Exercícios físicos podem ajudar a conter o crescimento de tumores
Descoberta recente indica que a prática leva as células doentes a absorverem mais quimioterápicos
Correio Braziliense
Publicação:08/04/2015 11:00Atualização: 08/04/2015 10:10
A última pesquisa mais expressiva sobre o tema voltou as atenções dos médicos para estimular pacientes oncológicos a se exercitarem mesmo durante o tratamento. Uma equipe do Centro Médico da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, descobriu que a atividade física afeta o crescimento tumoral e a resposta dele à ação dos quimioterápicos. Os testes foram feitos em camundongos, e os resultados publicados na edição de março do Journal of the National Cancer Institute.
De acordo com o trabalho liderado por Allison Betof, do Instituto Duke de Câncer, o crescimento anormal de vasos sanguíneos nos tumores sólidos cria áreas de hipoxia, que tornam os cancros mais agressivos e resistentes às terapias. As últimas duas características são amenizadas quando se pratica exercícios físicos. Já é conhecido que a atividade promove o crescimento de vasos sanguíneos e melhora a perfusão de tecidos normais (capacidade de o sangue fluir por meio dos capilares). A grande novidade é que o efeito atinge os tumores sólidos. No entanto, em vez de torná-los mais fortes, como ocorre com as células, os transforma em uma “esponja” para os quimioterápicos.
Para chegar a esses resultados, os cientistas implantaram células de câncer de mama em camundongos e, aleatoriamente, os dividiram em grupos de animais sedentários e os que corriam em uma rodinha. Ao longo do tempo, foram avaliados o crescimento tumoral, a densidade dos vasos sanguíneos, a maturidade e a perfusão, além da medida de hipoxia tumoral e da resposta a um agente quimioterapêutico.
A análise dos dados mostrou que, após 18 dias, as cobaias que se exercitaram tiveram um crescimento mais lento do tumor e maior densidade de vasos sanguíneos, maturidade e perfusão. As regiões de hipoxia chegaram a 48,8% de área do câncer nos sedentários, mas apenas 25,5% nos ratinhos “atletas”. Segundo Betof, quando o exercício foi combinado com a ciclofosfamida — um remédio usado no tratamento do câncer que atua impedindo a multiplicação e a ação das células malignas —, o crescimento do tumor foi mais lento do que em cobaias sedentárias, assim como naquelas que somente se exercitaram ou só tomaram a medicação.
No entanto, os autores advertem que é necessário mais trabalho para determinar os efeitos das atividades físicas sobre cânceres de crescimento lento e em combinação com medicamentos ou tratamentos que visam o crescimento de vasos sanguíneos do tumor. “Nossas descobertas lançam novos insights sobre o papel potencial anticancerígeno do exercício, como terapia adjuvante ou uma estratégia terapêutica combinada em doentes com tumores sólidos”, reforça.
Biologia desconhecida
Na opinião de Paulo Roberto de Alcantara Filho, mastologista do A.C.Camargo, a ideia que traz o maior diferencial para a pesquisa trata justamente da biologia tumoral, ainda pouco compreendida. “Por que alguns tratamentos acabam não tendo tanta eficácia em determinados tipos de tumor? Há suspeitas de que é um componente biológico da doença mesmo”, especula.
O especialistas explica que, para se formar, o cancro precisa que um processo de vascularização seja criado muito rapidamente. Essa criação dos vasos tem mecanismos biológicos especiais que promovem a chegada do sangue, visando a alimentação das células cancerígenas. “Essa biologia do tumor faz com que os vasos sejam frágeis, uma vez que crescem muito rápido e não são tão cuidadosamente formados. Com isso, não levam sangue para dentro do tumor de forma tão adequada”, detalha.
Da mesma maneira que existe dificuldade de chegar sangue ao tumor, há dificuldade em chegar um medicamento. Assim, uma quimioterapia circulante no sangue ministrada para coibir ao tumor não alcança o seu alvo. Alcantara Filho conta que a suspeita principal dos pesquisadores é de que o exercício físico faz com que os vasos tenham uma maior captação de oxigênio, o que não acontece somente para a célula saudável, mas também para a comprometida pelo câncer.
A vascularização, que é ruim dentro do tumor, fica melhor quando associada à atividade. “Se ele (o paciente) faz exercício, maior a vascularização do tumor. Com isso, a droga chega a níveis maiores dentro da lesão, fazendo com que haja um melhor resultado do tratamento”, conclui.
