Mudanças nos hábitos alimentares podem reduzir sintomas do Mal de Alzheimer
Baseado nos princípios da dieta mediterrânea, um novo regime alimentar elaborado por pesquisadores do Instituto Rush para Envelhecimento Saudável, nos EUA, promete manter o cérebro longe dessa ameaça
Paloma Oliveto - Correio Brazilienze
Publicação:13/05/2015 15:00Atualização: 06/05/2015 09:08
O segredo para um cérebro lúcido pode estar no prato. Em um mundo cada vez mais assombrado pelo mal de Alzheimer, doença neurodegenerativa que afetará 115 milhões de pessoas até 2050, pesquisadores estão em busca de estratégias simplificadas para impedir o avanço desse mal ainda sem cura nem tratamento. A boa notícia é que mudanças nos hábitos alimentares podem reduzir significativamente os riscos de desenvolvimento do problema, além de trazerem outros benefícios à saúde em geral.
Baseado nos princípios da dieta mediterrânea, um novo regime alimentar elaborado por pesquisadores do Instituto Rush para Envelhecimento Saudável, nos EUA, promete manter o cérebro longe dessa ameaça. Chamado Mind (mente, em inglês), o programa diminui em até 53% os riscos da doença, segundo um artigo publicado na edição deste mês da Alzheimer's & Dementia, revista da Associação de Alzheimer americana. Para tanto, nem é preciso seguir as recomendações religiosamente, prometem os autores do estudo.
A Mind baseia-se em 15 componentes dietéticos: 10 são saudáveis e cinco devem ser cortados ou, pelo menos, reduzidos. No primeiro grupo, estão folhas verdes, vegetais, nozes, frutas vermelhas e roxas, feijões, cereais integrais, peixe, aves, azeite de oliva e vinho. Já a lista dos ingredientes mais nocivos é formada por carne vermelha; derivados do leite como manteiga, margarina e queijo; massas; doces e alimentos fritos ou de fast food. Para segui-la, deve-se ingerir ao menos três porções de cereais integrais (centeio, quinoa e milho, por exemplo), uma salada e outro vegetal à escolha todos os dias, além de uma taça de vinho tinto. Um lanche de nozes é bem-vindo diariamente; as leguminosas devem ser ingeridas dia sim, dia não (veja quadro). Já os alimentos menos saudáveis — especialmente a manteiga, o queijo e as frituras — devem ser consumidos, no máximo, uma vez por semana.
Vantagem
Martha Clare Morris esclarece que chegou a essa fórmula analisando a ingestão alimentar de 923 pessoas entre 58 e 98 anos que participaram do Projeto de Envelhecimento e Memória da Universidade de Rush. O objetivo foi identificar os elementos potencialmente protetores do cérebro. Entre 1997 e 2013, os idosos, moradores de casas de repouso de Chicago, foram acompanhados pelos pesquisadores. No fim do estudo, 144 haviam desenvolvido Alzheimer. Os hábitos alimentares de todos foram investigados e pontuados.
“Aqueles que seguiam um regime alimentar próximo da dieta mediterânea ou da Dash tinham um risco mais baixo de desenvolver Alzheimer. No primeiro caso, o perigo era 54% menor e, no segundo, 34%”, conta a epidemiologista. Alguns participantes incluíam na alimentação elementos das duas, o que caracteriza a dieta Mind. Entre eles, a redução de risco foi de 53%, com a vantagem desse regime ser mais fácil de seguir. Outra descoberta é que o cardápio saudável não precisa ser tão rigoroso. Mesmo aqueles que cometiam eventuais deslizes tinham risco 35% menor.
A pesquisadora destaca que muitos estudos têm se concentrado nos fatores genéticos por trás da doença, mas, no caso do Alzheimer de manifestação tardia, a alimentação pode desempenhar um papel ainda mais signficativo. “Para população já idosa, o que se come pode determinar quem terá a doença”, diz, lembrando que, quanto mais cedo os hábitos forem adotados, maior a probabilidade de chegar à velhice com a mente afiada.
