Pesquisa mostra que sexo é tabu para as pessoas cardíacas
São poucos os pacientes que conversam com o médico sobre os cuidados envolvendo atividades sexuais. Segundo especialistas, as orientações, quando ocorrem, são muito restritivas
Isabela de Oliveira - Correio Braziliense
Publicação:01/06/2015 12:30Atualização: 01/06/2015 14:02
A conclusão é de um estudo publicado recentemente na revista especializada Circulation, da Associação Americana de Cardiologia. Segundo os resultados, apenas uma a cada oito mulheres (12,5%) e um a cada cinco homens (20%) são orientados sobre a atividade sexual no primeiro mês de recuperação de um problema cardíaco grave. Além disso, embora nos Estados Unidos – e também no Brasil – a recomendação seja que, dependendo do caso, a atividade sexual volte ao normal sete dias após a alta hospitalar, os pacientes que tomaram a dianteira da situação receberam instruções excessivamente restritivas.
Na pesquisa – liderada por Stacy Tessler Lindau, diretora do Programa de Medicina Integrativa Sexual do Centro Médico da Universidade de Chicago –, foram acompanhados 3.501 pacientes de ataque cardíaco em 127 hospitais da Espanha e dos EUA entre 2008 e 2012. Em média, os participantes tinham 48 anos e dois terços eram mulheres. A maioria dos voluntários, que disseram manter relações sexuais normalmente um ano antes do infarto, relatou que se sentia à vontade para discutir o assunto com um médico. Apesar disso, somente 12% das mulheres e 19% dos homens tiveram essa conversa no primeiro mês após o ataque cardíaco.
Da minoria que discutiu a situação com um especialista, um terço foi informado de que poderia retomar a atividade sexual sem restrições. Os outros foram orientados a limitá-la, que deveriam ser mais passivos para que conseguir manter a frequência cardíaca baixa. Na Espanha, as mulheres foram 40% mais propensas a receber conselhos restritivos do que os homens. Ao contrário dos Estados Unidos, onde as recomendações foram mais restritivas para eles. De forma geral, as europeias tiveram 36% mais chances de receber conselhos conservadores.
Outras diferenças entre os países ficaram evidentes. A maioria dos pacientes norte-americanos que falaram sobre sexo com o médico relataram que a iniciativa partiu deles, enquanto a maioria dos espanhóis contou que foi o profissional de saúde o primeiro a tocar no assunto. Ricardo Pavanello, diretor de Pesquisa da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), diz que, no Brasil, essa lacuna não é tão evidente. “Aqui, a conversa é mais aberta, dado que os pacientes têm um grau de convívio e liberdade maior com o médico, que costuma tratar o doente de forma mais afetiva e próxima”, compara.
As recomendações no Brasil, explica Pavanello, variam conforme a severidade da doença. “Quando o paciente está liberado para exercícios, após teste de esforço, pode exercer a atividade sexual em sua plenitude”. As limitações ocorrem quando há alguma deficiência no bombeamento do sangue. “Nesse caso, os que têm a atividade física limitada pela condição cardiovascular devem se exercitar, desde que não lhes cause sintomas de cansaço”, resume o médico.
Pacientes jovens
Gustavo Gir Gomes, cardiologista do Hospital Universitário de Brasília (HUB) e do Instituto de Cardiologia do Distrito Federal, reforça as recomendações de Pavanello. “Se o paciente não teve complicações, ele pode, sim, ser liberado para atividades sexuais e físicas. O que a gente vê é que o gasto energético da relação sexual é baixo e equivale a uma caminhada de até 6km/h.” A tendência, prevê Gomes, é que o assunto ganhe popularidade porque os infartos acometem cada vez mais pacientes jovens.
