Mapa da esclerose múltipla: 30 mil brasileiros convivem com a doença
Levantamento realizado em mais de 100 países apresenta aumento no número de diagnósticos, assim como de neurologistas e de tratamentos para os pacientes.
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Adriana é uma das 2,3 milhões de pessoas que convivem com a doença no mundo. Dados do Atlas da EM 2013, elaborado pela Federação Internacional de Esclerose Múltipla, revelam que os pacientes têm, em média, 30 anos quando recebem o diagnóstico da doença. O levantamento é o mais recente estudo global sobre a enfermidade, consolidado a partir de informações coletadas em mais de 100 países. O mapa faz uma comparação do cenário da EM em diferentes regiões do mundo e inclui dados sobre epidemiologia, acesso a diagnóstico, acompanhamento clínico, informações sobre o uso de medicamentos e tratamentos, além de formação de neurologistas e dos recursos disponíveis para atender os pacientes.
Quando comparado ao estudo anterior, publicado em 2008, houve aumento de 10% no total de pessoas diagnosticadas, mas a boa notícia é que, em todo o mundo, também registrou-se melhora na qualidade de vida dos pacientes. Por aqui, no entanto, os avanços registrados não foram tão impactantes. “Ainda estamos muito longe da situação ideal. O deficit de profissionais especializados, assim como o de equipamentos, é grande, principalmente no interior do país”, afirma a diretora superintende da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (Abem), Suely Berner. Segundo o Ministério da Saúde, no país, aproximadamente 30 mil pessoas convivem com a doença.
Apesar de o cenário nacional ainda estar bem distante do ideal, em nível mundial, houve progressos. O aumento de 30% no número de neurologistas e de 50% no número de aparelhos de ressonância magnética — necessários para diagnóstico da EM e acompanhamento das lesões decorrentes da doença — foram os dois principais avanços. Especialistas suspeitam, inclusive, que isso tenha ligação com o crescimento do número de casos registrados, visto que, com mais recursos técnicos e humanos, fica mais fácil perceber precocemente os sinais da doença nos pacientes.
Classificada no Brasil como doença rara, a esclerose múltipla ainda é pouco conhecida pela população. Apesar de receberem os medicamentos para tratar a patologia gratuitamente, por meio do Ministério da Saúde, os pacientes não contam com serviços multidisciplinares para atender às especificidades da doença. “Lidamos com uma patologia que pode acarretar muitas incapacitações em várias esferas. É preciso reabilitar com intenção de recuperar funções e evitar agravamentos. Para que isso seja possível é importante se unir o conhecimento e o olhar de vários profissionais para potencializar os ganhos e melhorar a qualidade de vida dos pacientes”, avalia a neurologista Liliana Russo.
No DF, essa deficiência é claramente percebida. Sem plano de saúde, Mell Soares, 31 anos, sente na pele a falta de assistência especializada aos pacientes. Diagnosticada há cinco anos, desde que começou o tratamento no Hospital de Base, nunca teve acompanhamento de fisioterapeuta ou oftalmologista, por exemplo. “Tenho uma fraqueza grande na perna direita e, por conta disso, não aguento andar por muito tempo”, conta. Sem trabalhar desde que recebeu o diagnóstico, ela já usou quase todas as opções terapêuticas disponíveis para a doença: interferons, acetato de glatirâmer e natalizumabe. Este último, toma há quase um ano, mas não conseguiu controlar as crises da doença que, nos últimos 11 meses, foram três.
“O Brasil é um país continental, com várias lacunas que precisam ser preenchidas na sua diversidade regional no que tange a desigualdades de distribuição de profissionais, metodologia diagnóstica, acessibilidade medicamentosa e equipes multidisciplinares”, observa Liliana Russo. Além dessas disparidades, a distribuição geográfica dos casos intriga os especialistas. De acordo com estudos de prevalência, Santa Maria (RS) tem média de 27 casos por 100 mil habitantes e é a cidade brasileira com maior incidência da doença, seguida por Belo Horizonte (18), Botucatu (17), Santos (15), São Paulo (15), Uberaba (12) e Recife (1,36) 2 a 8. A média nacional é de 18 ocorrências a cada 100 mil habitantes.
A esclerose múltipla é uma doença autoimune, que ataca a mielina (proteína que reveste os neurônios e facilita a condução dos impulsos nervosos) e provoca inflamações no cérebro e na medula. Os sintomas podem variar a depender da região afetada e incluem visão dupla, dificuldade para andar, fadiga crônica, falta de coordenação motora, tremor no movimento, perda do equilíbrio, comprometimento da visão, da fala e do funcionamento, da memória e problemas no sistema urinário, entre outros. Essas manifestações neurológicas agudas e bem definidas são intercaladas com períodos de estabilidade
Eles não acontecem o tempo todo, mas na forma de surtos, períodos de sintomas neurológicos agudos e bem definidos que se intercalam com períodos de estabilidade que podem ser acompanhados por sequelas. O diagnóstico da doença é basicamente clínico — feito a partir das obervações de um especialista sobre o quadro apresentado pelo paciente —, mas confirmado por meio de exames, como ressonância magnética e punção lombar.
