Ano sabático: conheça histórias de quem deu pausa na vida para se reencontrar na calma
Enfrentar uma rotina totalmente diferente, fazer novos amigos, aproveitar a pausa para buscar aperfeiçoamento profissional; experiência sabática amplia os horizontes e abre novas perspectivas
“Quando percebi, já estava pensando nas providências que deveria tomar antes, no local para onde poderia ir, nas vantagens de conhecer outra cultura a fundo, de melhorar o inglês. Diante disso, decidiu-se pelos Estados Unidos, mais especificamente Naplles, uma pequena cidade na Flórida.
Outro passo foi pensar no planejamento financeiro. “Deixei o emprego de supervisora no Colégio Magnum, da Cidade Nova. Mas não saí porque estava infeliz ali, era um emprego que eu gostava muito”, explica. Na opinião dela, apesar dos problemas que cada um enfrenta na vida, quanto melhor uma pessoa estiver com ela mesma, melhor vai enfrentar o desafio que tem pela frente quando decide encarar um período sabático. “Se você está se sentindo derrotado e deprimido, quando chegar lá não terá estrutura emocional para segurar a barra e enfrentar os desafios”, avisa. Márcia reconhece que, ao tornar pública sua decisão, muitas pessoas acharam que ela estava louca, outras morreram de inveja e mais algumas acharam que a decisão era superbacana, uma oportunidade de crescimento. “Aí eu fui!”, comemora.
“Tem uma hora na vida em que todas as pessoas deveriam se preparar para sair da zona de conforto”, acredita a psicoterapeuta Cláudia Prates, que anda pensando seriamente em aderir ao movimento dos que tiram alta da rotina como forma de cuidar melhor de si mesmos. “As pessoas pensam que o período sabático é um tempo de descanso, mas na verdade de descanso ele não tem nada. Antes, durante e depois, esse é um trabalho superárduo. Afastar-se o mais possível do mundo externo e fazer uma pausa rumo ao encontro de si próprio significa entrar num período de autogestação para o nascimento de um indivíduo com uma consciência mais clara e aberta”, observa.
“As pessoas pensam que em minha vida não há rotina, mas viver em outro país é diferente. Para começar, já havia passado temporada de um ano nos Estados Unidos, mas nunca tinha vivido o inverno como agora”, diz Marina. De acordo com ela, o que mais a atrai na atual experiência é viver uma rotina totalmente nova, além da possibilidade de fazer novos amigos e de perder as certezas. “Voltar a ser aprendiz é uma forma de uma pessoa se manter jovem. No Canadá, embora a tecnologia me permita continuar trabalhando normalmente em minha editora sediada em Belo Horizonte, posso estudar 10 horas de francês por semana. No Brasil, isso seria impossível”, assegura. Além disso, segundo ela, com a mudança, ela e o marido se aproximaram ainda mais, já que em Belo Horizonte o casal acabava engolido pela rotina. “Quando estamos fora, ao mesmo tempo em que nos fechamos em nosso mundo nossos horizontes se ampliam.”
CRESCIMENTO PESSOAL Mas, afinal de contas, o que é exatamente um período sabático? O conceito vem do judaísmo antigo, quando um em cada sete anos era reservado, por lei, ao repouso obrigatório, o que significava que a terra não podia ser cultivada, que as dívidas seriam perdoadas e até mesmo que os escravos ganhariam liberdade. No fim desse intervalo de um ano nascia um novo ciclo de vida. De lá pra cá muita coisa mudou, mas, apesar do tempo, da modernidade, dos avanços da tecnologia e da globalização, o ano sabático continua a fazer sentido para muita gente. É que, se originalmente eram voltados aos cuidados com a terra, os períodos sabáticos ganharam contornos de crescimento pessoal no mundo contemporâneo.
Hoje, uma pessoa pode fazer um ano ou apenas alguns meses sabáticos, bancados pela empresa ou pela universidade, mas o mais comum é que ela mesma se dê esse presente. O que vale é a intenção de pôr um pé fora do círculo vicioso da vida e sair do piloto automático para cultivar a capacidade de renovação. Para Lizete Araújo, diretora-executiva da Veli Recursos Humanos, no mundo corporativo, a decisão pelo período sabático realmente parte mais das próprias pessoas do que das organizações. “O que leva uma pessoa a buscar por esse repouso é o cansaço diante de uma determinada atividade, mas muita gente usa esse tempo para se aperfeiçoar e voltar mais competitivo. Considero que esse é um momento de repensar a vida”, raciocina.
Marina Acúrcio já sente os benefícios dos novos ares com a mudança na rotina. Ela compara o seu dia a dia em Montreal com uma das experiências da boneca Emília, personagem do Sítio do picapau amarelo, de Monteiro Lobato. “Entro no escritório de nossa casa em Montreal, fecho a porta, ligo o computador e o skype e, pronto, estou em contato com meus clientes. É como se num passe de mágica estivesse de novo no Brasil”, sustenta. Quando o trabalho termina, ela sai do escritório, fecha a porta e, cercada pelo rigoroso frio do inverno no hemisfério norte, sente-se novamente de volta ao Canadá.