Preparo
Se uma dieta saudável combate o Alzheimer, a forma inadequada de preparo das refeições pode aumentar o risco de surgimento da doença. Um estudo também publicado no Journal of Alzheimer's Disease mostrou que os alimentos cozidos em temperaturas muito altas provocam uma reação no organismo que contribui para a formação de depósitos da proteína beta-amiloide no cérebro. Já se sabe que o acúmulo dessa substância está associado à doença neurodegenerativa.
Os pesquisadores dos Estados Unidos e da França analisaram o conteúdo dos produtos de glicação avançada (AGEs, sigla em inglês) em dietas de vários países e compararam os valores às taxas de Alzheimer nesses lugares. Os AGEs são um grupo de compostos resultantes da combinação de açúcares e proteínas, além de outras moléculas, e já existe uma robusta literatura científica os associando ao risco de Alzheimer. Embora possam ser formados naturalmente no organismo, eles também são produzidos quando os alimentos são cozidos em temperaturas muito altas ou envelhecidos por muito tempo, caso de queijos duros.
De acordo com os autores do estudo, esses compostos elevam o risco de várias doenças crônicas por meio de mecanismos diversos, como o aumento do estresse oxidativo e dos processos inflamatórios. Eles também podem se associar ao receptor de AGEs, chamado RAGE. Essa molécula transporta as proteínas beta-amiloides pela corrente sanguínea e faz com que ultrapassem a barreira do cérebro, contribuindo para o Alzheimer.
Essa é a primeira vez que se estima o conteúdo dos AGEs nas dietas a partir de estudos observacionais em vários países e se estabelece uma ligação entre fatores dietéticos e risco de Alzheimer. Para avaliar a quantidade desses produtos nos alimentos, os cientistas usaram informações de um pesquisadores da Faculdade de Medicina Mount Sinai, de Nova York. Eles cozinharam 549 alimentos usando diferentes métodos e mediram os níveis de AGEs. A constatação foi que, quanto maior a temperatura empregada, mais altas as taxas dos compostos nocivos: 100g de carne vermelha crua têm 707kU de AGEs, mas 100g do alimento grelhado têm 6.071kU.
Carne
Em seguida, os cientistas pegaram informações dietéticas sobre a frequência de ingestão de alimentos em diversos países, fornecidas pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Assim, estimaram os métodos de cozimento e as temperaturas usadas para o preparo. Eles descobriram que, no geral, a maior fonte de AGEs é a carne, seguida de óleos vegetais, queijo e peixe. Alimentos como cereais, grãos, ovos, frutas, legumes, leite, nozes, raízes e vegetais contribuem muito pouco para o total desses compostos na dieta, tanto porque são preparados normalmente em baixas temperaturas quanto por serem consumidos em porções menores. Dados dietéticos do Brasil não foram incluídos, mas, de acordo com Jaime Uribarri, pesquisador de Mount Sinai e principal autor do estudo, os hábitos alimentares do país não diferem da dieta ocidental.
“Esse estudo se junta a nossas descobertas anteriores em animais e humanos sobre o papel dos AGEs na doença de Alzheimer”, diz Uribarri. “Descobrimos que ratos que mantêm uma dieta rica em AGEs — similar à dieta dos ocidentais — têm níveis elevados no cérebro, ao lado de depósitos beta-amiloides. Ao mesmo tempo, eles desenvolvem declínio em habilidades motoras e cognitivas. Os ratos alimentados com uma dieta com baixos AGEs continuam livres dessas condições. Além disso, estudos têm mostrado que indivíduos com níveis elevados desses produtos no sangue são mais suscetíveis a declínios cognitivos”, alerta.
De acordo com os autores, a descoberta aponta para uma direção fácil de ser seguida: consumir alimentos pobres em AGEs, como aqueles cozidos ou processados sob baixo nível de calor e na presença de mais água. “Isso nos mostra a importância de não só o que comemos, mas também de como preparamos o que comemos”, disse, em nota, Weijing Cai, coautor do estudo.
