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Estudos questionam declínio do cérebro com o passar do tempo

Pesquisas sugerem que algumas habilidades, como o aprendizado de novas palavras e o reconhecimento de faces, atingem o ápice na terceira idade

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Paloma Oliveto - Correio Brazilienze Publicação:15/05/2015 13:00Atualização:15/05/2015 09:49
Novas células cerebrais são produzidas até o fim da vida (Thiago / CB / D.A Press)
Novas células cerebrais são produzidas até o fim da vida
Eles trocam os nomes dos filhos e estão sempre esquecendo onde colocaram as chaves. Às vezes, confundem as datas e, não raramente, têm de recorrer aos netos para ajudá-los com o controle remoto. Por causa desses comportamentos tão comuns entre os idosos, sempre se acreditou que, com o tempo, o cérebro vai perdendo a força. Como o corpo, que enfraquece com o passar dos anos, a mente também entraria em declínio a partir da meia idade. Ainda hoje, é a visão que prevalece entre leigos e médicos. Mas alguns cientistas começam a desafiar essa lógica.

Nas últimas décadas, as pesquisas melhoraram muito o conhecimento que se tem sobre o cérebro, ainda tão misterioso. Há até muito pouco tempo, por exemplo, acreditava-se que não existia reposição de neurônios. Agora, já se sabe que, até o fim da vida, novas células cerebrais são produzidas, mesmo que em menor quantidade. Outro conceito importante que vem mudando a neurociência é o da plasticidade, ou seja, a capacidade do órgão de se reorganizar, compensando funções comprometidas.

Essas descobertas começaram a pôr em dúvida diversas crenças. Um dos cientistas que questionam o lugar-comum do envelhecimento da mente é Joshua Hartshorne, pós-doutorando do prestigioso Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT. Com a colega Laura Germine, da Universidade de Harvard e do Hospital Geral de Massachusetts, o neurocientista resolveu investigar se o declínio cognitivo vem, necessariamente, com a idade avançada. O resultado, publicado na revista Psychologycal Science, foi surpreendente.

O desempenho de 50 mil pessoas de 10 a 89 anos em uma bateria de testes cognitivos on-line levou Hartshorne e Germine à conclusão de que, enquanto algumas funções diminuem com a idade, outras melhoram — e muito. Determinadas habilidades vão atingir o pico somente entre os 60 e os 70 anos. Para os neurocientistas, essa é mais uma evidência de que a dicotomia velho/novo está ultrapassada e precisa ser adaptada aos conhecimentos atuais sobre o funcionamento do cérebro. “Os efeitos do envelhecimento sobre a cognição têm muito mais nuances do que sugere a simples divisão entre inteligência cristalizada e inteligência fluida”, afirma Hartshorne.

Complexidade

Segundo essa classificação, existem dois tipos de habilidade cognitiva. A cristalizada refere-se a conhecimentos sólidos, adquiridos ao longo do tempo. Não há dúvidas de que, com o tempo, tende-se a saber mais. Dentro de uma mesma realidade socioeconômica e cultural, uma pessoa mais velha muito provavelmente se sairá melhor em testes de vocabulário e conhecimentos gerais, por exemplo, que a mais nova. Isso apenas por ter vivido mais tempo. Já a inteligência fluida está associada à capacidade de resolução imediata de problemas — ou seja, ser esperto, sagaz e de raciocínio rápido. Ela é mais prática e mais afiada em jovens.

Hartshorne: nuances dos efeitos do envelhecimento sobre o cérebro  (MIT / Divulgação )
Hartshorne: nuances dos efeitos do envelhecimento sobre o cérebro
O problema com essa divisão etária simples, segundo Hartshorne, é que ela não leva em consideração a complexidade das funções cognitivas. “De fato, muitas habilidades, especialmente a rapidez no processamento de informações e a memória, atingem o ápice nos primeiros anos. Enquanto isso, a capacidade de utilizar todo o conhecimento acumulado só vai chegar ao topo muito depois disso”, afirma. Mas alguns experimentos estão demonstrando que a questão é bem mais heterogênea — uma mesma habilidade pode ter picos em momentos diferentes da vida.

Em 2010, Laura Germine conduziu um estudo com o colega Ken Nakayama, também de Harvard, sobre a capacidade de reconhecer faces e se recordar delas ao longo da vida. “Muita gente — incluindo cientistas — acredita que o ápice dessa habilidade é atingido na faixa dos 20 anos. O que nós conseguimos mostrar em um estudo com 44 mil voluntários de 10 a 70 anos é que, na verdade, isso ocorre entre os 30 e 34 anos, uma década depois do imaginado”, afirma Germine.

A neuropsicóloga conta que outras tarefas que exigem habilidades de memória, como relembrar nomes, realmente atingem o pico aos 23, 24 anos. Contudo, o reconhecimento de face começa a se afiar aos 10 e continua em uma curva ascendente vagarosa nos 20, chegando ao topo aos 30, quando, no estudo, foram obtidos 83% de acertos. Aos 65, a habilidade já não é tão boa, ficando semelhante à de um jovem de 16. Germine afirma que isso é uma demonstração de que o desempenho de uma mesma função cognitiva pode flutuar dependendo da idade, indicando que a teoria da inteligência fluida e da cristalizada precisa de uma revisão.