Segundo o especialista, espera-se que uma pessoa de 40 anos tenha de 25 a 30 anos de vida sexual multiativa. “Então, dá para imaginar o impacto nesse grupo. O médico precisa ser mais atuante nessa área, no sentido de questionar e dar liberdade ao paciente para falar. Talvez, os profissionais tenham uma atitude um pouco defensiva com medo de o paciente interpretar mal o questionamento”, cogita.
Gomes pontua ainda que a falta de informação pode fazer com que a pessoa cometa erros que coloquem em risco a própria vida. Um deles é usar remédios para disfunção erétil com medicamentos para o coração. “Esse é um ponto importante, porque muitos dos pacientes já carregam algum problema. No pós-infarto, ele tende a se intensificar porque algumas medicações realmente dificultam a função sexual”, diz.
Embora o uso de vasodilatadores melhore a função erétil, eles provocam queda na pressão. Concomitantemente ao uso de medicações que inibem a dor no peito, como os nitratos, os vasodilatadores podem gerar hipotensão profunda, submetendo o paciente ao risco de morte. “Então, é absolutamente contraindicado para um grupo determinado de pacientes, porque nem todos necessitam de nitratos”, reforça o cardiologista, explicando, em seguida, que a ingestão dessas medicações seja feita apenas com prescrição e supervisão médica.
Preocupação entre os brasileiros
Pesquisadoras da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) entrevistaram pacientes da rede pública de saúde para saber quais os principais medos dos cardíacos em recuperação. Os resultados, publicados recentemente na Revista Latino-Americana de Enfermagem, são parecidos com os conduzidos por Stacy Tessler Lindau: a suspensão das atividades sexuais é uma das preocupações mais comuns entre os pacientes.
Mariluse de Jesus, de 48 anos, conta que o assunto nunca foi abordado com os cardiologistas com quem já se consultou. “Vou aos consultórios desde os meus 14 anos. Nesse tempo eles nunca falaram comigo sobre isso, e não tive coragem para perguntar”, conta a moradora de Amparo (SP) e não integrante do estudo da UFSC. “Fui casada por 22 anos e sempre tive medo de manter relações, mas o meu marido compreendia, pois ele também tinha medo de eu passar mal.”
Mariluse conta que todas as relações, quando aconteciam, envolviam muito cuidado. “Alem disso, os remédios tiravam a minha vontade”, conta a criadora e administradora do grupo Cardíacos, felizes e de bem com a vida, no Facebook. O relato da paulista está alinhado com o que os pesquisadores de Santa Catarina verificaram: “Os cônjuges normalmente entendem a fragilidade de seu companheiro após o evento cardíaco, agindo com mais delicadeza ou respeito”, citam, no estudo.
De acordo com o cardiologista João Poeys, do Hospital do Coração de Brasília, 25% dos pacientes interrompem definitivamente a atividade sexual após o infarto, e pelo menos metade deles diminui a frequência das relações. O principal fator de risco para isso não são as limitações físicas, mas os distúrbios psicológicos provocados pela condição. “Existem muitas dúvidas, há medo de uma angina ou um infarto durante a relação. E a gente sabe que, para uma boa prática sexual, para ter prazer, é preciso estar bem psicologicamente. Essa insatisfação ocorre tanto entre homens quanto mulheres, no mesmo grau, após o infarto”, diz o especialista brasileiro. (IO)
João Poeys, cardiologista do Hospital do Coração do Brasil, em Brasília
Complicações fisiológicas
“O infarto resulta de uma obstrução na artéria que irriga o coração, a coronária. A doença que provoca esse entupimento é sistêmica e pode entupir tanto a artéria que irriga o coração quanto qualquer outra. Isso significa que o paciente pode ter também uma disfunção nos vasos sanguíneos que irrigam o pênis. Se ele for diabético e hipertenso, por si só, será um homem que tem mais tendência à disfunção sexual, já que essas doenças também prejudicam a circulação do sangue no órgão genital”.
