Anvisa tem recomendação do Ministério Público Federal para retirar agrotóxicos de circulação no Brasil
Segundo a OMS, alguns causam doenças como o câncer
Luciane Evans
Publicação:16/06/2015 13:47Atualização: 16/06/2015 13:54
O estopim para o recomeço dessa antiga briga veio em março, quando a Agência Internacional para Investigação sobre Câncer (Iarc, sigla em inglês), instituição especializada da OMS, confirmou em estudo a relação direta do agrotóxico glifosato como agente potencial de câncer em humanos e animais. Para a publicação, trabalharam 17 pesquisadores de 11 países, numa investigação que durou mais de um ano. Com o resultado de ser “provável” que o produto cause a doença, em alguns lugares, como na Colômbia, o governo suspendeu as pulverizações aéreas com o herbicida em áreas de cultivo ilegal de coca devido aos possíveis efeitos nocivos do produto à saúde.
Aqui no Brasil, em abril, o MPF enviou documento à Anvisa recomendando que “seja concluída com urgência a reavaliação toxicológica do glifosato e que determine o banimento do herbicida no mercado nacional”. O princípio ativo é o mais usado pelos agricultores brasileiros, “principalmente os que adotam o modelo de monocultura”. Apesar da polêmica e do pedido do MPF, que vem desde 2008, o produto ainda continua sendo usado e comercializado e, segundo a Anvisa, está em processo de reavaliação e não se sabe quando ele vai poder ser retirado de circulação. A agência também informou que o produto é registrado no país desde 2005. Mas desde 2008 vêm sendo questionados seus riscos para a saúde humana (veja quadro).
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), responsável pelo registro dos produtos depois da avaliação da Anvisa e do Ibama, também não se pronuncia e alega esperar o posicionamento da vigilância sanitária. “Deveria ser proibido no Brasil. A pesquisa do Iarc é muito séria, foi feita em 11 países e não é um aviso qualquer, vem da OMS”, defende o coordenador do serviço de oncologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG), André Murad. Segundo ele, é mais seguro para os brasileiros retirar o herbicida do mercado. “A indústria é que tem que provar que o produto é seguro. Uma vez liberada para o consumo, a substância contamina solo, riachos e o gado. Ele afeta a estrutura do DNA das células humanas e, de acordo com a OMS, pode causar câncer”, avisa o oncologista, certo de que, caso não seja banido do país, os riscos são inevitáveis.
A polêmica ganha força diante dos números. O uso do glifosato aumentou quase 200% entre 2002 e 2011. Passou de 44 mil para 132 mil toneladas por ano. Somente em 2013, no Brasil, foram comercializadas 186 mil toneladas da substância. Geralmente, o produto é usado em lavouras de soja transgênica. O glifosato, ingrediente ativo do herbicida Roundup, é desenvolvido pela empresa Monsanto. O Estado de Minas entrou em contato com a Monsanto, que, em nota, negou que o produto cause malefícios à saúde humana. “Todos os usos de produtos registrados à base de glifosato são seguros para a saúde e o meio ambiente, o que é comprovado por um dos maiores bancos de dados científicos já compilados sobre um produto agrícola. Para estar no mercado, todo herbicida à base de glifosato precisa atender padrões rigorosos determinados por autoridades regulatórias, visando proteger a saúde humana, animal e o meio ambiente. Essa base científica é apoiada também pelo amplo histórico de uso seguro do glifosato. Trata-se de um dos herbicidas mais usados no mundo, por mais de 40 anos e em mais de 160 países, sendo produzido e comercializado por diversas empresas”, diz o texto.
Em relação à pesquisa da Iarc, a empresa ressaltou que o instituto da OMS não considerou dezenas de estudos científicos e avaliações de agências regulatórias de todo o mundo, que suportam a conclusão de que o glifosato não é um risco para a saúde humana. “A classificação da Iarc diverge do grande número de avaliações conduzidas, ao longo dos anos, por centenas de cientistas de diversos países, responsáveis por garantir a segurança da população”, diz a nota. A assessoria de imprensa do MPF informou que os responsáveis pelo caso esperam posicionamento da Anvisa para se pronunciarem.
Na visão da presidente da Associação Nacional de Biossegurança, Leila Macedo, o uso do glifosato é seguro. “Só no Brasil, mais de 50 empresas têm registro para a comercialização do glifosato. Os mais de 800 estudos já realizados sobre a segurança do glifosato foram avaliados por agências regulatórias dos diversos países onde o produto é comercializado, considerando que o herbicida é seguro quando usado de acordo com as instruções do rótulo”, comenta Leila. Segundo ela, atualmente, cerca de 50 empresas usam produtos que têm o glifosato como ingrediente ativo registrado junto ao Mapa.