Com o tempo e a progressão do quadro, o desgaste promovido pela doença causa a degeneração dos tecidos do sistema nervoso. Como consequência, a atrofia cerebral, processo natural que acomete todas as pessoas ao longo da vida, é acelerada. Isso também ocorre com quem sofre de Alzheimer ou demência. A diferença é que os doentes de esclerose múltipla são, em sua maioria, jovens e, caso comecem a perder massa cerebral muito cedo, sofrerão a perda neural por um período muito mais prolongado. A doença é duas vezes mais comum entre as mulheres do que entre os homens e, ao receberem o diagnóstico, os pacientes costumam ter entre 20 e 40 anos.
Medicamentos disponíveis
Os brasileiros que vivem com esclerose múltipla contam com todos os tipos de medicamentos disponíveis para tratar a doença. O Sistema Único de Saúde oferece os remédios mensalmente por meio dos governos dos estados e do Distrito Federal a mais de 13 mil pessoas. Apenas em 2014, os gastos para atender esses pacientes chegaram a R$ 258 milhões.
Até o ano passado, quatro drogas eram fornecidas: interferons, acetato de glatiramer, natalizumabe e azatioprina. Desde janeiro, o Ministério da Saúde passou a fornecer também o fingolimode, primeira medicação oral usada no tratamento da EM. As outras são todas injetáveis. (Veja quadro). Depois de usar todas as terapias disponíveis, desde o ano passado, Adriana Fidelis passou a tomar os comprimidos. “Com cada paciente, ocorre um processo diferente. Brinco dizendo que somos todos cobaias dos remédios”, destaca.
O novo medicamento é uma alternativa de tratamento aos pacientes que não responderam às outras alternativas. Para receber o fingolimode, porém, a pessoa precisa ter apresentado resistência ou não ter atingido resposta aos tratamentos com betainterferona e glatirâmer, ou diante da impossibilidade do uso de natalizumabe. O Brasil, de acordo com dados do Atlas da EM 2013, encaixa-se na categoria de países de renda média alta que oferecem todas as opções de tratamento aos pacientes.
Mais afetadas
A proporção entre mulheres e homens com esclerose múltipla é consideravelmente mais elevada em algumas regiões, como a Ásia Oriental, onde a relação é de 3 para 1. Nas Américas, a taxa é de 2,6.
Suely Berner, diretora superintendente da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (Abem)
O diagnóstico é basicamente clínico e deve ser complementado por ressonância magnética. Além disso, o diagnóstico correto é feito, geralmente, por um neurologista. O número de médicos aumentou 30% desde 2008, e o de aparelhos de ressonância dobrou nos últimos cinco anos, especialmente em países emergentes. No entanto, não está claro se o aumento na prevalência média global se deve a melhores diagnósticos e ferramentas para reporte ou a outras causas.
O número de brasileiros com a doença segue inalterado ou houve crescimento também?
De acordo com o Ministério da Saúde, aproximadamente 30 mil brasileiros são pacientes de esclerose múltipla, o que equivale a 18 casos por 100 mil habitantes.
Além de medicamentos, o Estado brasileiro consegue atender o paciente com EM em outras demandas, como atendimento psicológico ou fisioterapia?
Embora haja centros de referência gratuitos em esclerose múltipla e as próprias associações de assistência ao paciente, como a Abem, eles não são suficientes para atender todos os pacientes no Brasil. O SUS não dispõe hoje de uma política dedicada a assistência dos pacientes, tampouco de profissionais especializados no assunto para assegurar que terapias complementares à medicação sejam ofertadas adequadamente.
Opções
Confira os medicamentos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde a pacientes com esclerose múltipla.
- Acetato de glatiramer: atua na modulação do sistema imunológico. Tem efeito anti-inflamatório, melhora a neuroproteção e a regeneração dos elementos neurais no cérebro.
- Interferons: são imunomoduladores e agem reduzindo o número de crises e diminuindo as complicações. São ministrados por injeção intramuscular e podem ser aplicados diariamente, uma ou três vezes por semana (a depender do tipo de medicamento).
- Natalizumabe: é um imunossupressor (anticorpo monoclonal) indicado como medicamento de segunda linha. Impede a adesão e a entrada de linfócitos no sistema nervoso central, atuando diretamente na barreira entre o sangue e o cérebro. A administração é intravenosa, com aplicação de uma dose a cada mês.
- Fingolimode: atua como imunossupressor e imunomodulador, também indicado como medicamento de segunda linha. Reduz a frequência de reincidências, retarda a progressão da incapacidade e da atrofia cerebral.
* Azatioprina: foi um dos primeiros imunossupressores utilizados para tratar doenças autoimunes. É considerada uma droga modificadora da doença e pode ser usada simultaneamente com o interferon.
* É disponibilizada pelas secretarias de Saúde dos estados e do Distrito Federal.
Evolução
Médicos e pesquisadores ainda não descobriram as causas da esclerose múltipla, que pode se manifestar de quatro formas:
Remitente recorrente
- Evolui em surtos que ocorrem de maneira súbita e podem deixar sequelas. É a forma mais comum da doença.
Primária progressiva
- Representa de 15% a 20% dos casos de EM e tende a afetar pessoas acima de 40 anos. É mais comum em homens. Não há ocorrência de surtos, mas de sintomas acumulados ao longo do tempo.
Secundária progressiva
- Acomete pacientes que evoluíram da forma remitente recorrente e apresentam piora lenta e progressiva. Em geral, esse processo se dá em 20 anos.
Progressivo primária
- Apresenta evolução dos sintomas e das sequelas desde o aparecimento dos primeiros sinais.