Baseado nos princípios da dieta mediterrânea, um novo regime alimentar elaborado por pesquisadores do Instituto Rush para Envelhecimento Saudável, nos EUA, promete manter o cérebro longe dessa ameaça. Chamado Mind (mente, em inglês), o programa diminui em até 53% os riscos da doença, segundo um artigo publicado na edição deste mês da Alzheimer's & Dementia, revista da Associação de Alzheimer americana. Para tanto, nem é preciso seguir as recomendações religiosamente, prometem os autores do estudo.
Saiba mais...
A dieta não surgiu da noite para o dia, mas se baseia em informações científicas produzidas ao longo das últimas décadas a respeito de alimentos e nutrientes que fazem bem ou mal para o funcionamento mental, explica o cardápio da Mind. Além dos ingredientes da dieta mediterrânea, reconhecidamente a mais saudável do mundo, entram elementos do programa Dash, desenvolvido para combater a hipertensão. Ambos reduzem o risco de doenças cardiovasculares e, segundo estudos anteriores, têm um potencial protetivo contra a demência.- Sistema imunológico está relacionado ao Alzheimer
- Obesidade pode ter efeito protetor contra o Alzheimer
- Técnica utiliza ultrassom para 'limpar' cérebro com Alzheimer
- Pesquisa comprova que obesidade (e também o sobrepeso) podem acelerar Alzheimer
- Dormir de lado evita o Alzheimer
- Manteiga enriquecida com ácido graxo pode ajudar pacientes com Alzheimer
A Mind baseia-se em 15 componentes dietéticos: 10 são saudáveis e cinco devem ser cortados ou, pelo menos, reduzidos. No primeiro grupo, estão folhas verdes, vegetais, nozes, frutas vermelhas e roxas, feijões, cereais integrais, peixe, aves, azeite de oliva e vinho. Já a lista dos ingredientes mais nocivos é formada por carne vermelha; derivados do leite como manteiga, margarina e queijo; massas; doces e alimentos fritos ou de fast food. Para segui-la, deve-se ingerir ao menos três porções de cereais integrais (centeio, quinoa e milho, por exemplo), uma salada e outro vegetal à escolha todos os dias, além de uma taça de vinho tinto. Um lanche de nozes é bem-vindo diariamente; as leguminosas devem ser ingeridas dia sim, dia não (veja quadro). Já os alimentos menos saudáveis — especialmente a manteiga, o queijo e as frituras — devem ser consumidos, no máximo, uma vez por semana.
Vantagem
Martha Clare Morris esclarece que chegou a essa fórmula analisando a ingestão alimentar de 923 pessoas entre 58 e 98 anos que participaram do Projeto de Envelhecimento e Memória da Universidade de Rush. O objetivo foi identificar os elementos potencialmente protetores do cérebro. Entre 1997 e 2013, os idosos, moradores de casas de repouso de Chicago, foram acompanhados pelos pesquisadores. No fim do estudo, 144 haviam desenvolvido Alzheimer. Os hábitos alimentares de todos foram investigados e pontuados.
“Aqueles que seguiam um regime alimentar próximo da dieta mediterânea ou da Dash tinham um risco mais baixo de desenvolver Alzheimer. No primeiro caso, o perigo era 54% menor e, no segundo, 34%”, conta a epidemiologista. Alguns participantes incluíam na alimentação elementos das duas, o que caracteriza a dieta Mind. Entre eles, a redução de risco foi de 53%, com a vantagem desse regime ser mais fácil de seguir. Outra descoberta é que o cardápio saudável não precisa ser tão rigoroso. Mesmo aqueles que cometiam eventuais deslizes tinham risco 35% menor.
A pesquisadora destaca que muitos estudos têm se concentrado nos fatores genéticos por trás da doença, mas, no caso do Alzheimer de manifestação tardia, a alimentação pode desempenhar um papel ainda mais signficativo. “Para população já idosa, o que se come pode determinar quem terá a doença”, diz, lembrando que, quanto mais cedo os hábitos forem adotados, maior a probabilidade de chegar à velhice com a mente afiada.
