Pessoas com fobias precisam tratar o problema para viver sem entraves
Treze por cento dos brasileiros sofrem de um medo intenso diante de situações corriqueiras
Oscar de melhor filme em 2011, O discurso do rei conta a história verídica de George VI, monarca britânico vítima de um problema que afetava, sensivelmente, o exercício de suas atribuições. O pai da rainha Elizabeth II era gago. E, em decorrência disso, tinha pavor de falar em público. Quando se via diante de muitos súditos, ficava ansioso a ponto de emudecer por completo. Se fosse hoje, o caso seria um exemplo clássico de fobia social, uma das três categorias da fobia, um transtorno de ansiedade que acomete grande parte dos brasileiros e precisa de tratamento, segundo especialistas. As outras categorias são agorafobia e fobias específicas.
Médicos psiquiatras afirmam que sentir medo é bom, pois é uma forma de proteção do nosso corpo contra os perigos da vida e do meio que nos cerca. Mas quando esse medo passa a ser uma reação exagerada diante de um estímulo corriqueiro, em vez de proteger atrapalha. Ele provoca no indivíduo sintomas físicos como taquicardia, falta de ar e ataques de pânico.
Ou seja, a fobia é um medo patológico específico e intenso provocado por um objeto ou situação que por si só não acarretaria qualquer perigo, como um botão, por exemplo, ou a figura de um palhaço ou do Papai Noel. O pior é que nem todos os indivíduos estão livres dela. Estudos mostram que 1,3 em cada 10 pessoas – cerca de 13% da população brasileira – desenvolve um tipo de fobia em algum momento da vida, mas pouquíssimas procuram a ajuda de um médico. Dependendo da situação, se ela não for tratada adequadamente pode se prolongar da infância à fase adulta, como ocorreu com a comunicóloga Juliana Campos, de 40 anos.
Ela sofre de uma fobia específica – medo de determinado objeto ou uma situação distinta. As mais comuns estão relacionadas a tempestades, altura, doenças e animais. Esse é o caso da profissional. Mas há também fobias específicas relacionadas a eventos como andar de avião ou de elevador, ver sangue ou ferimentos, engasgar e vomitar.
Juliana tem pavor de sapo. Nem consegue falar o nome do batráquio. Ela lembra que começou a sentir medo do bicho quando ainda era pré-adolescente e, mesmo fazendo terapia para depressão, não conseguiu se livrar do problema. “Não cheguei a fazer tratamento específico. Fiz terapia em determinada época para tratar de questões do dia a dia. Como vivo no meio urbano, achava que não era um problema. Mas, de alguma forma, a terapia me ajudou a ficar menos neurótica. Em relação ao que eu era, estou bem melhor.”
NEM BRINQUEDO
Quando se depara com o anfíbio, Juliana afirma entrar em pânico. Só de pensar na possibilidade de encontrar o bicho pela frente ela fica abalada. Por isso, evita passeios no meio do mato. Quando está de folga ou de férias, opta por outro tipo de paisagem. “Meu coração dispara, fico ofegante, começo a tremer... Fico histérica. Tenho de sair do lugar para eliminar a possibilidade de tê-lo por perto. Nem brinquedo eu curto, desenho, nada disso. E não dá para entender o motivo de colocarem aquilo nos parques aquáticos, por exemplo. É desumano! Por isso, prefiro praia.”
As fobias específicas não são tão graves como a fobia social e a agorafobia. O indivíduo que sofre de fobia social, como o rei George VI, tem medo excessivo de ser avaliado ou ser o foco da atenção dos outros. Ele tem receio de ser julgado negativamente. Certos indivíduos têm medo de todo tipo de interação social.
Já a agorafobia é o medo de frequentar locais públicos ou lugares em que a saída possa ser difícil ou constrangedora. Na maioria das vezes ela está associada ao transtorno de pânico. A crise dessas pessoas, geralmente, é causada pelo medo de sofrer ataques de pânico nas situações em que a fuga ou o socorro são dificultados.
A HORA DE BUSCAR AJUDA
As fobias específicas são as mais comuns entre as pessoas e esquisitas na mesma proporção. Normalmente, elas se manifestam na infância e somem com a chegada da juventude. Em certos casos, no entanto, perduram para o resto da vida e, mesmo consideradas menos graves, podem prejudicar as relações interpessoais da pessoa que não buscar ajuda especializada.