Para a editora, depois de um período sabático como o que vive agora, será praticamente impossível cair na rotina que abandonou ao sair temporariamente do seu país. “Estamos fazendo novas amizades e essas pessoas passam a fazer parte das nossas vidas. Tenho um casal de amigos canadenses que já pensam em passar o carnaval no Brasil em 2016. Além disso, vivendo num país estrangeiro você se torna uma pessoa mais aberta e menos exigente”, observa. Ela comemora o fato de viver essa experiência sem a necessidade de grandes sacrifícios e sem o temor de voltar e não conseguir inserção no mercado. “É um momento de muita tranquilidade e isso é muito saudável.”
Como tem quatro filhas, uma do primeiro casamento e três do segundo, Wagner viu no período sabático uma ótima oportunidade de aproximar as irmãs. Se em Belo Horizonte eles viviam numa casa mais do que espaçosa, abertos a novas experiências, no Canadá, alugaram um apartamento de dois quartos para onde foram ele, a mulher e duas filhas de casamentos diferentes. As outras duas estavam estudando e trabalhando nos Estados Unidos e no Peru. “Tivemos a oportunidade de conviver bastante debaixo de um mesmo teto e isso foi muito bom para todos”, afirma. Na época, para tornar possível o sonho do semestre sabático, Wagner pediu licença da superintendência geral da Santa Casa de Belo Horizonte, cargo que ocupava havia quatro anos.
Mas a decisão passou ao largo de crises profissionais ou pessoais. “O desejo era mostrar à minha família como era a vida fora do país”, explica. “Todos nós nos matriculamos em cursos de inglês. Isso ocupava boa parte do dia porque todos tinham um nível diferente de inglês e ninguém ficou na mesma sala. No restante do dia a gente cuidava da vida de acordo com os interesses de cada um. Fazíamos caminhadas diárias, íamos ao cinema, conhecíamos pessoas e fazíamos amigos”, lembra. De acordo com ele, a temporada não acarretou nenhuma transformação em sua vida profissional, mas para a convivência familiar teve uma importância “enorme”.
RENASCER Para a psicoterapeuta Cláudia Prates, o indivíduo original que vive dentro de cada pessoa acaba soterrado pela educação, conceitos, preconceitos e expectativas que envolvem a vida. De acordo com ela, até os 40 anos, todos agem e reagem de acordo com as vivências adquiridas até os 7. Daí para a frente, a natureza original reaparece e não há educação que segure a natureza de um indivíduo. Nesse sentido, o ano sabático funcionaria como uma pausa que permite que o “eu genuíno” possa irromper da casca. “Mas o desejo de parar exige coragem e preparo, não dá para promover uma freada brusca”, alerta. De acordo com ela, é preciso programar um período sabático como se faz com uma gravidez, escolhendo data, local e fazendo uma provisão de dinheiro para que a vida possa continuar com um funcionamento básico que permita viver a experiência com sossego. “A gente tem que se separar da rotina e desejar muito porque não é fácil procurar por si mesmo sem saber o que você vai encontrar. Depois que você encontra, dificilmente consegue voltar para o mesmo lugar”, observa.
A oportunidade de fazer algo pela primeira vez na vida também é uma das forças que move as pessoas que mergulham na experiência. No caso da editora e consultora educacional Marina Acúrcio, a possibilidade de viver uma experiência totalmente nova foi um dos combustíveis para que ela deixasse sua editora no Brasil para acompanhar o marido, que passa uma temporada dando aulas como professor convidado da McGill University. “Estou aprendendo mais uma língua a partir do beabá, começando a juntar as palavras”, comemora. A pedagoga Márcia Olandim pensa de modo parecido. Em sua experiência nos Estados Unidos, trabalhou como editora de uma revista, visitou escolas e pensa em adaptar o que viu em sua profissão. “Antes de voltar, mandei meu currículo para algumas escolas para conseguir um emprego aqui. Nele, contei que estava encerrando um ano sabático e contei minhas experiências”, diz. De acordo com ela, essa foi uma das coisas que chamou a atenção da diretora da escola infantil Trilha da Criança, onde foi contratada como coordenadora.
OUTRO LADO Para o psiquiatra José Lorenzato de Mendonça, o ideal é que o ano sabático fosse diluído na vida de um indivíduo. Para ele, não adianta fazer um ano sabático se a pessoa vive numa superfície contaminada, num ritmo doentio. “Se um carro está vazando óleo na estrada, não adianta parar duas horas num posto. É preciso procurar um mecânico na cidade mais próxima para resolver o problema”, compara. De acordo com ele, o cérebro trabalha como qualquer outra víscera do corpo humano. “Se o motor não funciona adequadamente vai fundir cedo. O mais inteligente é seguir rigorosamente as instruções do fabricante. Um pequeno refrigério não adianta muito”, constata.