenção poderia pavimentar o caminho para um melhor sistema de transporte de drogas para combater câncer.”

Márcio Roberto Pinho Pereira, biólogo da Universidade de Fortaleza, é otimista com os resultados. Com outras professoras da instituição, a farmacêutica Sílvia Fernandes e a médica Sônia Leite da Silva, ele estudou como o chá-verde atua no corpo humano. “Foi naquela época em que ele estourou, virou um sucesso comercial nas caixinhas, nos sucos e tudo mais. Queríamos entender melhor os efeitos anticancerígenos e anti-inflamatórios da planta como um todo”, diz o biólogo.

Os resultados demonstraram que a bebida realmente é capaz de vencer o câncer. Entretanto, podia ser altamente tóxica quando consumida em excesso. “Observamos uma atividade prejudicial nos rins. O que esses pesquisadores fizeram de novo foi descobrir uma forma de isolar um componente importante do chá de forma que eles possam, um dia, tratar o câncer sem causar a toxidade renal, por exemplo”, analisa Pereira, alertando, em seguida, que mais de 1l da bebida por dia pode ser um veneno. “O ideal pelo menos para os ratos foi de 250ml”, conta.

Pereira acredita que vai demorar um pouco para que o medicamento proposto pelos cientistas da instituição de Cingapura chegue aos hospitais e às farmácias. “São necessários muitos testes sobre a toxicologia do produto. Entretanto, como muitos estudos sobre ele estão sendo desenvolvidos, é possível que demore um pouco menos do que uma década.”

"Esta é a primeira vez que esse chá é usado com esse fim. O nosso método não apenas leva o remédio de forma mais eficiente às células cancerosas, como também reduz dramaticamente o crescimento do tumor em comparação com o fármaco utilizado sozinho" - Jackie Y. Ying, autor sênior do estudo



O que faz do chá-verde uma bebida tão especial?
Ele acelera o metabolismo porque tem uma grande quantidade de compostos antioxidantes, como a cafeína, que favorece a queima de gordura. Essas substâncias impedem a ação dos radicais livres, que causam o envelhecimento precoce das células, o que aumenta o risco de câncer. Ou seja, além de acelerar o organismo, combatem o envelhecimento. Há também nesse chá as catequinas e os bioflavonoides, que bloqueiam as alterações celulares que dão origem a tumores. A bebida ainda fortalece o sistema imunológico por ter polifenóis, vitaminas C, K, B1, B2, manganês, potássio e ácido fólico.

Isso significa que podemos bebê-lo à vontade?

O consumo deve ser de no máximo quatro xícaras por dia. As pessoas que têm dificuldade para dormir devem ficar atentas porque o problema pode se agravar. As com gastrite também devem moderar o consumo, além das hipertensas, porque o chá-verde aumenta a pressão sanguínea ao acelerar o metabolismo. Grávidas e lactantes precisam conversar com o médico e o nutricionista, mas, de modo geral, devem evitá-lo.

Existe diferença entre o chá em cápsula e em sachê e o da planta natural?
O que vem em cápsulas pode ter dosagem muita alta, e isso causa prejuízos. Os industrializados não são muito aconselháveis por apresentarem conservantes e poucos compostos ativos, além de açúcar. Os melhores são os de saquinho, da planta mesmo ou o sachê. Mas é preciso ter cuidado ao preparar. A temperatura elevada demais deteriora os compostos responsáveis por todos os benefícios. Então, a água não pode ferver. Ela deve ser usada no momento em que levantarem as primeiras bolhinhas. Aí, a pessoa pode tirar do fogo e colocar a erva. Um detalhe importante: os benefícios somem quando o chá fica exposto o dia inteiro à luz e ao ar. Por isso, o ideal é fazer e beber na hora. Nesse ponto, os sachês são interessantes para as pessoas que gostam de consumir a bebida no trabalho.

COMENTÁRIOS

Os comentários são de responsabilidade exclusiva dos autores.