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Se a recomendação de manter o bem-estar para preservar a saúde cardíaca costuma ser levada a sério pela população em geral, entre os pacientes cardíacos, a preocupação em segui-la tende a ser ainda maior. Afinal, trata-se de hábitos e cuidados com efeitos que podem ser imediatos. Assim, com medo de retornar à mesa cirúrgica, há pacientes que, por conta própria ou por orientação médica, abdicam de aspectos fundamentais dessa plenitude, como as relações sexuais. Normalmente, o assunto é pouco abordado pelos médicos e, quando isso ocorre, os especialistas costumam ser conservadores demais nas orientações.A conclusão é de um estudo publicado recentemente na revista especializada Circulation, da Associação Americana de Cardiologia. Segundo os resultados, apenas uma a cada oito mulheres (12,5%) e um a cada cinco homens (20%) são orientados sobre a atividade sexual no primeiro mês de recuperação de um problema cardíaco grave. Além disso, embora nos Estados Unidos – e também no Brasil – a recomendação seja que, dependendo do caso, a atividade sexual volte ao normal sete dias após a alta hospitalar, os pacientes que tomaram a dianteira da situação receberam instruções excessivamente restritivas.
Na pesquisa – liderada por Stacy Tessler Lindau, diretora do Programa de Medicina Integrativa Sexual do Centro Médico da Universidade de Chicago –, foram acompanhados 3.501 pacientes de ataque cardíaco em 127 hospitais da Espanha e dos EUA entre 2008 e 2012. Em média, os participantes tinham 48 anos e dois terços eram mulheres. A maioria dos voluntários, que disseram manter relações sexuais normalmente um ano antes do infarto, relatou que se sentia à vontade para discutir o assunto com um médico. Apesar disso, somente 12% das mulheres e 19% dos homens tiveram essa conversa no primeiro mês após o ataque cardíaco.
Da minoria que discutiu a situação com um especialista, um terço foi informado de que poderia retomar a atividade sexual sem restrições. Os outros foram orientados a limitá-la, que deveriam ser mais passivos para que conseguir manter a frequência cardíaca baixa. Na Espanha, as mulheres foram 40% mais propensas a receber conselhos restritivos do que os homens. Ao contrário dos Estados Unidos, onde as recomendações foram mais restritivas para eles. De forma geral, as europeias tiveram 36% mais chances de receber conselhos conservadores.
Outras diferenças entre os países ficaram evidentes. A maioria dos pacientes norte-americanos que falaram sobre sexo com o médico relataram que a iniciativa partiu deles, enquanto a maioria dos espanhóis contou que foi o profissional de saúde o primeiro a tocar no assunto. Ricardo Pavanello, diretor de Pesquisa da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), diz que, no Brasil, essa lacuna não é tão evidente. “Aqui, a conversa é mais aberta, dado que os pacientes têm um grau de convívio e liberdade maior com o médico, que costuma tratar o doente de forma mais afetiva e próxima”, compara.
As recomendações no Brasil, explica Pavanello, variam conforme a severidade da doença. “Quando o paciente está liberado para exercícios, após teste de esforço, pode exercer a atividade sexual em sua plenitude”. As limitações ocorrem quando há alguma deficiência no bombeamento do sangue. “Nesse caso, os que têm a atividade física limitada pela condição cardiovascular devem se exercitar, desde que não lhes cause sintomas de cansaço”, resume o médico.
Pacientes jovens
Gustavo Gir Gomes, cardiologista do Hospital Universitário de Brasília (HUB) e do Instituto de Cardiologia do Distrito Federal, reforça as recomendações de Pavanello. “Se o paciente não teve complicações, ele pode, sim, ser liberado para atividades sexuais e físicas. O que a gente vê é que o gasto energético da relação sexual é baixo e equivale a uma caminhada de até 6km/h.” A tendência, prevê Gomes, é que o assunto ganhe popularidade porque os infartos acometem cada vez mais pacientes jovens.
