Reforçada falta de vínculo entre vacinação e autismo
Após avaliarem dados de 95 mil crianças, cientistas concluíram que a vacina tríplice não aumenta os riscos de desenvolvimento do transtorno. Tese já havia sido refutada em outros estudos, mas muitos pais ainda temem imunizar os filhos
Paloma Oliveto - Correio Brazilienze
Publicação:23/04/2015 09:00Atualização: 22/04/2015 09:31
Um repórter do BMJ foi atrás da história e constatou que a pesquisa do britânico não passava de uma invenção grosseira. Três crianças da amostra sequer tinham autismo e cinco já haviam sido diagnosticadas com a síndrome antes de serem vacinadas. Descobriu-se que as famílias participantes do estudo haviam sido recrutadas entre ativistas anti-imunização e a ideia era utilizar o pseudo trabalho científico para tentar indenizações milionárias na Justiça.
Agora, mais um trabalho evidencia que não há qualquer relação entre autismo e vacina tríplice. Publicado na Revista da Associação Médica Americana (Jama), o estudo conduzido pela empresa de consultoria em saúde Lewan Group a pedido dos Institutos de Saúde Mental dos EUA avaliou dados de 95 mil crianças com irmãos mais velhos. O fato de terem sido vacinadas não aumentou o risco para distúrbio do espectro autista, independentemente de esses meninos e essas meninas terem irmãos com o problema, um conhecido fator de risco. Mesmo entre aqueles com potencial elevado de desenvolver o autismo — filhos de pais mais velhos, crianças com peso extremamente baixo ao nascer, prematuros e pessoas com mutações genéticas —, a vacina não aumentou essas chances.
“Apesar de um corpo substancial de pesquisas ao longo dos últimos 15 anos não ter encontrado ligação entre a vacina tríplice e o autismo, pais e outras pessoas continuam a associá-la ao transtorno do espectro autista. Pesquisas com quem tem filhos com autismo sugerem que muitos acreditam que a vacina foi um fator que contribuiu”, observa a pediatra Anjali Jain, pesquisadora do Lewin Group. “Essa crença, combinada com o conhecimento de que irmãos mais novos de crianças com autismo já têm um risco genético maior comparado à população em geral, pode estimular esses pais a evitar vacinar os caçulas”, alerta.
Movimento organizado
Quando as constatações sobre a fraude do artigo de 1998 vieram à tona, já era tarde. O infeliz estudo foi a munição que faltava aos grupos antivacina, formados principalmente por leigos que, nos Estados Unidos, evocam o direito de os pais optarem por imunizar seus filhos. Sem nenhum respaldo da ciência, essas pessoas alegam que o procedimento faz mal à saúde e espalham, principalmente pela internet, teorias conspiratórias, arregimentando famílias que, assustadas, decidem não proteger as crianças, achando que estão escolhendo o melhor para elas.
O resultado desse movimento está nas estatísticas do CDC, órgão de vigilância sanitária dos EUA. O país havia eliminado o sarampo em 2000, registrando menos de 100 casos por ano desde então. Mas, no ano passado, foram 644 ocorrências em 27 estados, o pior cenário em 20 anos. Tudo indica que, em 2015, a situação será mais grave. De 1º de janeiro a 17 de abril, 162 pessoas de 19 estados e do distrito de Columbia tiveram a doença em quatro surtos, sendo o pior deles na Califórnia. Cento e dezessete crianças foram infectadas no parque da Disneylândia.
Embora as leis californianas exijam que alunos de escolas públicas sejam imunizados, os pais e responsáveis têm o direito de alegar causas pessoais ou “filosóficas” para não fazê-lo. Apenas no Mississipi e em West Virginia esse argumento não é aceito. No Colorado, o percentual de famílias que se recusam a vacinar as crianças por motivos pessoais ou filosóficos é de 18%, o mais alto nos EUA.
Ainda que não sejam maioria, os adeptos do movimento anti-imunizações acabam provocando surtos porque seus filhos não vacinados passam a doença para crianças que, devido à idade, não receberam todas as doses ou, com a imunidade baixa, ficam mais suscetíveis a se infectar. Para tentar conter os surtos, as escolas estão mandando para casa as crianças que não receberam vacina. Mas essa medida não elimina totalmente os riscos. O sarampo é transmitido pelo ar. Portanto, na rua, na igreja ou no shopping, por exemplo, é impossível saber quem foi e quem não foi vacinado.
