Vale tudo por uma foto com o Papai Noel?
O desejo de 'eternizar' a infância dos filhos é tão grande que, a despeito do choro dos bebês e crianças, famílias insistem em registrar datas comemorativas em foto. Outro erro comum é usar o bom velhinho como moeda de troca para o bom comportamento
Valéria Mendes - Saúde Plena
Publicação:19/12/2014 10:33Atualização: 19/12/2014 11:18
A história do Papai Noel de Curitiba que cobriu o rosto de uma criança quando os pais da menina tentavam registrar em foto aquele momento foi motivo de tanta comoção nas redes sociais que o bom velhinho foi afastado do trabalho em shopping no Sul do país. O motivo é que a família não tinha pagado pelo registro. Quando o dinheiro passa a mediar a fantasia que permeia a infância, é mesmo um motivo para se espantar. No entanto, essa tentativa, em alguns casos um pouco exagerada, para conseguir uma foto com o barbudo podem revelar histórias ainda mais surpreendentes, apesar de a mais comum ser o chororô dos pequenininhos que, além de esperar na fila, precisam ficar cara a cara com aquela figura rechonchuda.
Que o diga Juliana Massimo Gomes, 35 anos. A mãe de Clara, 5 anos, tem um caso que, se no início ela preferia apagar da memória, atualmente conta com tranquilidade. Quando a filha tinha 5 meses, ela, o marido e a pequena moravam em Varginha, mas vieram para Belo Horizonte passar o Natal com a família. “Levei a minha sogra e a minha mãe para tirarem uma foto com a Clara e o Papai Noel no shopping. Seria o meu presente para elas, cada uma se sentaria em uma beirada e minha filha ficaria no meio, no colo do Papai Noel”, diz.
A foto deu certo, mas o que veio depois... “Minha sogra estava de salto e virou o pé, o Papai Noel levantou para ajudá-la, mas se esqueceu que minha filha estava no colo dele. Vi minha sogra trupicando e segundos depois minha filha caindo de cara no chão”, conta Juliana.
A mãe diz que Clara nunca tinha levado nenhum tombo, que era cuidada com muita atenção e zelo e que, num intervalo mínimo de tempo, estava se esgoelando no chão. “Corremos para o hospital, ela ficou quatro horas em observação, chorava muito, tivemos medo de traumatismo craniano, mas ela não teve nada. Essa foi ficou para história: o primeiro tombo da minha filha foi do colo do Papai Noel”, conta.
Hoje, Clara ama o barbudo, é apaixonada pelo Natal, tira foto todo ano e não sente medo do bom velhinho. “Ela escreve cartinha, este ano pediu um patinete e, junto com outras duas amiguinhas, vai preparar pelo segundo ano seguido os ‘ginger bread’, aqueles biscoitinhos feitos com massa de gengibre e cortados em formato de árvore de Natal e boneco de neve”, revela.
Com choro
Betinha Scharle, 39 anos, é turismóloga e mãe de Layla, de 1 ano e sete meses. No primeiro Natal da menina, a família morava em Londres e a mãe conta que não se dedicou muito aos rituais da data. Na época, elas participavam de um encontro de bebês duas vezes por semana que, no país dos Beatles, é chamado de baby play group. “Em um desses encontros recebemos a visita de um Papai Noel que distribuiu lembrancinhas às crianças. Layla ia completar 8 meses e chorou, chorou, chorou, com a presença daquela figura”, recorda-se.
De volta ao Brasil neste ano, a mãe se dedicou e, com a ajuda da pequena, enfeitou toda a casa da família. Betinha diz que toda vez que a filha olha para a árvore de Natal repete: “papai, papai, papai” se referindo ao bom velhinho. “Como ela está toda empolgada, pensei: ‘Esse ano vai dar certo, conseguirei a foto’”, narra.
Motivada pelo sentimento da filha, Betinha levou a garotinha nesta segunda-feira para fazer o tão esperado clique. “Minha filha estava toda animada, ela se deitava no chão para ver os enfeites atenta a todos os detalhes, mas na hora que a coloquei no colo do Papai Noel começou a chorar e dizer ‘não, não, não’. Ele perguntou se ela queria uma bala já entregando o doce para Layla que, sem pestanejar, devolveu. E eu fiquei tirando as fotos”, diz.
