Entenda por que o 'viagra feminino' não vai solucionar os problemas sexuais das mulheres
A flibanserina foi aprovada pela Food and Drugs Administration (FDA), agência reguladora dos EUA, com a promessa de aumentar o desejo sexual, mas a falta de libido tem inúmeras causas e pode ser sintoma de uma série de doenças
Valéria Mendes - Saúde Plena
Publicação:20/08/2015 12:28Atualização: 24/08/2015 11:04
Professora da Escola de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da USP, Carmita Abdo afirma que a chegada da flibanserina ao mercado norte-americano é um fato positivo. “Sem entrar no mérito de a substância ser boa ou não, é a primeira vez que um órgão regulador aprova um medicamento para que as mulheres melhorem a sua função sexual. Rompe-se uma barreira de considerar a necessidade feminina e, junto com essa aprovação, temos uma mudança de paradigma”, pontua.
Sexólogo e membro da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (SOGIMG), Gerson Lopes diz que o viés machista persiste nas pesquisas que são desenvolvidas em relação à saúde da mulher. “Temos muitos trabalhos quando pensamos em reprodução feminina, temos muitos trabalhos quando nos referimos ao prazer masculino, mas não vemos o mesmo interesse em se pesquisar o prazer da mulher”, reforça.
Dentro dessa perspectiva, os especialistas consideram a notícia um fato positivo, mas quando pensam na eficácia e efeitos colaterais da substância em si são mais cautelosos. O medicamento que exige prescrição e acompanhamento médico foi desenvolvido para mulheres na fase da pré-menopausa que relatam a persistência da falta de desejo sexual.
Para Carmita Abdo, entretanto, não é toda mulher com falta de libido que se beneficiará dos efeitos da droga no organismo. “Às vezes a falta de desejo é sintoma de outros problemas como deficiência hormonal, conflito relacional sério, casamento desgastado ou depressão. Não será um remédio que vai resolver nesses casos. O problema anterior é que precisa ser combatido”, explica.
Ao contrário da classe de medicamentos pró-erétil - popularmente conhecidos como Viagra - que atuam perifericamente apenas nos órgãos sexuais, a flibanserina tem ação no sistema nervoso central modificando a concentração de neurotransmisssores no corpo. Os efeitos colaterais incluem desmaios, diminuição da pressão arterial, sonolência, náuseas e tonturas. Além disso, não deve ser associado ao consumo de álcool. A atenção médica é imprescindível no caso do uso dessa substância pelas mulheres.
O sexólogo Gerson Lopes rechaça a expressão que o medicamento ganhou no Brasil. Para ele, o nome ‘viagra feminino’ não reflete a diferença que é preciso ser estabelecida entre os medicamentos. Para ele, a efetividade da flibanserina é algo que se provará na prática com a sua comercialização. “Não é uma droga mágica e não chega aos pés das drogas desenvolvidas para ajudar na ereção do homem e que representam uma verdadeira revolução masculina”, pondera.
Um teste clínico feito com a flibanserina mostrou que as mulheres que fizeram uso do medicamento afirmaram ter tido, em média, 4,4 experiências sexuais satisfatórias em um mês. Já o grupo que consumiu o placebo, relatou 3,7 experiências sexuais satisfatórias.
Outra diferença em relação ao Viagra é que não basta tomar um comprimido. O efeito só é percebido com o uso continuado e após algumas semanas de consumo diário.
Carmita Abdo não acredita que, isoladamente, a flibanserina vá mudar a experiência sexual das mulheres, mas, para ela, a entrada do medicamento ao mercado é um acontecimento que vai proporcionar à mulher mais informação sobre a própria sexualidade. “Vamos ter mais informação, menos tabu e mais conceitos baseados em evidência científica do que é a sexualidade feminina, quais são seus bloqueios e quais as possibilidades para superá-los”, diz.
Preparo médico
A coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da USP defende que a formação médica deve incluir a disciplina de medicina sexual. “As escolas devem preparar os alunos para essa nova era para que as medicações que tratam as disfunções sexuais sejam administradas de forma correta com todo o arsenal de conhecimento disponível sobre o tema”, pontua. No caso dos profissionais que já se formaram, é hora de reciclar os conhecimento. “Digo e repito: a resolução das questões sexuais das mulheres envolve aspectos biopsicosociocultural”, reforça.