Às vezes, uma única criança espalha a doença para várias. Foi o que aconteceu em San Diego em 2008. Um garoto não vacinado de 7 anos pegou sarampo em uma viagem para a Suíça e, na volta, infectou 11 crianças que não haviam sido imunizadas. No fim, 839 pessoas ficaram expostas ao vírus e um bebê chegou a ser internado entre a vida e a morte.
No Brasil, desde 2000, não há casos autóctones de sarampo. Contudo, o surto da doença no Ceará, que já dura 15 meses, com 796 casos confirmados até 15 de março, poderá fazer com que o país volte a considerar o vírus como circulante. Aqui, o movimento antivacina não é organizado e, embora alguns pais se recusem a imunizar as crianças — em fóruns de discussão na internet, há muitas mensagens sobre isso —, são casos isolados. Ainda assim, em 2011, quando o estado de São Paulo registrou 26 casos da doença, verificou-se que 60% das crianças que pegaram sarampo não haviam sido vacinadas por opção dos pais.
Impactos sociais
Para pesquisa detalhada na Revista da Associação Médica Americana ( Jama), os pesquisadores utilizaram dados de 95.727 crianças cujas famílias estavam ligadas a um plano de saúde. Dessas, 2% tinham irmãos mais velhos diagnosticados com transtorno do espectro autista. Ao longo do período examinado — de 2001 a 2012 —, 1,04% dos meninos e das meninas do estudo também recebeu o diagnóstico, sendo que, entre aqueles com irmãos que tinham o problema, esse índice foi 6,9%, comparado a 0,9% dos demais. A taxa de vacinação (uma ou mais doses) tríplice das crianças sem casos de autismo na família foi de 84% em dois anos e 92% em cinco anos. Já entre aquelas com irmãos que tinham o transtorno, os percentuais foram, respectivamente, 73% e 86%.
“A prevalência de transtorno de espectro autista entre todas as crianças do estudo foi de 1,04%, o que está até um pouco abaixo da média estimada na população americana em geral, de 1,5%. Além disso, nos casos das crianças que tinham irmãos com autismo, o risco também foi consistente com as estimativas, que variam de 6,4% e 24,7%”, diz Anjali Jain, pediatra e pesquisadora do Lewin Group, consultoria que realizou o levantamento. “Esses dados deixam bastante claro: não existe nenhuma associação entre a vacina e o risco aumentado de transtorno do espectro autista. Nós esperamos que as famílias se sensibilizem com isso e percebam que o único risco em jogo aqui é que seus filhos sejam contaminados e transmitam essa doença grave e muitas vezes letal a outras crianças”, observa.
Para Blake Dawson, pesquisador da Universidade de Queensland, na Austrália, já há evidências suficientes para refutar o artigo fraudulento de 1998, mas, aparentemente, isso não tem sido suficiente para convencer os pais da necessidade de imunizar suas crianças. Ele conta que, em 2012, um caso de sarampo importado da Tailândia causou um surto com 168 casos. “Noventa e cinco crianças não tinham sido vacinadas apropriadamente e as outras 32 não haviam recebido vacina nenhuma porque seus pais se recusaram”, diz.
“Recusar-se a vacinar é uma questão muito grave. Deixa um enorme grupo de crianças sob um risco desnecessário de contrair sarampo e suas complicações associadas, como pneumonia, otite, encefalia e morte. Os profissionais de saúde precisam se comunicar melhor com os pais, oferecendo esclarecimentos quando eles se mostrem hesitantes quanto à vacinação. Educar é fundamental”, defende Dawson. Em um editorial publicado na Jama, Bryan H. King, da Universidade de Washington e do Hospital Pediátrico de Seattle, ressalta que a “única conclusão que se pode tirar desse estudo é que não há qualquer sinal que sugira uma relação entre a vacina tríplice e o desenvolvimento de autismo em crianças com ou sem um irmão com o transtorno”.
Vacina tríplice: proteção contra sarampo, caxumba e rubéola comprometida por estudo fraudulento
Saiba mais...