O mastologista ressalta que uma parte do resultado da pesquisa norte-americana era esperada. Outros estudos indicaram que a célula tumoral, assim como a normal, tem uma vascularização melhor quando há atividade física, devido a diversos mecanismos fisiológicos, até mesmo a vasodilatação e a chegada de mais nutrientes.
“O que não se esperava era perceber que chegaria mais quimioterápico às células. Já entendemos os mecanismos que levaram à formação de vasos mais capazes, paredes mais fortes, mas não tem uma explicação para a melhor absorção do tratamento. Por isso, é um estudo inicial, uma hipótese, um caminho para que façam estudos ainda mais aprofundados”, pondera.
Redução do cansaço
“Para pacientes com câncer, o exercício ajuda sobretudo a evitar a fadiga e o cansaço crônico, condições que surgem durante o tratamento e mesmo depois de alguns anos da terapia. Estudos mostram que quem tem ou já teve câncer permanece em um estado inflamatório crônico, como se fosse um estado pró-inflamatório. A pessoa produz muita interleucina, proteína que provoca a sensação de cansaço e fadiga. O exercício diminui o potencial inflamatório e aumenta o bem-estar. Parece um paradoxo: como fazer uma atividade se você já está cansado? O cansaço é uma consequência do estado pró-inflamatório e uma forma de tratar isso é por meio da atividade física. O paciente geralmente também têm vida menos ativa. Se conseguir fazer um exercício, especialmente o aeróbico, isso tende a melhorar.”
Felipe Cruz, oncologista e coordenador do Centro de Pesquisa Clínica do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer
A favor dos pulmões
A síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) é uma doença pulmonar potencialmente fatal e que tem uma taxa de mortalidade maior do que o câncer de mama e próstata juntos. E, assim como o mal que aflige majoritariamente as mulheres, pode obter grandes progressos no tratamento se o exercício físico fizer parte da terapia. A SDRA acomete com maior frequência pessoas que estão gravemente doentes ou que tenham lesões significativas. Os pacientes que conseguem sobreviver a ela, muitas vezes, experimentam profunda fraqueza muscular esquelética.
Pesquisadores do Centro Médico Wake Forest Baptist, nos Estados Unidos, fizeram uma descoberta que pode explicar como o exercício ajuda a reduzir a inflamação pulmonar e a perda de massa muscular em camundongos e pacientes com o problema. Apesar dos benefícios conhecidos, a mobilidade precoce em pacientes em cuidados intensivos continua limitada a centros especializados e ensaios clínicos. Uma melhor compreensão de como ela funciona poderia ajudar a desenvolver terapias para acelerar a recuperação e reduzir a incapacidade em pacientes com lesão pulmonar grave e outras doenças críticas.
Com esse objetivo, o pesquisador principal, Clark Files, e equipe reabilitaram camundongos com lesão pulmonar aguda por meio de repetidas crises de atividade física moderada. Eles perceberam que o exercício preservou a função muscular do membro, abaixou os níveis de MuRF1, uma proteína que provoca perda de massa muscular, e também reduziu a inflamação nos pulmões ao conter o influxo de células brancas inflamatórias do sangue nos alvéolos.
Os testes de sangue indicaram que níveis de uma proteína de sinalização (G-CSF) conhecida por ativar as células brancas do sangue foram mais baixos nos ratos exercitados. Sabendo-se que a G-CSF tem sido associada à pior sobrevida em pessoas com insuficiência respiratória aguda, os pesquisadores também analisaram um estudo clínico de 93 pacientes sob cuidados intensivos. Níveis de G-CSF no sangue caíram naqueles que se exercitavam. Com esses resultados, Files acredita que a prática mais ampla da terapia de exercícios pode oferecer potenciais alvos moleculares para tratar a inflamação pulmonar e a perda de massa muscular em pacientes graves.
Falta de ar
Trata-se de um estado de baixo teor de oxigênio nos tecidos orgânicos cuja ocorrência é atribuída a diversos fatores. Pode ser causada por uma alteração em qualquer mecanismo de transporte de oxigênio, como a obstrução física do fluxo sanguíneo, a anemia ou o deslocamento para áreas com concentrações baixas desse elemento químico no ar. As células cerebrais são extremamente sensíveis à privação de oxigênio. Algumas começam a morrer com menos de cinco minutos de suprimento. Por isso, a hipoxia cerebral pode rapidamente causar a morte ou graves danos.
