Conheça a história de quem foi diagnosticado e reconhece o sofrimento psiquiátrico

Ter consciência de um diagnóstico psiquiátrico significa conhecer também o preconceito que ronda pessoas deprimidas, obsessivas, esquizofrênicas ou que tenham qualquer outro problema já batizado pela ciência. Aqui, elas próprias explicam a sua dor

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Flávia Duarte - Revista do CB Publicação:18/07/2015 10:00Atualização:16/07/2015 14:24
Maria Clarice Gomes: um longo caminho até se reconhecer como paciente e receber tratamento  (Zuleika de Souza/CB/D.A Press)
Maria Clarice Gomes: um longo caminho até se reconhecer como paciente e receber tratamento

Elias se queixa de que, apesar dos 40 anos de vida, a família ainda o trata como criança. Diz que as irmãs mais velhas, muitas vezes, não levam em consideração o que ele tem a dizer. Cerceado do direito de se expressar, decidiu morar só. Em casa, é dono do próprio nariz e da própria voz. Já Marcela não quer compartilhar o sofrimento que carrega dentro de si com os parentes. Acredita que dividir o peso é levar angústia para quem, segundo ela, não teria “nada a ver com os seus problemas”. Prefere desabafar com os profissionais preparados para lidar com os casos como o dela. Se precisa de um ouvido de imediato, conversa com o espelho. Nos últimos tempos, começou a escrever um blog. Ali, encontrou a possibilidade de dar voz aos conflitos que carrega. Mesmo sufoco pelo silêncio forçado sentia o jornalista americano David Adam. Diagnosticado com TOC, decidiu escrever um livro sobre seus pensamentos obsessivos e comportamentos compulsivos. O homem que não conseguia parar — o TOC e a história real de uma vida perdida em pensamentos acaba se ser lançado no Brasil. O objetivo de Adam ao escrevê-lo era esclarecer aos leigos como funciona o transtorno mental, diminuir os preconceitos e organizar, em palavras, os pensamentos desgovernados que atormentam sua mente há mais de duas décadas.

Todas essas pessoas são vítimas do descontrole da própria mente. Difícil saber quem não é, na verdade. “Um grau de 100% de saúde mental é inatingível”, garante o psiquiatra Eduardo Tisher, psicoterapeuta do Programa de Doenças Afetivas do Departamento de Psiquiatria da Unifesp (Prodaf). “Segundo uma pesquisa do Hospital das Clínicas, cerca de 45% das pessoas entrevistadas apresentam algum sintoma de doença mental”, acrescenta. Isso quer dizer que em algum momento da vida, todas as pessoas passarão por um grau de sofrimento e de estresse. O que varia é a forma de domar esse tsunami emocional. Algumas vezes, é controlável e superável. Em outros casos, se manifesta em sintomas, em doenças batizadas pela psiquiatria e que precisam ser controladas por medicamentos.

“Isso é sofrimento e todo mundo tem, mas cada um expressa de modo diferente. O que varia é apenas a intensidade. Às vezes, é tão intenso que essas pessoas precisam navegar em uma realidade paralela”, explica a psicanalista Tânia Inessa, professora do Uniceub e coordenador do Projeto Interdisciplinares de Saúde Mental do UniCeub. “São pessoas com histórias de vida muito intensas e profundo sofrimento psíquico. Algumas estão mais predispostas a ter sintomas e isso depende de três fatores: do apoio social que recebem, da vulnerabilidade psíquica e da disposição de ferramentas emocionais que têm para lidar com os problemas”, acrescenta a especialista.

Se a definição de loucura significa “a perda do juízo, da capacidade de se autodeterminar, de saber quem eu sou, de como interajo com o mundo externo, se posso discernir o que é conveniente do que não é”, — como explica João Romildo Bueno, diretor da Associação Brasileira de Psquiatria, professor do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da UFRJ —, pode-se dizer que todos são loucos em certos momentos da vida. “Refém da própria mente todo mundo é”, reforça o psiquiatra Ricardo Lins, coordenador do programa de Saúde Mental no DF. Para alguns, no entanto, esses momentos são mais profundos, persistentes e crônicos.

Uma vez instalado o quadro patológico, surge o preconceito por parte de quem está do lado de fora. Esses pacientes são visto como loucos, paranoicos. Pelo conceito, loucura pode ser é um estado psíquico que leva a uma visão da vida fora da realidade. Se vivem em um mundo paralelo, o que dizem e o que sentem não teria valor, segundo o estigma social. Merecem ser calados e os pensamentos acalmados com drogas que tentam estabilizar o humor e as confusões da mente. A avaliação equivocada é carregada de desconhecimento. Ao contrário do que se imagina, pacientes que convivem com alguma patologia psiquiátrica têm noção clara de algumas limitações a que estão expostos, sofrem com o diagnóstico e estão dispostos a lutar por igualdade de direitos e inserção social.

Se eles querem falar, fomos ouvi-los. Convidamos, para descrever o próprio drama, homens e mulheres com algum quadro psiquiátrico, com diagnóstico de algum transtorno mental ou neurológico, que por vezes altera o pensamento ou os distanciam do momento presente e modificam a percepção que eles têm do mundo. São discursos conscientes de que, por vezes, as rédeas da imaginação assumem o controle da realidade. No entanto, eles conhecem suas capacidades e querem ser reconhecidos por ela. Sabem do perigo dos rótulos, do qual muitas vezes são vítimas. Ao ganharem voz, seja em um blog privado, seja em vídeos de produção autonôma, seja em um livro, seja numa reportagem, enfrentam as dificuldades internas para falar de temas tão espinhosos. Arriscam a se expor na tentativa de romperem barreiras e mostrarem o lado não adoecido das suas personalidades.

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