Em seguida, a mãe, pegou a filha de volta e tentou acalmá-la explicando que não precisa ter medo, que aquele era o Papai Noel de quem tanto gostava. “Esperei ela se acalmar para tentar novamente. Então tive a ideia de participar da foto, com a Layla sentada no meu colo. No início ela ainda relutou, mas depois ficou olhando para ele com certa curiosidade”, conta.
Betinha acredita que registrar a filha nas datas importantes do ano é uma forma de manter viva a memória da infância. “Eu, por exemplo, só tenho uma foto com o Papai Noel quando eu tinha 8 anos, quero que ela tenha essa recordação e, inclusive, veja como reagiu. Não deu certo na primeira vez e nem na segunda, mas quem sabe da próxima?”, acredita.
Sem choro
Andrea Fregnani, 44 anos, é professora de inglês e mãe de Alice, de 4 anos. Quando a menina tinha quatro meses, a mãe conseguiu a façanha de a filha sair sorrindo na primeira foto com o Papai Noel. Um ano depois, no entanto, a garotinha não quis. “A gente não queria forçar, ela não quis se sentar e posar para a foto... O registro que a gente tem é o da Clara pegando a balinha da mão do Papai Noel e indo embora. Nunca foi uma opção para mim e para o meu marido uma foto com ela chorando, nossa decisão era de nunca insistir”, diz.
Agora, em 2014, Clara, segundo Andrea, já perdeu um pouco do interesse pelo homem da roupa vermelha: “Nunca incentivamos que ela acreditasse na figura do Papai Noel, ela gosta do personagem, que é como a gente o coloca para ela, e este ano quis escrever uma cartinha. Ela fica entre o ‘não é verdade’ e o ‘mas será que tem algum que é?’. A gente a deixa livre para fantasiar ou não. Neste ano, ela quis montar a árvore muito cedo, antes de 15 de novembro, curte os enfeites, o presépio e a ideia do aniversário de Jesus. Como ela não vê propaganda de televisão, não é uma criança consumista e seus pedidos fogem dos brinquedos comerciais”.
Psicanalista e psicopedagoga Cristina Silveira não concorda com a ideia de colocar uma criança a contragosto no colo do Papai Noel. “Até os 2 anos, a criança não tem uma percepção do que é a fantasia no Papai Noel, ela ainda está na fase do mundo interno, muito ligado ainda à figura materna e não tem a visão social da fantasia que o bom velhinho sugere. Se ela tem medo daquela figura grande, com roupas coloridas e se assustou, não compensa insistir”, explica. A especialista afirma que a experiência pode até resultar em um tipo de fobia, similar, por exemplo, à fobia por cachorro.
A partir dos 2 anos (e até os 7 mais ou menos), a especialista diz que é a fase em que a criança realmente entra no mundo da fantasia. “É legal as famílias darem continuidade para esse universo da imaginação porque favorece o desenvolvimento da linguagem, ajuda na criatividade e auxilia a criança a entender melhor o mundo através da inventividade”, observa. Mesmo assim, nessa idade, se a criança não gostar do Papai Noel, a psicóloga sugere não forçá-la a tirar foto. “Se você sabe que seu filho tem medo, não faça isso, porque ele pode até desenvolver um trauma”, alerta.
Outra atitude não recomendada é usar o Papai Noel como moeda de troca para o bom comportamento dos meninos e meninas. “O reforço pra criança tem que ser o reforço positivo. Se seu filho ou sua filha fizeram uma coisa bacana, elogie no momento. Até os 7 anos, a criança é muito imediatista, vive no mundo concreto. Dizer que se ela não se comportar bem não vai receber presente no Natal não adianta, pois ela não conseguirá associar a ausência do presente ao ato anterior”, explica.