Preparo
Se uma dieta saudável combate o Alzheimer, a forma inadequada de preparo das refeições pode aumentar o risco de surgimento da doença. Um estudo também publicado no Journal of Alzheimer's Disease mostrou que os alimentos cozidos em temperaturas muito altas provocam uma reação no organismo que contribui para a formação de depósitos da proteína beta-amiloide no cérebro. Já se sabe que o acúmulo dessa substância está associado à doença neurodegenerativa.
Os pesquisadores dos Estados Unidos e da França analisaram o conteúdo dos produtos de glicação avançada (AGEs, sigla em inglês) em dietas de vários países e compararam os valores às taxas de Alzheimer nesses lugares. Os AGEs são um grupo de compostos resultantes da combinação de açúcares e proteínas, além de outras moléculas, e já existe uma robusta literatura científica os associando ao risco de Alzheimer. Embora possam ser formados naturalmente no organismo, eles também são produzidos quando os alimentos são cozidos em temperaturas muito altas ou envelhecidos por muito tempo, caso de queijos duros.
De acordo com os autores do estudo, esses compostos elevam o risco de várias doenças crônicas por meio de mecanismos diversos, como o aumento do estresse oxidativo e dos processos inflamatórios. Eles também podem se associar ao receptor de AGEs, chamado RAGE. Essa molécula transporta as proteínas beta-amiloides pela corrente sanguínea e faz com que ultrapassem a barreira do cérebro, contribuindo para o Alzheimer.
Essa é a primeira vez que se estima o conteúdo dos AGEs nas dietas a partir de estudos observacionais em vários países e se estabelece uma ligação entre fatores dietéticos e risco de Alzheimer. Para avaliar a quantidade desses produtos nos alimentos, os cientistas usaram informações de um pesquisadores da Faculdade de Medicina Mount Sinai, de Nova York. Eles cozinharam 549 alimentos usando diferentes métodos e mediram os níveis de AGEs. A constatação foi que, quanto maior a temperatura empregada, mais altas as taxas dos compostos nocivos: 100g de carne vermelha crua têm 707kU de AGEs, mas 100g do alimento grelhado têm 6.071kU.
Carne
Em seguida, os cientistas pegaram informações dietéticas sobre a frequência de ingestão de alimentos em diversos países, fornecidas pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Assim, estimaram os métodos de cozimento e as temperaturas usadas para o preparo. Eles descobriram que, no geral, a maior fonte de AGEs é a carne, seguida de óleos vegetais, queijo e peixe. Alimentos como cereais, grãos, ovos, frutas, legumes, leite, nozes, raízes e vegetais contribuem muito pouco para o total desses compostos na dieta, tanto porque são preparados normalmente em baixas temperaturas quanto por serem consumidos em porções menores. Dados dietéticos do Brasil não foram incluídos, mas, de acordo com Jaime Uribarri, pesquisador de Mount Sinai e principal autor do estudo, os hábitos alimentares do país não diferem da dieta ocidental.
“Esse estudo se junta a nossas descobertas anteriores em animais e humanos sobre o papel dos AGEs na doença de Alzheimer”, diz Uribarri. “Descobrimos que ratos que mantêm uma dieta rica em AGEs — similar à dieta dos ocidentais — têm níveis elevados no cérebro, ao lado de depósitos beta-amiloides. Ao mesmo tempo, eles desenvolvem declínio em habilidades motoras e cognitivas. Os ratos alimentados com uma dieta com baixos AGEs continuam livres dessas condições. Além disso, estudos têm mostrado que indivíduos com níveis elevados desses produtos no sangue são mais suscetíveis a declínios cognitivos”, alerta.
De acordo com os autores, a descoberta aponta para uma direção fácil de ser seguida: consumir alimentos pobres em AGEs, como aqueles cozidos ou processados sob baixo nível de calor e na presença de mais água. “Isso nos mostra a importância de não só o que comemos, mas também de como preparamos o que comemos”, disse, em nota, Weijing Cai, coautor do estudo.