Sobrevida de brasileiros com câncer alcança níveis de nações desenvolvidas

Estudo feito em 67 países mostra que o Brasil conseguiu elevar a sobrevida de pacientes com tumores na próstata e na mama a níveis semelhantes aos de nações desenvolvidas. Notificação de casos também melhorou

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Isabela de Oliveira - Correio Braziliense Publicação:28/11/2014 15:00Atualização:28/11/2014 11:18
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Em todo o mundo, o câncer é uma das principais causas de mortalidade. São aproximadamente 14 milhões de novos casos e 8 milhões de óbitos anualmente, com tendência de alta. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os diagnósticos aumentarão 70% nos próximos anos. A boa notícia é que a sobrevida para alguns tipos da doença também aumenta, com cada vez mais pacientes permanecendo vivos cinco anos após o diagnóstico. É o que mostra um estudo feito em 67 países e publicado na revista The Lancet Oncology, que traz, ainda, dados positivos sobre o Brasil: o país conseguiu, nos últimos 10 anos, prolongar a vida dos pacientes e melhorar seus sistemas de notificação da doença.

Segundo o estudo, liderado por pesquisadores da London School of Hygiene & Tropical Medicine, no Reino Unido, o Brasil alcançou índice de sobrevida para câncer de mama comparável ao de nações desenvolvidas: 87,4% dos pacientes vivos cinco anos após o diagnóstico. Também é notável o êxito do país nos cuidados com o câncer de próstata, que oferece a mesma sobrevida para 96,1% dos homens com a doença. Pacientes com câncer colorretal também sobrevivem mais do que no passado (veja quadro ao lado).

À primeira vista, os resultados para os cânceres de estômago, fígado, pulmão e ovário não parecem animadores, pois as taxas de sobrevida apresentaram queda no último ano. Entretanto, Gulnan Azevedo Silva, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) que participou do levantamento, explica que os resultados não podem ser entendidos ao pé da letra porque, de 1995 e 2009, período em que os dados foram colhidos, houve um grande avanço no sistema de notificação de mortes pelas doenças.

As informações do período de 1995 a 1999, por exemplo, dizem respeito apenas a duas cidades: Goiânia e Campinas (SP). “Muitas pessoas acabavam morrendo sem que o sistema as registrasse, por uma série de fatores. Elas poderiam, por exemplo, falecer em outro estado e acabavam não entrando nas estatísticas”, explica Silva. Em casos assim, os pacientes eram considerados vivos, elevando artificialmente as taxas de sobrevida para alguns tipos de tumor. A professora frisa, portanto, que não é possível afirmar que a mortalidade aumentou, especialmente entre os tipos mais letais de câncer, como os de fígado e de estômago. Apenas os dados ficaram mais precisos (leia Palavra de especialista).

Políticas públicas

Thiago Chulam, cirurgião oncologista e coordenador do Programa de Prevenção do Câncer do A. C. Camargo Cancer Center, avalia que o levantamento chama a atenção especialmente pelo número de pacientes considerados: 25,7 milhões de adultos diagnosticados com alguns dos tipos mais comuns de câncer no mundo — mama, pulmão, fígado, útero, estômago, ovário, próstata, cólon, reto e leucemia —, além de 75 mil crianças diagnosticadas com leucemia linfoide.

Segundo ele, é possível que o sucesso do Brasil na sobrevida para alguns tipos da doença seja resultado de políticas públicas direcionadas. “Isso permite diagnóstico nas fases mais precoces de cânceres colorretais, de útero e de mama, por exemplo, pois eles recebem uma indicação de rastreamento. Para o de estômago, por outro lado, não temos isso”, diz o especialista. Ele observa que esse último tem sido cada vez mais observado em pacientes jovens. “Infelizmente, os profissionais costumam não considerar o câncer em pacientes que ainda não são idosos, e o diagnoóstico acaba sendo tardio.”

Hoje, no país, apenas os tipos mais comuns da doença recebem recomendação de rastreamento preventivo. O Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva estima que, até o fim de 2014, haverá 57 mil novos casos de câncer de mama, 14,5 mil de colorretal e 15,6 mil de colo do útero. “As políticas públicas avaliam o custo da efetividade, isto é, não adianta lançar mão da tomografia de tórax para detectar um caso de câncer de pulmão a cada milhão de pessoas. Pode parecer uma coisa insensível verificar o custo que tudo isso gera para salvar uma vida, mas, quando se fala em políticas públicas, também se fala em dinheiro”, observa Chulam.