O ilustrador André Fidusi, de 38 anos, sofre de emetofobia, um medo excessivo e irracional de vomitar. O tormento começou na pré-adolescência, quando tinha apenas 9 anos, e o acompanhou ao longo de toda a vida, provocando alterações em suas relações interpessoais e problemas de saúde.
Ele não sabe exatamente quando a fobia começou, mas acredita que tenha sido aos 9 mesmo. “Lembro-me de quando passei mal na casa de uma tia e vomitei a noite toda. No dia seguinte, estava tranquilo. Mas o tempo foi passando e fui sentido medo de ocorrer de novo. Dez anos depois, em 1996, fiz uma viagem a Cabo Frio. Acho que comi algo que estava ruim e passei mal a noite toda outra vez. A partir desse episódio, passei a ter pânico só de pensar na possibilidade de vomitar.”
A fobia começou a atrapalhar o cotidiano do ilustrador. Ele evitava sair com os amigos e viajar para não ter de comer na rua. Em casa, restringiu a alimentação e perdeu muito peso. “As pessoas acham que é muita frescura. Não dá para explicar o medo que a gente sente. Houve um tempo em que era muito forte, não comia nada por causa do medo de vomitar, corria o risco de entrar em estado de inanição.”
Ele só conseguiu conviver com o problema e levar uma vida relativamente normal quando buscou tratamento. “Não foi exatamente para a fobia, foi por causa de um princípio de depressão, mas comecei a contar tudo durante as sessões e percebi que não podia ser tão radical. De certa forma, consigo conviver melhor com o problema.”
Jennifer Fernandes, de 21, tem uma fobia ainda mais estranha que a de Fidusi. Desde que se entende por gente, como ela mesma define, a estudante tem medo de botão. “Minha mãe conta que, desde que eu era um bebê, ficava agoniada e chorava muito quando ela colocava roupas que tinham botões em mim. Chorava até ela tirar. É algo que não consigo controlar.”
E a fobia não é de qualquer botão. Ela não suporta os botões de quatro furos. O temor é grande, a ponto de nem chegar perto de quem está vestido com uma roupa que tenha abotoadura. “Na minha família, era motivo de piada. Sempre tive muita vergonha e evitava falar isso com as pessoas. A pior parte foi ter de aturar a minha irmã mais velha me aterrorizando com os botões.”
Jennifer nunca buscou ajuda especializada. Nem pretende. “Isso nunca atrapalhou a minha vida diretamente e, a essa altura, já sei lidar com o problema. Nunca busquei tratamento e não vou buscar, pois me considero uma pessoa normal.”
A fobia de Jennifer é conhecida como koumpounofobia. E, de acordo com matéria publicada no Wall Street Journal, Steve Jobs, fundador da Apple, já falecido, também sofreu do mesmo problema durante toda a vida.
AGULHAS, JAMAIS
O estudante Tiago Almeida, de 17, desde pequeno, tem horror a objetos pontiagudos. Ele sofre de acufobia. “É o clássico e conhecidíssimo medo de agulha, mas em um nível muito mais elevado. Quando era mais novo, tinha problemas com coisas tipo palitos e alfinetes. Sempre me via em desespero, como se aquelas coisas fossem me furar a qualquer momento. Cada ida a um hospital era um vexame. Ficava amarelo, gelado, suando, chorando... sentia, literalmente, que ia morrer.”
Tiago não precisou de tratamento. Com o passar do tempo, a fobia foi desaparecendo. “Ainda sinto certo temor quando preciso tomar uma injeção, por exemplo, mas hoje já consigo passar perto desses objetos. Nunca fiz terapia com ninguém especializado, foi mais o velho método de enfrente seu medo, Tiago... enfrente seu medo! É um medo com o qual consigo conviver.”
MEDO DE TER MEDO
A ansiedade é necessária para a preservação do indivíduo. Segundo o médico psiquiatra Márcio Bernick, coordenador do ambulatório de ansiedade da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), o medo é um instinto de preservação. Sem ele, as pessoas iriam se colocar em situações de risco exagerado. Atravessariam a Avenida Afonso Pena sem olhar para os lados, por exemplo. Mas, com um medo exacerbado, não atravessariam rua alguma. É mais ou menos o que ocorria com a educadora Karinn Machado, diagnosticada com sídrome do pânico em 2001.