Segundo o especialista, espera-se que uma pessoa de 40 anos tenha de 25 a 30 anos de vida sexual multiativa. “Então, dá para imaginar o impacto nesse grupo. O médico precisa ser mais atuante nessa área, no sentido de questionar e dar liberdade ao paciente para falar. Talvez, os profissionais tenham uma atitude um pouco defensiva com medo de o paciente interpretar mal o questionamento”, cogita.
Gomes pontua ainda que a falta de informação pode fazer com que a pessoa cometa erros que coloquem em risco a própria vida. Um deles é usar remédios para disfunção erétil com medicamentos para o coração. “Esse é um ponto importante, porque muitos dos pacientes já carregam algum problema. No pós-infarto, ele tende a se intensificar porque algumas medicações realmente dificultam a função sexual”, diz.
Embora o uso de vasodilatadores melhore a função erétil, eles provocam queda na pressão. Concomitantemente ao uso de medicações que inibem a dor no peito, como os nitratos, os vasodilatadores podem gerar hipotensão profunda, submetendo o paciente ao risco de morte. “Então, é absolutamente contraindicado para um grupo determinado de pacientes, porque nem todos necessitam de nitratos”, reforça o cardiologista, explicando, em seguida, que a ingestão dessas medicações seja feita apenas com prescrição e supervisão médica.
Preocupação entre os brasileiros
Pesquisadoras da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) entrevistaram pacientes da rede pública de saúde para saber quais os principais medos dos cardíacos em recuperação. Os resultados, publicados recentemente na Revista Latino-Americana de Enfermagem, são parecidos com os conduzidos por Stacy Tessler Lindau: a suspensão das atividades sexuais é uma das preocupações mais comuns entre os pacientes.
Mariluse de Jesus, de 48 anos, conta que o assunto nunca foi abordado com os cardiologistas com quem já se consultou. “Vou aos consultórios desde os meus 14 anos. Nesse tempo eles nunca falaram comigo sobre isso, e não tive coragem para perguntar”, conta a moradora de Amparo (SP) e não integrante do estudo da UFSC. “Fui casada por 22 anos e sempre tive medo de manter relações, mas o meu marido compreendia, pois ele também tinha medo de eu passar mal.”
Mariluse conta que todas as relações, quando aconteciam, envolviam muito cuidado. “Alem disso, os remédios tiravam a minha vontade”, conta a criadora e administradora do grupo Cardíacos, felizes e de bem com a vida, no Facebook. O relato da paulista está alinhado com o que os pesquisadores de Santa Catarina verificaram: “Os cônjuges normalmente entendem a fragilidade de seu companheiro após o evento cardíaco, agindo com mais delicadeza ou respeito”, citam, no estudo.
De acordo com o cardiologista João Poeys, do Hospital do Coração de Brasília, 25% dos pacientes interrompem definitivamente a atividade sexual após o infarto, e pelo menos metade deles diminui a frequência das relações. O principal fator de risco para isso não são as limitações físicas, mas os distúrbios psicológicos provocados pela condição. “Existem muitas dúvidas, há medo de uma angina ou um infarto durante a relação. E a gente sabe que, para uma boa prática sexual, para ter prazer, é preciso estar bem psicologicamente. Essa insatisfação ocorre tanto entre homens quanto mulheres, no mesmo grau, após o infarto”, diz o especialista brasileiro. (IO)
João Poeys, cardiologista do Hospital do Coração do Brasil, em Brasília
Complicações fisiológicas
“O infarto resulta de uma obstrução na artéria que irriga o coração, a coronária. A doença que provoca esse entupimento é sistêmica e pode entupir tanto a artéria que irriga o coração quanto qualquer outra. Isso significa que o paciente pode ter também uma disfunção nos vasos sanguíneos que irrigam o pênis. Se ele for diabético e hipertenso, por si só, será um homem que tem mais tendência à disfunção sexual, já que essas doenças também prejudicam a circulação do sangue no órgão genital”.