Para ela, usar o Papai Noel como moeda de troca é tirar da criança a possibilidade positiva da fantasia e colocar um efeito negativo na figura do bom velhinho. “Pai e mãe precisam se posicionar e não jogar a responsabilidade para o Papai Noel, a Fada do Dente ou terceiros. Em alguns casos, o reforço negativo (se não fizer o dever, não vai passear na pracinha, por exemplo) terá que ser usado para ensinar limites. É preciso ter coragem para dizer não, mas é assim que se constrói a relação de respeito”, pondera.
Especialista afirma que até os 2 anos, a criança não tem uma percepção do que é a fantasia no Papai Noel: "Não compensa insistir", diz a psicóloga e psicanalista Cristina Silveira
Que o diga Juliana Massimo Gomes, 35 anos. A mãe de Clara, 5 anos, tem um caso que, se no início ela preferia apagar da memória, atualmente conta com tranquilidade. Quando a filha tinha 5 meses, ela, o marido e a pequena moravam em Varginha, mas vieram para Belo Horizonte passar o Natal com a família. “Levei a minha sogra e a minha mãe para tirarem uma foto com a Clara e o Papai Noel no shopping. Seria o meu presente para elas, cada uma se sentaria em uma beirada e minha filha ficaria no meio, no colo do Papai Noel”, diz.
Clara tinha 5 meses quando o Papai Noel se esqueceu que estava com o bebê no colo, levantou-se, e a pequena caiu de cara no chão
A foto deu certo, mas o que veio depois... “Minha sogra estava de salto e virou o pé, o Papai Noel levantou para ajudá-la, mas se esqueceu que minha filha estava no colo dele. Vi minha sogra trupicando e segundos depois minha filha caindo de cara no chão”, conta Juliana.
A mãe diz que Clara nunca tinha levado nenhum tombo, que era cuidada com muita atenção e zelo e que, num intervalo mínimo de tempo, estava se esgoelando no chão. “Corremos para o hospital, ela ficou quatro horas em observação, chorava muito, tivemos medo de traumatismo craniano, mas ela não teve nada. Essa foi ficou para história: o primeiro tombo da minha filha foi do colo do Papai Noel”, conta.
Hoje, Clara ama o barbudo, é apaixonada pelo Natal, tira foto todo ano e não sente medo do bom velhinho. “Ela escreve cartinha, este ano pediu um patinete e, junto com outras duas amiguinhas, vai preparar pelo segundo ano seguido os ‘ginger bread’, aqueles biscoitinhos feitos com massa de gengibre e cortados em formato de árvore de Natal e boneco de neve”, revela.
Mas Clara não se traumatizou e todo ano faz foto com o Papai Noel e prepara, junto com as amiguinhas Alice e Bia, os ginger Bread - biscoitos em formato de árvore de Natal e boneco de neve
Com choro
Betinha Scharle, 39 anos, é turismóloga e mãe de Layla, de 1 ano e sete meses. No primeiro Natal da menina, a família morava em Londres e a mãe conta que não se dedicou muito aos rituais da data. Na época, elas participavam de um encontro de bebês duas vezes por semana que, no país dos Beatles, é chamado de baby play group. “Em um desses encontros recebemos a visita de um Papai Noel que distribuiu lembrancinhas às crianças. Layla ia completar 8 meses e chorou, chorou, chorou, com a presença daquela figura”, recorda-se.
De volta ao Brasil neste ano, a mãe se dedicou e, com a ajuda da pequena, enfeitou toda a casa da família. Betinha diz que toda vez que a filha olha para a árvore de Natal repete: “papai, papai, papai” se referindo ao bom velhinho. “Como ela está toda empolgada, pensei: ‘Esse ano vai dar certo, conseguirei a foto’”, narra.
Layla, 1 ano e 7 meses, ama o Papai Noel de 'brinquedo', mas o de verdade... "Quero que ela tenha essa recordação e, inclusive, veja como reagiu. Não deu certo na primeira vez e nem na segunda, mas quem sabe da próxima?" (Betinha Scharle, mãe da garotinha)
Motivada pelo sentimento da filha, Betinha levou a garotinha nesta segunda-feira para fazer o tão esperado clique. “Minha filha estava toda animada, ela se deitava no chão para ver os enfeites atenta a todos os detalhes, mas na hora que a coloquei no colo do Papai Noel começou a chorar e dizer ‘não, não, não’. Ele perguntou se ela queria uma bala já entregando o doce para Layla que, sem pestanejar, devolveu. E eu fiquei tirando as fotos”, diz.