Karinn sentia uma ansiedade inexplicável e muita taquicardia. Na época, vivia no hospital, porque achava que morreria. “Foi quando disseram que eu tinha a síndrome. Evitava sair de casa sozinha, dirigir sozinha e estar sozinha em qualquer situação. Comecei a tomar ansiolítico e antidepressivo, porque meu psiquiatra diagnosticou baixa de serotonina no organismo. Na minha família, temos casos semelhantes. Talvez seja uma questão genética”, conta.
A síndrome não é uma fobia. Trata-se do ponto mais forte da ansiedade. De acordo com Bernick, é um medo tão intenso que dificulta a capacidade de raciocínio. É um mal-estar repentino sem ter nada aparente provocando, com sintomas físicos intensos, em geral, falta de ar, tontura e dor de barriga.
Mas ela pode resultar numa das mais graves fobias: a agorafobia. “Na maioria das vezes, a agorafobia está associada ao transtorno de pânico. Nesse caso, a crise é, geralmente, causada pelo medo de sofrer ataques de pânico em situações em que a fuga ou o socorro são dificultados. Crises de pânico são episódios de medo intenso, acompanhados de sintomas físicos, como coração acelerado, falta de ar, tremedeira e formigamentos”, explica o especialista, acrescentando que hipocondria e depressão são outras doenças psíquicas consequentes da síndrome do pânico.
Provavelmente, a educadora desenvolveu a fobia. “Como consequência, nao sei definir, mas tenho medo de ficar presa em lugares pequenos e de que não tenho possibilidade de sair facilmente, como avião e elevador. Também não gosto de roupas que me apertem.”
Karinn tem alguns dos sintomas clássicos da agorafobia. Geralmente, o agorafóbico sente ansiedade de estar em locais ou situações em que a saída seja dificultada, não gosta de andar de avião, de trem ou de metrô, não suporta locais fechados e evita viajar.
A educadora conta que, certa vez, por causa de uma crise de pânico, desistiu de viajar com a família momentos antes de o avião decolar. Todos já estavam dentro da aeronave que os levaria para a viagem de férias. Mas ela foi acometida por um medo intenso e voltou para casa sozinha.
Atualmente, ela consegue administrar o problema. “Continuo tomando o ansiolítico e o antidepressivo, pois me sinto bem com eles. Hoje, consigo controlar melhor os sintomas e as crises com exercícios de respiração e tendo, principalmente, consciência do que eu tenho. Não tenho problema em tomar a medicação, pois costumo dizer para aqueles que me criticam que é como se eu tivesse diabetes, ou seja, preciso controlar com medicamentos. E os medicamentos estão aí para isso. O autoconhecimento e a maturidade também ajudam bastante, pois respeito e conheço os meus limites.”
ACEITE
Aceitar o problema é justamente o primeiro passo para o tratamento. Seja das fobias ou de qualquer doença da ansiedade, segundo Márcio Bernick. “As fobias precisam ser encaradas como qualquer outra doença, não há motivo para se ter vergonha. É muito comum que o indivíduo considere seu medo como excessivo ou irracional, e essa preocupação, muitas vezes, retarda a busca por auxílio e prolonga o sofrimento. Uma vez que a fobia esteja realmente estabelecida, dificilmente será controlada sem um tratamento adequado.”
O tratamento da agorafobia e da fobia social exige o uso de medicações, de acordo com o médico, mais terapia comportamental baseada na exposição progressiva ao objeto temido. “A principal técnica que a psicoterapia cognitivo-comportamental propõe para o tratamento das fobias é uma forma organizada e progressiva de confronto com os medos, chamada de terapia de exposição. Podem-se utilizar técnicas de relaxamento para ajudar a controlar a ansiedade, além de mudanças nos padrões de pensamento.”
Já para as fobias específicas, apenas a terapia comportamental resolve, assegura Bernik. “O fundamental, porém, é que as pessoas compreendam que as fobias são problema de saúde como qualquer outro e que existem tratamentos eficazes e capazes de fazer com que elas voltem a ter uma vida sem limitações.”