Saiba mais...
Não só para manter as medidas e o preparo físico servem os exercícios. Pesquisas em diversas áreas da medicina têm comprovado benefícios inesperados a quem encontra tempo e disposição para ao menos uma leve caminhada. É o caso do combate ao câncer. Há experimentos mostrando, por exemplo, que a oxigenação e a vascularização promovidas pela atividade física ampliam a ação de quimioterápicos. Outros detectam melhoras significativas, mas ainda sem explicação molecular capaz de identificar as causas certeiras pelas quais livrar-se do sedentarismo é bom contra a doença.A última pesquisa mais expressiva sobre o tema voltou as atenções dos médicos para estimular pacientes oncológicos a se exercitarem mesmo durante o tratamento. Uma equipe do Centro Médico da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, descobriu que a atividade física afeta o crescimento tumoral e a resposta dele à ação dos quimioterápicos. Os testes foram feitos em camundongos, e os resultados publicados na edição de março do Journal of the National Cancer Institute.
Livrar-se do sedentarismo ajuda na luta contra o câncer
Para chegar a esses resultados, os cientistas implantaram células de câncer de mama em camundongos e, aleatoriamente, os dividiram em grupos de animais sedentários e os que corriam em uma rodinha. Ao longo do tempo, foram avaliados o crescimento tumoral, a densidade dos vasos sanguíneos, a maturidade e a perfusão, além da medida de hipoxia tumoral e da resposta a um agente quimioterapêutico.
A análise dos dados mostrou que, após 18 dias, as cobaias que se exercitaram tiveram um crescimento mais lento do tumor e maior densidade de vasos sanguíneos, maturidade e perfusão. As regiões de hipoxia chegaram a 48,8% de área do câncer nos sedentários, mas apenas 25,5% nos ratinhos “atletas”. Segundo Betof, quando o exercício foi combinado com a ciclofosfamida — um remédio usado no tratamento do câncer que atua impedindo a multiplicação e a ação das células malignas —, o crescimento do tumor foi mais lento do que em cobaias sedentárias, assim como naquelas que somente se exercitaram ou só tomaram a medicação.
No entanto, os autores advertem que é necessário mais trabalho para determinar os efeitos das atividades físicas sobre cânceres de crescimento lento e em combinação com medicamentos ou tratamentos que visam o crescimento de vasos sanguíneos do tumor. “Nossas descobertas lançam novos insights sobre o papel potencial anticancerígeno do exercício, como terapia adjuvante ou uma estratégia terapêutica combinada em doentes com tumores sólidos”, reforça.
Biologia desconhecida
Na opinião de Paulo Roberto de Alcantara Filho, mastologista do A.C.Camargo, a ideia que traz o maior diferencial para a pesquisa trata justamente da biologia tumoral, ainda pouco compreendida. “Por que alguns tratamentos acabam não tendo tanta eficácia em determinados tipos de tumor? Há suspeitas de que é um componente biológico da doença mesmo”, especula.
O especialistas explica que, para se formar, o cancro precisa que um processo de vascularização seja criado muito rapidamente. Essa criação dos vasos tem mecanismos biológicos especiais que promovem a chegada do sangue, visando a alimentação das células cancerígenas. “Essa biologia do tumor faz com que os vasos sejam frágeis, uma vez que crescem muito rápido e não são tão cuidadosamente formados. Com isso, não levam sangue para dentro do tumor de forma tão adequada”, detalha.
Da mesma maneira que existe dificuldade de chegar sangue ao tumor, há dificuldade em chegar um medicamento. Assim, uma quimioterapia circulante no sangue ministrada para coibir ao tumor não alcança o seu alvo. Alcantara Filho conta que a suspeita principal dos pesquisadores é de que o exercício físico faz com que os vasos tenham uma maior captação de oxigênio, o que não acontece somente para a célula saudável, mas também para a comprometida pelo câncer.
A vascularização, que é ruim dentro do tumor, fica melhor quando associada à atividade. “Se ele (o paciente) faz exercício, maior a vascularização do tumor. Com isso, a droga chega a níveis maiores dentro da lesão, fazendo com que haja um melhor resultado do tratamento”, conclui.