Leila também defende que não há nenhuma evidência científica validada que associe o uso do glifosato a casos de câncer ou qualquer outro dano à saúde humana ou animal. “As agências regulatórias mais exigentes do mundo, como a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) e o Instituto Federal de Avaliação de Risco da Alemanha (BfR), concluíram que o glifosato é um produto seguro. O único a questionar essa segurança é a Iarc, que contradiz os sistemas regulatórios mais robustos e rigorosos, como os da União Europeia e dos Estados Unidos, que não encontraram no glifosato riscos de causar câncer em seres humanos depois de revisões extensas de testes de longa duração”, argumenta. Ainda segundo Leila, o produto é uma das moléculas mais eficientes entre os herbicidas já introduzidos no mercado para o controle de plantas daninhas e, por isso, é usado em todas as principais áreas agrícolas do planeta.
Entenda o caso
Em 2008, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou à Anvisa reavaliação toxicológica de integrantes ativos de agrotóxicos: parationa metílica, lactofem, forato, carbofurano, abamectina, tiram, paraquate, 2,4-D e glifosato. Cinco anos depois, nada havia sido concluído.
No início de 2014, o MPF entrou na Justiça Federal com ação civil ública pedindo que a Anvisa reavaliasse os integrantes de agrotóxicos m até 180 dias.
Em dezembro de 2014, a Anvisa resolveu banir duas susbtâncias que estavam na lista do MPF: o forato e a parationa metílica.
Em março de 2015, a OMS reconheceu que o glifosato é, provavelmente, causador de câncer em humanos.
Em abril de 2015, o MPF fez a recomendação novamente à Anvisa para concluir a reavaliação toxicológica do glifosato e bani-lo do território nacional.
Saiba mais...
Ainda permanece nas mãos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) o parecer final sobre uma polêmica que está à mesa dos brasileiros há mais de 10 anos e é vista por uns como um veneno para a saúde. Usado na agricultura mundial, em produtos como soja, trigo, arroz, milho, uva, banana, cacau, café, entre outros, o glifosato, o herbicida mais consumido no mundo, está na mira de uma discussão e prestes a ser proibido no país depois de relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontar que o produto pode causar câncer. O alerta veio em março e, um mês depois, o Ministério Público Federal (MPF) cobrou do governo um posicionamento, como já havia pedido em 2008. Até o momento, o produto continua em circulação, e médicos, preocupados com o risco à saúde da população brasileira, pedem sua proibição no mercado. Por outro lado, defensores da substância alegam que não há comprovação concreta sobre o mal que o glifosato pode fazer e garantem que não há riscos para a saúde humana.- Inca condena uso de agrotóxicos para prevenir câncer
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OMS diz que glifosato causa câncer
O estopim para o recomeço dessa antiga briga veio em março, quando a Agência Internacional para Investigação sobre Câncer (Iarc, sigla em inglês), instituição especializada da OMS, confirmou em estudo a relação direta do agrotóxico glifosato como agente potencial de câncer em humanos e animais. Para a publicação, trabalharam 17 pesquisadores de 11 países, numa investigação que durou mais de um ano. Com o resultado de ser “provável” que o produto cause a doença, em alguns lugares, como na Colômbia, o governo suspendeu as pulverizações aéreas com o herbicida em áreas de cultivo ilegal de coca devido aos possíveis efeitos nocivos do produto à saúde.
Aqui no Brasil, em abril, o MPF enviou documento à Anvisa recomendando que “seja concluída com urgência a reavaliação toxicológica do glifosato e que determine o banimento do herbicida no mercado nacional”. O princípio ativo é o mais usado pelos agricultores brasileiros, “principalmente os que adotam o modelo de monocultura”. Apesar da polêmica e do pedido do MPF, que vem desde 2008, o produto ainda continua sendo usado e comercializado e, segundo a Anvisa, está em processo de reavaliação e não se sabe quando ele vai poder ser retirado de circulação. A agência também informou que o produto é registrado no país desde 2005. Mas desde 2008 vêm sendo questionados seus riscos para a saúde humana (veja quadro).