Vocábulos
Agora, na pesquisa que a psicóloga fez com Joshua Hartshorne, essa ideia se consolidou. A crença convencional, baseada nas teorias sobre QI, é a de que o conhecimento de vocabulário chega ao máximo no fim dos 40 anos. “O que vimos foi que, na verdade, o pico ocorre por volta dos 70. Essa é uma habilidade, aliás, que atinge o ápice cada vez mais tarde com o passar das gerações. Ou estamos ficando melhores para lembrar e aprender palavras ou estamos encontrando novos vocábulos muito mais tarde na vida do que pensávamos”, diz Hartshorne. Ele acredita que isso seja resultado da melhoria da educação, do fato de o mercado de trabalho exigir, cada vez mais, que se leia muito, e da preocupação, cada vez maior, de os idosos estimularem a mente.

Outra habilidade que melhora com o tempo é a percepção social, a capacidade de decifrar e compreender o outro, por comunicação verbal ou não verbal (gestos e expressões faciais). “Ela continua muito bem na meia-idade e não há sinais de grandes declínios depois. Isso sugere que os adultos mais velhos podem, particularmente, ler e entender melhor os outros do que as pessoas mais novas”, afirma Hartshorne.

Na opinião de Denise Park, professora de ciências do comportamento e do cérebro da Universidade de Texas em Dallas, o artigo é “provocativo”. Mas ela acredita que é preciso aprofundar mais a investigação desse tema. “Um problema com o método usado foi que, para conseguir abranger um número tão grande de participantes, os pesquisadores utilizaram resultados em testes feitos em sites de jogos on-line. Eles não acompanharam a evolução cognitiva dos participantes ao longo dos anos, então, isso pode diminuir o efeito que as experiências culturais diferentes têm sobre o desempenho nos testes”, acredita Park, que não participou do estudo.


Plasticidade permanente

“Técnicas da neurociência cognitiva para o estudo do envelhecimento têm revelado, de forma surpreendente, que, ao contrário do que se imaginava previamente, os cérebros de idosos continuam maleáveis e plásticos, de alguma maneira. A plasticidade é a habilidade de recrutar com flexibilidade diferentes áreas do cérebro para executar diversas tarefas. Diferentemente de uma visão anterior e extremamente pessimista da velhice, os estudos de neuroimagem sugerem que o cérebro dos mais velhos podem se reorganizar e mudar, e não necessariamente para pior. O cérebro envelhecido é muito mais dinâmico do que se pensava. Avanços nos métodos de pesquisa e uma boa quantidade de questões sob investigação vão melhorar nosso conhecimento sobre as mudanças cerebrais e as adaptações do órgão ao longo da vida.”

Angela Gutchessangela, pesquisadora de envelhecimento e cognição da Universidade de Brandeis, nos EUA

Excesso de conhecimento
No ano passado, uma pesquisa ainda mais desafiadora mexeu com a comunidade científica. Pesquisadores alemães da Universidade de Tübingen lançaram a ideia de que, ao envelhecer, as habilidades cerebrais desaceleram não por causa de um declínio cognitivo, mas como resultado do volume de experiências acumuladas ao longo da vida. Segundo a equipe, liderada por Michael Ramscar, o excesso de conhecimento faz com que o cérebro dos idosos demore mais a processar as informações. Não seria, portanto, uma questão de qualidade, mas de quantidade.

Para chegar a essa conclusão, Ramscar programou computadores para agir como humanos. A cada dia, as máquinas liam uma certa quantidade de dados, enquanto processavam as novas informações. Os computadores, então, passavam por uma série de testes usando medidas que, tradicionalmente, são aplicadas para determinar as habilidades cognitivas. Entre elas, os de memória de palavras.

Descobriu-se que, quando as máquinas liam uma porção determinada de dados, a performance cognitiva era similar à esperada de um jovem adulto. Contudo, se os mesmos computadores tinham de lidar com uma quantidade ilimitada de informações — o equivalente a experiências de toda uma vida —, a performance assemelhava-se à de um idoso. Para os cientistas alemães, as máquinas ficaram mais lentas para ler os dados não porque houve declínio da capacidade de processamento, mas devido ao aumento de informações apresentadas. Elas simplesmente precisavam de mais tempo para processá-las.

Desatualizados
“Os resultados indicam que, em adultos mais jovens e mais velhos, a performance em testes psicométricos são o produto dos mesmos mecanismos cognitivos processando diferentes quantidades de informação. A performance dos mais velhos reflete um aumento de conhecimento, não um declínio cognitivo”, escreveram os autores do artigo, publicado no jornal Topics in Cognitive Science. Os pesquisadores ressaltaram que a descoberta sugere que a sociedade precisa repensar o que significa uma “mente envelhecida”, já que falsas suposições podem depreciar os idosos e levar a um gasto de recursos públicos “com um problema que não existe”.

“Imagine alguém que sabe do aniversário de duas pessoas e pode se embrar disso perfeitamente”, disse, em nota, Michael Ramscar. “Você realmente quer dizer que essa pessoa tem uma memória melhor que aquela que sabe a data de nascimento de 2 mil pessoas, mas ‘só’ consegue se recordar corretamente em nove de 10 tentativas?”, comparou. Para ele, o problema é que os métodos de quantificação e avaliação das habilidades cognitivas estão muito desatualizados. “Agora, a tecnologia nos permite fazer estimativas e medições bem mais precisas”, defende.

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