O mastologista ressalta que uma parte do resultado da pesquisa norte-americana era esperada. Outros estudos indicaram que a célula tumoral, assim como a normal, tem uma vascularização melhor quando há atividade física, devido a diversos mecanismos fisiológicos, até mesmo a vasodilatação e a chegada de mais nutrientes.
“O que não se esperava era perceber que chegaria mais quimioterápico às células. Já entendemos os mecanismos que levaram à formação de vasos mais capazes, paredes mais fortes, mas não tem uma explicação para a melhor absorção do tratamento. Por isso, é um estudo inicial, uma hipótese, um caminho para que façam estudos ainda mais aprofundados”, pondera.
Redução do cansaço
“Para pacientes com câncer, o exercício ajuda sobretudo a evitar a fadiga e o cansaço crônico, condições que surgem durante o tratamento e mesmo depois de alguns anos da terapia. Estudos mostram que quem tem ou já teve câncer permanece em um estado inflamatório crônico, como se fosse um estado pró-inflamatório. A pessoa produz muita interleucina, proteína que provoca a sensação de cansaço e fadiga. O exercício diminui o potencial inflamatório e aumenta o bem-estar. Parece um paradoxo: como fazer uma atividade se você já está cansado? O cansaço é uma consequência do estado pró-inflamatório e uma forma de tratar isso é por meio da atividade física. O paciente geralmente também têm vida menos ativa. Se conseguir fazer um exercício, especialmente o aeróbico, isso tende a melhorar.”
Felipe Cruz, oncologista e coordenador do Centro de Pesquisa Clínica do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer
A favor dos pulmões
A síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) é uma doença pulmonar potencialmente fatal e que tem uma taxa de mortalidade maior do que o câncer de mama e próstata juntos. E, assim como o mal que aflige majoritariamente as mulheres, pode obter grandes progressos no tratamento se o exercício físico fizer parte da terapia. A SDRA acomete com maior frequência pessoas que estão gravemente doentes ou que tenham lesões significativas. Os pacientes que conseguem sobreviver a ela, muitas vezes, experimentam profunda fraqueza muscular esquelética.
Pesquisadores do Centro Médico Wake Forest Baptist, nos Estados Unidos, fizeram uma descoberta que pode explicar como o exercício ajuda a reduzir a inflamação pulmonar e a perda de massa muscular em camundongos e pacientes com o problema. Apesar dos benefícios conhecidos, a mobilidade precoce em pacientes em cuidados intensivos continua limitada a centros especializados e ensaios clínicos. Uma melhor compreensão de como ela funciona poderia ajudar a desenvolver terapias para acelerar a recuperação e reduzir a incapacidade em pacientes com lesão pulmonar grave e outras doenças críticas.
Com esse objetivo, o pesquisador principal, Clark Files, e equipe reabilitaram camundongos com lesão pulmonar aguda por meio de repetidas crises de atividade física moderada. Eles perceberam que o exercício preservou a função muscular do membro, abaixou os níveis de MuRF1, uma proteína que provoca perda de massa muscular, e também reduziu a inflamação nos pulmões ao conter o influxo de células brancas inflamatórias do sangue nos alvéolos.
Os testes de sangue indicaram que níveis de uma proteína de sinalização (G-CSF) conhecida por ativar as células brancas do sangue foram mais baixos nos ratos exercitados. Sabendo-se que a G-CSF tem sido associada à pior sobrevida em pessoas com insuficiência respiratória aguda, os pesquisadores também analisaram um estudo clínico de 93 pacientes sob cuidados intensivos. Níveis de G-CSF no sangue caíram naqueles que se exercitavam. Com esses resultados, Files acredita que a prática mais ampla da terapia de exercícios pode oferecer potenciais alvos moleculares para tratar a inflamação pulmonar e a perda de massa muscular em pacientes graves.
Falta de ar
Trata-se de um estado de baixo teor de oxigênio nos tecidos orgânicos cuja ocorrência é atribuída a diversos fatores. Pode ser causada por uma alteração em qualquer mecanismo de transporte de oxigênio, como a obstrução física do fluxo sanguíneo, a anemia ou o deslocamento para áreas com concentrações baixas desse elemento químico no ar. As células cerebrais são extremamente sensíveis à privação de oxigênio. Algumas começam a morrer com menos de cinco minutos de suprimento. Por isso, a hipoxia cerebral pode rapidamente causar a morte ou graves danos.