ENTREVISTA
Márcio Bernik é médico psiquiatra e coordenador do programa de ansiedade da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP). Em entrevista ao Estado de Minas, ele cita os diferentes tipos de fobias e afirma que um comportamento fóbico reflete-se no campo afetivo e profissional, além de comprometer a qualidade de vida. Segundo o profissional, quanto mais cedo o problema for enfrentado, melhores serão os resultados.
O que caracteriza uma fobia?
O mais importante é sabermos que medos e ansiedades são mecanismos cerebrais de defesa naturais do ser humano diante de uma situação de risco, como morte física, ostracismos e morte social (o indivíduo tornar-se improdutivo e, por não desempenhar os papéis postulados pela sociedade de consumo, permance, diante dela, marginal e à parte da vida social). A fobia é diferente, porque depende da proximidade da fonte de perigo. Diante dessa proximidade, o indivíduo passa a ter um sentimento de perigo iminente de destruição e que quando provoca sofrimento intenso, prejudica. É um transtorno de ansiedade.
Quando elas surgem, normalmente?
A maioria surge na infância e tende à remissão ao longo da idade. Mas, se o indivíduo chegar aos 18 anos com o problema e sem ser tratado, tende a permancer, especialmente as fobias específicas. Mas a maioria delas é fobia sobre estímulos prepotentes. Por exemplo: crianças temem estranhos, altura, tempestades, animais pequenos, escuro...
O que são fobias específicas?
São o transtorno mais comum na população, especialmente em crianças. É um medo de um determinado objeto ou situação específica. As mais comuns estão relacionadas a animais, doenças, altura, escuro, andar de avião ou de elevador, ver sangue ou ferimentos, engasgar e vomitar.
E fobias sociais?
É um transtorno de ansiedade específico. Nela, o indivíduo tem um medo excessivo de ser avaliado ou de ser o foco da atenção dos outros. A pessoa receia ser julgada de forma negativa ou que os outros pensem que ela é incompetente ou estranha. Entre as situações comumente temidas, estão falar ou comer em público e escrever sob a observação de outros. O indivíduo pode até se sentir confortável com amigos de infância, mas jamais na frente do chefe. Essa fobia tende a começar na adolescência, que é quando se iniciam as relações interpessoais. Não se trata de timidez. Nesse caso, a ansiedade é normal. Na fobia social, essa ansiedade é excessiva e persistente, chegando o indivíduo a evitar eventos sociais. Normalmente, o medo e a ansiedade começam dias antes do acontecimento.
Agorafobia também é um tipo de fobia. Quais são as suas características?
Ela é o medo de frequentar locais públicos ou lugares em que a saída possa ser difícil ou constrangedora. O indivíduo costuma sentir-se mal se ficar sozinho em lojas cheias, túneis, pontes, elevadores, ônibus, metrô... Na maioria das vezes, ela está associada ao transtorno de pânico não tratado. Crises de pânico são episódios de medo intenso, acompanhados de sintomas físicos, como coração acelerado, falta de ar, tremedeira e formigamentos.
Então, a síndrome do pânico não é uma fobia?
Não. Ela é uma doença específica. Os sintomas são relativamente similares. O que caracteriza o pânico é a forma abrupta e inesperada que os sintomas aparecem e o fato de a crise atingir o ápice em 10 minutos. Na verdade, bastam 30 segundos para o indivíduo, que estava se sentindo bem, ser tomado, inexplicavelmente, por sintomas como boca seca, tremores, taquicardia, falta de ar, mal-estar na barriga ou no peito, sufocamento ou tonturas. E isso ainda vem acompanhado da sensação de que algo trágico, como morte súbita ou enlouquecimento, está para ocorrer.
As fobias têm explicação genética?
Algumas são geneticamente determinadas, como transtornos do pânico e a relacionada ao sangue. A maioria não tem uma causa. Segundo a psiquiatria clássica, as mulheres têm mais depressão, mais distúrbios de ansiedade e alimentares.
Mulheres são mais suscetíveis às fobias?
Às fobias de situações naturais, sim. Estudos também indicam que depressão, pânico, ansiedade e fobia social são distúrbios que acometem mais o sexo feminino. A fobia de sangue é mais comum em homens.