Em seguida, a mãe, pegou a filha de volta e tentou acalmá-la explicando que não precisa ter medo, que aquele era o Papai Noel de quem tanto gostava. “Esperei ela se acalmar para tentar novamente. Então tive a ideia de participar da foto, com a Layla sentada no meu colo. No início ela ainda relutou, mas depois ficou olhando para ele com certa curiosidade”, conta.
Betinha acredita que registrar a filha nas datas importantes do ano é uma forma de manter viva a memória da infância. “Eu, por exemplo, só tenho uma foto com o Papai Noel quando eu tinha 8 anos, quero que ela tenha essa recordação e, inclusive, veja como reagiu. Não deu certo na primeira vez e nem na segunda, mas quem sabe da próxima?”, acredita.
Andrea Fregnani tenta tirar uma foto da Alice com o Papai Noel, mas a pequena é decidida: "A gente não queria forçar, ela não quis se sentar e posar para a foto... O registro que a gente tem é o da Clara pegando a balinha da mão do Papai Noel e indo embora"
Sem choro
Andrea Fregnani, 44 anos, é professora de inglês e mãe de Alice, de 4 anos. Quando a menina tinha quatro meses, a mãe conseguiu a façanha de a filha sair sorrindo na primeira foto com o Papai Noel. Um ano depois, no entanto, a garotinha não quis. “A gente não queria forçar, ela não quis se sentar e posar para a foto... O registro que a gente tem é o da Clara pegando a balinha da mão do Papai Noel e indo embora. Nunca foi uma opção para mim e para o meu marido uma foto com ela chorando, nossa decisão era de nunca insistir”, diz.
Agora, em 2014, Clara, segundo Andrea, já perdeu um pouco do interesse pelo homem da roupa vermelha: “Nunca incentivamos que ela acreditasse na figura do Papai Noel, ela gosta do personagem, que é como a gente o coloca para ela, e este ano quis escrever uma cartinha. Ela fica entre o ‘não é verdade’ e o ‘mas será que tem algum que é?’. A gente a deixa livre para fantasiar ou não. Neste ano, ela quis montar a árvore muito cedo, antes de 15 de novembro, curte os enfeites, o presépio e a ideia do aniversário de Jesus. Como ela não vê propaganda de televisão, não é uma criança consumista e seus pedidos fogem dos brinquedos comerciais”.
Cristina Silveira
A partir dos 2 anos (e até os 7 mais ou menos), a especialista diz que é a fase em que a criança realmente entra no mundo da fantasia. “É legal as famílias darem continuidade para esse universo da imaginação porque favorece o desenvolvimento da linguagem, ajuda na criatividade e auxilia a criança a entender melhor o mundo através da inventividade”, observa. Mesmo assim, nessa idade, se a criança não gostar do Papai Noel, a psicóloga sugere não forçá-la a tirar foto. “Se você sabe que seu filho tem medo, não faça isso, porque ele pode até desenvolver um trauma”, alerta.
Outra atitude não recomendada é usar o Papai Noel como moeda de troca para o bom comportamento dos meninos e meninas. “O reforço pra criança tem que ser o reforço positivo. Se seu filho ou sua filha fizeram uma coisa bacana, elogie no momento. Até os 7 anos, a criança é muito imediatista, vive no mundo concreto. Dizer que se ela não se comportar bem não vai receber presente no Natal não adianta, pois ela não conseguirá associar a ausência do presente ao ato anterior”, explica.
Para ela, usar o Papai Noel como moeda de troca é tirar da criança a possibilidade positiva da fantasia e colocar um efeito negativo na figura do bom velhinho. “Pai e mãe precisam se posicionar e não jogar a responsabilidade para o Papai Noel, a Fada do Dente ou terceiros. Em alguns casos, o reforço negativo (se não fizer o dever, não vai passear na pracinha, por exemplo) terá que ser usado para ensinar limites. É preciso ter coragem para dizer não, mas é assim que se constrói a relação de respeito”, pondera.