Em 1998, um médico britânico publicou na renomada revista especializada Lancet um artigo afirmando que havia encontrado relação entre a vacina tríplice — sarampo, caxumba e rubéola — e o desenvolvimento de autismo. A grave afirmação baseava-se em um estudo que ele conduziu com apenas 12 crianças, um número ínfimo, muito diferente das amostragens de pesquisas sobre imunização que incluem centenas, senão milhares, de participantes. Não demorou para que a comunidade médica se lançasse contra o trabalho, classificado pela respeitável revista The British Medical Journal (BMJ) como fraudulento. Dois anos depois, a Lancet se retratou, admitindo que o artigo não tinha validade científica. A leviandade do médico lhe rendeu não só a execração no meio — no fim, ele perdeu a licença.- Estudo investiga melhora de pacientes com autismo após uso de antibiótico
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Um repórter do BMJ foi atrás da história e constatou que a pesquisa do britânico não passava de uma invenção grosseira. Três crianças da amostra sequer tinham autismo e cinco já haviam sido diagnosticadas com a síndrome antes de serem vacinadas. Descobriu-se que as famílias participantes do estudo haviam sido recrutadas entre ativistas anti-imunização e a ideia era utilizar o pseudo trabalho científico para tentar indenizações milionárias na Justiça.
Agora, mais um trabalho evidencia que não há qualquer relação entre autismo e vacina tríplice. Publicado na Revista da Associação Médica Americana (Jama), o estudo conduzido pela empresa de consultoria em saúde Lewan Group a pedido dos Institutos de Saúde Mental dos EUA avaliou dados de 95 mil crianças com irmãos mais velhos. O fato de terem sido vacinadas não aumentou o risco para distúrbio do espectro autista, independentemente de esses meninos e essas meninas terem irmãos com o problema, um conhecido fator de risco. Mesmo entre aqueles com potencial elevado de desenvolver o autismo — filhos de pais mais velhos, crianças com peso extremamente baixo ao nascer, prematuros e pessoas com mutações genéticas —, a vacina não aumentou essas chances.
“Apesar de um corpo substancial de pesquisas ao longo dos últimos 15 anos não ter encontrado ligação entre a vacina tríplice e o autismo, pais e outras pessoas continuam a associá-la ao transtorno do espectro autista. Pesquisas com quem tem filhos com autismo sugerem que muitos acreditam que a vacina foi um fator que contribuiu”, observa a pediatra Anjali Jain, pesquisadora do Lewin Group. “Essa crença, combinada com o conhecimento de que irmãos mais novos de crianças com autismo já têm um risco genético maior comparado à população em geral, pode estimular esses pais a evitar vacinar os caçulas”, alerta.
Movimento organizado
Quando as constatações sobre a fraude do artigo de 1998 vieram à tona, já era tarde. O infeliz estudo foi a munição que faltava aos grupos antivacina, formados principalmente por leigos que, nos Estados Unidos, evocam o direito de os pais optarem por imunizar seus filhos. Sem nenhum respaldo da ciência, essas pessoas alegam que o procedimento faz mal à saúde e espalham, principalmente pela internet, teorias conspiratórias, arregimentando famílias que, assustadas, decidem não proteger as crianças, achando que estão escolhendo o melhor para elas.
O resultado desse movimento está nas estatísticas do CDC, órgão de vigilância sanitária dos EUA. O país havia eliminado o sarampo em 2000, registrando menos de 100 casos por ano desde então. Mas, no ano passado, foram 644 ocorrências em 27 estados, o pior cenário em 20 anos. Tudo indica que, em 2015, a situação será mais grave. De 1º de janeiro a 17 de abril, 162 pessoas de 19 estados e do distrito de Columbia tiveram a doença em quatro surtos, sendo o pior deles na Califórnia. Cento e dezessete crianças foram infectadas no parque da Disneylândia.
Embora as leis californianas exijam que alunos de escolas públicas sejam imunizados, os pais e responsáveis têm o direito de alegar causas pessoais ou “filosóficas” para não fazê-lo. Apenas no Mississipi e em West Virginia esse argumento não é aceito. No Colorado, o percentual de famílias que se recusam a vacinar as crianças por motivos pessoais ou filosóficos é de 18%, o mais alto nos EUA.