Para Anderson Silvestrini, oncologista do Hospital Santa Luzia, em Brasília, os resultados do Concord-2, como foi chamado o estudo, têm peso e validade por terem sido baseados em uma grande quantidade de informações. “Uma tarefa que não é fácil”, avalia. A legitimidade permite que formuladores de estratégias de combate e prevenção possam utilizar os dados para alcançarem maior precisão nos tratamentos. A grande lição é sobre a prevenção. “As nações que levam isso a sério têm bons resultados. É só observarmos o sucesso que tivemos com o câncer de mama, que não é tão letal, mas que é perigoso se o diagnóstico não for precoce.”

Silvestrini, que também é membro da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, destaca que o câncer de próstata foi o que mais obteve resultados positivos, especialmente pelo incremento tecnológico. “Em 1990, não existia o PSA, um marcador desse tipo de câncer e que se tornou o principal exame para ajudar no diagnóstico. Quando não existia a detecção dessa proteína, os resultados eram tardios. Hoje, além disso, há o estímulo para que os homens realizem exames. Tudo isso faz com que a sobrevida chegue a mais de 90%”, afirma.

Diferenças
Stephen Stefani, oncologista do Instituto do Câncer do Sistema de Saúde Mãe de Deus, referência em Porto Alegre, reitera que, hoje, a subnotificação no Brasil está menor. Isso permite que os médicos conheçam melhor a doença e as dificuldades de combatê-la. Entretanto, para ele, o país ainda precisa trabalhar vários aspectos importantes. “A preocupação é que, em 2030, as doenças oncológicas ultrapassem as doenças cardiovasculares. Isso vai acontecer no mundo inteiro, especialmente entre os países em desenvolvimento, como o Brasil”, diz Stefani, que também é professor de pós-graduação na Universidade de Ribeirão Preto (URP) e Universidade Federal do Ceará (UFC).

“Se continuarmos com as mesmas políticas de saúde, não escaparemos disso. É preciso mais investimento, principalmente em detecção precoce e educação para o público, que pode evitar comportamentos que causam as doenças, como má alimentação”, alerta o especialista. Ele frisa que as políticas colocam os pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) em desvantagem. “Somente 20% das pessoas têm plano de saúde e conseguem marcar uma consulta médica de uma semana para outra. Essas pessoas recebem diagnósticos precoces. No posto de saúde, esse processo leva meses”, aponta.

Essa constatação, Stefani observa, pode ser extrapolada para os níveis internacionais. Segundo ele, a quantidade de pessoas que recebem um diagnóstico precoce de câncer é duas vezes maior em países desenvolvidos em comparação às nações mais pobres. “É um problema de acesso. A diferença é que a maioria dos pacientes em países menos ricos não consegue os tratamentos dos países desenvolvidos. E essa não é uma diferença entre Europa e África ou América Latina, mas dentro da própria Europa. Países como Alemanha e França são mais eficientes do que Portugal ou Croácia”, pontua.

Sobrepeso

O excesso de peso resulta em 480 mil novos casos de câncer por ano em adultos, ou 3,6% dos casos de câncer em todo o mundo, indica um estudo do The Lancet Oncology. O problema é mais grave nos países desenvolvidos. Pesquisadores da Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (Iarc) estimam que um quarto de todos os cânceres relacionados com o sobrepeso em 2012 (118 mil casos) eram atribuíveis ao índice crescente de massa corporal média (IMC) da população desde 1982. As mulheres são mais afetadas, em grande parte devido ao câncer de útero e de mama na pós-menopausa.


Dados mais apurados
“O fato de a sobrevida para alguns tipos de câncer no Brasil ter apresentado redução nessa pesquisa significa que nossa coleta de dados melhorou. Estamos melhores porque, de lá para cá, as pessoas têm mais acesso aos tratamentos, e, nos casos dos cânceres de mama e retal, o diagnóstico ficou mais precoce. Isso é possível pelo rastreamento. A OMS e outras agências de saúde recomendam que outros cânceres também sejam rastreados, mas o Brasil ainda não tem condição de assumir isso. Precisamos nos organizar e melhorar a rede de assistência do SUS, priorizando os recursos de detecção precoce. O maior desafio é garantir diagnóstico em tempo curto, especialmente para os que precisam mais. A grande contribuição desse trabalho é mostrar que a medicina consegue resolver e dar uma perspectiva alta para pacientes com tumores malignos, e que faz diferença onde você é tratado." - Gulnan Azevedo Silva, coautora brasileira do estudo, professora da UERJ e membro da Associação Brasileira de Saúde Coletiva

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