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), responsável pelo registro dos produtos depois da avaliação da Anvisa e do Ibama, também não se pronuncia e alega esperar o posicionamento da vigilância sanitária. “Deveria ser proibido no Brasil. A pesquisa do Iarc é muito séria, foi feita em 11 países e não é um aviso qualquer, vem da OMS”, defende o coordenador do serviço de oncologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG), André Murad. Segundo ele, é mais seguro para os brasileiros retirar o herbicida do mercado. “A indústria é que tem que provar que o produto é seguro. Uma vez liberada para o consumo, a substância contamina solo, riachos e o gado. Ele afeta a estrutura do DNA das células humanas e, de acordo com a OMS, pode causar câncer”, avisa o oncologista, certo de que, caso não seja banido do país, os riscos são inevitáveis.
A polêmica ganha força diante dos números. O uso do glifosato aumentou quase 200% entre 2002 e 2011. Passou de 44 mil para 132 mil toneladas por ano. Somente em 2013, no Brasil, foram comercializadas 186 mil toneladas da substância. Geralmente, o produto é usado em lavouras de soja transgênica. O glifosato, ingrediente ativo do herbicida Roundup, é desenvolvido pela empresa Monsanto. O Estado de Minas entrou em contato com a Monsanto, que, em nota, negou que o produto cause malefícios à saúde humana. “Todos os usos de produtos registrados à base de glifosato são seguros para a saúde e o meio ambiente, o que é comprovado por um dos maiores bancos de dados científicos já compilados sobre um produto agrícola. Para estar no mercado, todo herbicida à base de glifosato precisa atender padrões rigorosos determinados por autoridades regulatórias, visando proteger a saúde humana, animal e o meio ambiente. Essa base científica é apoiada também pelo amplo histórico de uso seguro do glifosato. Trata-se de um dos herbicidas mais usados no mundo, por mais de 40 anos e em mais de 160 países, sendo produzido e comercializado por diversas empresas”, diz o texto.
Em relação à pesquisa da Iarc, a empresa ressaltou que o instituto da OMS não considerou dezenas de estudos científicos e avaliações de agências regulatórias de todo o mundo, que suportam a conclusão de que o glifosato não é um risco para a saúde humana. “A classificação da Iarc diverge do grande número de avaliações conduzidas, ao longo dos anos, por centenas de cientistas de diversos países, responsáveis por garantir a segurança da população”, diz a nota. A assessoria de imprensa do MPF informou que os responsáveis pelo caso esperam posicionamento da Anvisa para se pronunciarem.
Na visão da presidente da Associação Nacional de Biossegurança, Leila Macedo, o uso do glifosato é seguro. “Só no Brasil, mais de 50 empresas têm registro para a comercialização do glifosato. Os mais de 800 estudos já realizados sobre a segurança do glifosato foram avaliados por agências regulatórias dos diversos países onde o produto é comercializado, considerando que o herbicida é seguro quando usado de acordo com as instruções do rótulo”, comenta Leila. Segundo ela, atualmente, cerca de 50 empresas usam produtos que têm o glifosato como ingrediente ativo registrado junto ao Mapa.
Leila também defende que não há nenhuma evidência científica validada que associe o uso do glifosato a casos de câncer ou qualquer outro dano à saúde humana ou animal. “As agências regulatórias mais exigentes do mundo, como a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) e o Instituto Federal de Avaliação de Risco da Alemanha (BfR), concluíram que o glifosato é um produto seguro. O único a questionar essa segurança é a Iarc, que contradiz os sistemas regulatórios mais robustos e rigorosos, como os da União Europeia e dos Estados Unidos, que não encontraram no glifosato riscos de causar câncer em seres humanos depois de revisões extensas de testes de longa duração”, argumenta. Ainda segundo Leila, o produto é uma das moléculas mais eficientes entre os herbicidas já introduzidos no mercado para o controle de plantas daninhas e, por isso, é usado em todas as principais áreas agrícolas do planeta.
Entenda o caso
Em 2008, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou à Anvisa reavaliação toxicológica de integrantes ativos de agrotóxicos: parationa metílica, lactofem, forato, carbofurano, abamectina, tiram, paraquate, 2,4-D e glifosato. Cinco anos depois, nada havia sido concluído.
No início de 2014, o MPF entrou na Justiça Federal com ação civil ública pedindo que a Anvisa reavaliasse os integrantes de agrotóxicos m até 180 dias.
Em dezembro de 2014, a Anvisa resolveu banir duas susbtâncias que estavam na lista do MPF: o forato e a parationa metílica.
Em março de 2015, a OMS reconheceu que o glifosato é, provavelmente, causador de câncer em humanos.
Em abril de 2015, o MPF fez a recomendação novamente à Anvisa para concluir a reavaliação toxicológica do glifosato e bani-lo do território nacional.