Ainda que não sejam maioria, os adeptos do movimento anti-imunizações acabam provocando surtos porque seus filhos não vacinados passam a doença para crianças que, devido à idade, não receberam todas as doses ou, com a imunidade baixa, ficam mais suscetíveis a se infectar. Para tentar conter os surtos, as escolas estão mandando para casa as crianças que não receberam vacina. Mas essa medida não elimina totalmente os riscos. O sarampo é transmitido pelo ar. Portanto, na rua, na igreja ou no shopping, por exemplo, é impossível saber quem foi e quem não foi vacinado.
Às vezes, uma única criança espalha a doença para várias. Foi o que aconteceu em San Diego em 2008. Um garoto não vacinado de 7 anos pegou sarampo em uma viagem para a Suíça e, na volta, infectou 11 crianças que não haviam sido imunizadas. No fim, 839 pessoas ficaram expostas ao vírus e um bebê chegou a ser internado entre a vida e a morte.
No Brasil, desde 2000, não há casos autóctones de sarampo. Contudo, o surto da doença no Ceará, que já dura 15 meses, com 796 casos confirmados até 15 de março, poderá fazer com que o país volte a considerar o vírus como circulante. Aqui, o movimento antivacina não é organizado e, embora alguns pais se recusem a imunizar as crianças — em fóruns de discussão na internet, há muitas mensagens sobre isso —, são casos isolados. Ainda assim, em 2011, quando o estado de São Paulo registrou 26 casos da doença, verificou-se que 60% das crianças que pegaram sarampo não haviam sido vacinadas por opção dos pais.
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Impactos sociais
Para pesquisa detalhada na Revista da Associação Médica Americana ( Jama), os pesquisadores utilizaram dados de 95.727 crianças cujas famílias estavam ligadas a um plano de saúde. Dessas, 2% tinham irmãos mais velhos diagnosticados com transtorno do espectro autista. Ao longo do período examinado — de 2001 a 2012 —, 1,04% dos meninos e das meninas do estudo também recebeu o diagnóstico, sendo que, entre aqueles com irmãos que tinham o problema, esse índice foi 6,9%, comparado a 0,9% dos demais. A taxa de vacinação (uma ou mais doses) tríplice das crianças sem casos de autismo na família foi de 84% em dois anos e 92% em cinco anos. Já entre aquelas com irmãos que tinham o transtorno, os percentuais foram, respectivamente, 73% e 86%.
“A prevalência de transtorno de espectro autista entre todas as crianças do estudo foi de 1,04%, o que está até um pouco abaixo da média estimada na população americana em geral, de 1,5%. Além disso, nos casos das crianças que tinham irmãos com autismo, o risco também foi consistente com as estimativas, que variam de 6,4% e 24,7%”, diz Anjali Jain, pediatra e pesquisadora do Lewin Group, consultoria que realizou o levantamento. “Esses dados deixam bastante claro: não existe nenhuma associação entre a vacina e o risco aumentado de transtorno do espectro autista. Nós esperamos que as famílias se sensibilizem com isso e percebam que o único risco em jogo aqui é que seus filhos sejam contaminados e transmitam essa doença grave e muitas vezes letal a outras crianças”, observa.
Para Blake Dawson, pesquisador da Universidade de Queensland, na Austrália, já há evidências suficientes para refutar o artigo fraudulento de 1998, mas, aparentemente, isso não tem sido suficiente para convencer os pais da necessidade de imunizar suas crianças. Ele conta que, em 2012, um caso de sarampo importado da Tailândia causou um surto com 168 casos. “Noventa e cinco crianças não tinham sido vacinadas apropriadamente e as outras 32 não haviam recebido vacina nenhuma porque seus pais se recusaram”, diz.
“Recusar-se a vacinar é uma questão muito grave. Deixa um enorme grupo de crianças sob um risco desnecessário de contrair sarampo e suas complicações associadas, como pneumonia, otite, encefalia e morte. Os profissionais de saúde precisam se comunicar melhor com os pais, oferecendo esclarecimentos quando eles se mostrem hesitantes quanto à vacinação. Educar é fundamental”, defende Dawson. Em um editorial publicado na Jama, Bryan H. King, da Universidade de Washington e do Hospital Pediátrico de Seattle, ressalta que a “única conclusão que se pode tirar desse estudo é que não há qualquer sinal que sugira uma relação entre a vacina tríplice e o desenvolvimento de autismo em crianças com ou sem um irmão com o transtorno”.