Verão: a estação dos riscos extremos

Na época de temperaturas cada vez mais ardentes, as ameaças ao corpo vão além da insolação. Pesquisa inédita dos EUA indica um aumento de internações por falência renal e até por infecção generalizada no período

Diminuir Fonte Aumentar Fonte Imprimir Corrigir Notícia Enviar
Paloma Oliveto - Correio Brasilienze Publicação:17/01/2015 10:00Atualização:15/01/2015 16:23
 (	Zuleika de Souza/CB/D.A Press)

Estação do ano mais aguardada pelos brasileiros, o verão não é sinônimo apenas de praia, corpos à mostra e pele bronzeada. O calor extremo provocado por massas de ar quente — fenômeno comum nesta época do ano, mas acentuado na última década pelas mudanças climáticas — traz desconfortos e riscos à saúde. Não se trata somente de desidratação e insolação. Um estudo da Faculdade de Saúde Pública de Harvard (EUA), o maior sobre o tema feito até hoje, mostrou que as temperaturas altas aumentam hospitalizações por falência renal, infecções do trato urinário e até mesmo sepse, entre outras enfermidades.

“Nós consideramos todas as causas de admissão hospitalar durante as ondas de calor para caracterizar os efeitos da alta temperatura nos vários sistemas do organismo”, explica Francesca Domininci, professora de bioestatística da faculdade e principal autora do estudo, publicado no jornal Jama, da Associação Médica dos Estados Unidos. Ela conta que os pesquisadores analisaram fichas de hospitalização associadas a 214 doenças em uma população de 23,7 milhões de moradores de 1.943 cidades norte-americanas.

Os dados das internações, ocorridas entre 1999 e 2010, foram cruzados aos de 4 mil registros meteorológicos ao redor do país. “Embora tenhamos feito o estudo apenas nos EUA, as ondas de calor são um fenômeno mundial. Portanto, os resultados podem ser considerados universais”, diz Domininci. No Brasil, não há estudos específicos que associem as ondas de calor a tipos de internações. “Não é só aí. No mundo todo, há pouquíssimas investigações sobre essa relação exata”, afirma a pesquisadora. “Precisamos que os colegas de outras partes do planeta façam pesquisas semelhantes para compreendermos melhor essa importante questão para a saúde pública”, observa.

Pior entre idosos
O estudo concentrou-se na hospitalização de adultos. As estatísticas indicaram que os idosos têm risco duas vezes e meia maior de serem internados por insolação durante ondas de calor extremo. Comparada ao restante da população, nessas ocasiões, a hospitalização dos mais velhos é 18% maior por desidratação, 14% mais alta devido à falência renal, 10% maior por infecções do trato urinário e 6% mais elevada por sepse. Francesca Domininci afirma que esses dados são significativos porque o calor extremo é a principal causa de mortalidade associada ao clima nos Estados Unidos. “À medida que as mudanças climáticas se agravam, os impactos à saúde devem se aprofundar”, diz.

A especialista dá algumas dicas para evitar que as ondas de calor provoquem estragos no organismo. “Beba muita água e fique na sombra sempre que possível, evitando o sol, principalmente nas partes mais quentes do dia, entre 11h e 15h. Em casa ou no trabalho, fique nas áreas mais frescas, feche cortinas, se necessário, e mantenha as janelas fechadas quando está mais quente no exterior. Abra à noite, quando o clima estiver mais fresco”, recomenda. Também é importante que, ao sentir qualquer mal-estar, a pessoa tome água e descanse. “Se tiver falta de ar, dor no peito, confusão, tontura ou fraqueza persistentes, procure ajuda médica”, ensina.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as complicações associadas às mudanças climáticas em geral — não apenas ao aumento de temperatura — matarão 230 mil pessoas em 2030, caso se confirmem as projeções feitas por climatologistas. “Conhecer quais doenças são mais prováveis de acontecer durante as ondas de calor pode ajudar os sistemas de saúde a se prepararem melhor para prevenir e tratar as hospitalizações relacionadas a elas, principalmente agora que observamos que as mudanças climáticas estão em progresso”, disse, em nota, Jennifer Bobb, pesquisadora associada do Departamento de Bioestatísticas da Faculdade de Saúde Pública de Harvard e coautora do estudo. De acordo com ela, a tendência é de que pesquisas semelhantes sejam feitas a partir de agora, quando as evidências internacionais sobre o aumento da temperatura em todo o mundo estão crescendo.

“Embora tenhamos feito o estudo apenas nos EUA, as ondas de calor são um fenômeno mundial. Portanto, os resultados podem ser considerados universais”, Francesca Domininci, professora de bioestatística da faculdade e principal autora do estudo.

Mais perigoso para os cardíacos
Autora de um estudo semelhante ao da Universidade de Harvard, mas feito em menor escala nos hospitais de Sydney, na Austrália, Hilary Bambrick, professora de saúde pública da Universidade de Western Sydney, explica que o calor extremo significa um risco para a saúde porque interfere na habilidade que o corpo tem de regular a sua temperatura. Dessa forma, o organismo fica muito quente, o mecanismo de produção de suor pode falhar e, em consequência, perde-se a capacidade de resfriamento. “Pode haver retenção de líquido, inicia-se um desequilíbrio de eletrólitos e, por causa disso, os órgãos começam a falhar nos casos graves”, diz.

Além disso, as ondas de calor extremo podem agravar condições preexistentes, como doenças respiratórias e cardiovasculares. “Na Austrália, verificamos aumentos significativos de admissão hospitalar devido a males respiratórios. No entanto, não observamos um aumento de internações por doenças cardíacas. Baseados em outros estudos, podemos dizer que as estatísticas de hospitalização não aumentam porque os ataques cardíacos costumam ser mais graves e letais. Muitos pacientes sequer conseguem chegar vivos ao hospital”, diz Bambrick.

A especialista ressalta que alguns medicamentos comumente prescritos para pacientes coronarianos, como diuréticos, podem agravar os efeitos das ondas de calor, provocando desidratação e desbalanceando os eletrólitos. “Então, no caso dos males cardiovasculares, temos um impacto indireto muito forte, mais que uma causa primária”, diz.

Uma das pesquisas citadas por Bambrick foi publicada no jornal médico Heart e conduzida no Centro Helmhotz de Munique, na Alemanha. As estatísticas indicaram que, quando há variações extremas na temperatura, o número de mortes aumenta significativamente: 9,5% (5ºC a mais) e 7,9% (7°C a menos), principalmente entre idosos. As pesquisadoras avaliaram quase 188 mil óbitos ocorridos em três cidades alemãs entre 1990 e 2006.

Embora os mecanismos por trás dessas mortes não tenham sido completamente esclarecidos, Alexandra Schneider e Susanne Breitner afirmaram, em um comunicado, que altas temperaturas podem afetar a formação de coágulos sanguíneos, fazendo com que o líquido se torne mais viscoso, o que aumenta o risco de trombose. (PO)

COMENTÁRIOS

Os comentários são de responsabilidade exclusiva dos autores.