Para ela, o tratamento das dificuldades sexuais exige recursos dos mais diversos que incluem melhores hábitos de vida, exercícios físicos regulares, dormir o quanto a pessoa tem necessidade, evitar bebidas alcoólicas, conseguir administrar bem o estresse diário. “Doenças relacionadas ao sistema reprodutor e todas aquelas que afetam a oferta de sangue para os genitais, como a hipertensão, influenciam a libido. Depressão e ansiedade são também inimigas do desejo sexual”, reforça.
Descoberta acidental
A ação da flibanserina no desejo sexual foi descoberta, assim como ocorreu com Viagra, acidentalmente. A empresa Boehringer Ingelheim pesquisava a molécula para atuar como um antidepressivo e as mulheres que usaram o medicamento relataram um aumento no desejo sexual. Em 2010, a corporação tentou a aprovação na FDA, que foi negada.
Em seguida, a Sprout comprou a fórmula que, em 2013, também foi rejeitada pela agência dos EUA. As especulações em relação à aprovação que ocorreu em 18 de agosto se dividem entre os que acreditam que o ativismo feminino pressionou a agência reguladora e aqueles que afirmam que a farmacêutica teria pagado custos de entidades que defendem o direito das mulheres e do consumidor.
No Brasil
A flibanserina chega ao mercado norte-americano com o nome comercial Addyi. Apesar de a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não poder divulgar se o pedido de registro já foi feito no Brasil, já que o procedimento é sigiloso, a expectativa é de que o aval da FDA seja um facilitador para a entrada da droga no país.
O órgão explica que se um medicamento não está no mercado brasileiro os motivos são:
1. Nenhum pedido de registro foi apresentado à Anvisa
2. O produto não comprovou eficácia e segurança e por isso o pedido foi indeferido
3. A substância faz parte de uma lista de produtos banidos por falta de segurança ou proibição legal (exemplo: anfetamínicos, LSD, etc)
4. O medicamento ainda está em análise na Anvisa.
5. O produto ainda está em fase de pesquisa.
Saiba mais...
Por si só, a falta de desejo sexual não é considerada nem pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e nem pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) da Associação de Psiquiatria Americana (APA) uma anormalidade. A questão só passa a ser considerada um problema a partir do momento em que a pessoa nessa condição sofre. Assim, se a mulher se sente angustiada pela falta de desejo sexual ela pode (e deve) procurar uma solução, que nem sempre estará associada a um medicamento. A aprovação da flibanserina pela Food and Drugs Administration (FDA), agência reguladora dos Estados Unidos, traz essa discussão para o espaço público na medida em que a substância chega ao mercado norte-americano com a promessa de aumentar o desejo sexual. Professora da Escola de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da USP, Carmita Abdo afirma que a chegada da flibanserina ao mercado norte-americano é um fato positivo. “Sem entrar no mérito de a substância ser boa ou não, é a primeira vez que um órgão regulador aprova um medicamento para que as mulheres melhorem a sua função sexual. Rompe-se uma barreira de considerar a necessidade feminina e, junto com essa aprovação, temos uma mudança de paradigma”, pontua.
Sexólogo e membro da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (SOGIMG), Gerson Lopes diz que o viés machista persiste nas pesquisas que são desenvolvidas em relação à saúde da mulher. “Temos muitos trabalhos quando pensamos em reprodução feminina, temos muitos trabalhos quando nos referimos ao prazer masculino, mas não vemos o mesmo interesse em se pesquisar o prazer da mulher”, reforça.
Dentro dessa perspectiva, os especialistas consideram a notícia um fato positivo, mas quando pensam na eficácia e efeitos colaterais da substância em si são mais cautelosos. O medicamento que exige prescrição e acompanhamento médico foi desenvolvido para mulheres na fase da pré-menopausa que relatam a persistência da falta de desejo sexual.
Para Carmita Abdo, entretanto, não é toda mulher com falta de libido que se beneficiará dos efeitos da droga no organismo. “Às vezes a falta de desejo é sintoma de outros problemas como deficiência hormonal, conflito relacional sério, casamento desgastado ou depressão. Não será um remédio que vai resolver nesses casos. O problema anterior é que precisa ser combatido”, explica.
Ao contrário da classe de medicamentos pró-erétil - popularmente conhecidos como Viagra - que atuam perifericamente apenas nos órgãos sexuais, a flibanserina tem ação no sistema nervoso central modificando a concentração de neurotransmisssores no corpo. Os efeitos colaterais incluem desmaios, diminuição da pressão arterial, sonolência, náuseas e tonturas. Além disso, não deve ser associado ao consumo de álcool. A atenção médica é imprescindível no caso do uso dessa substância pelas mulheres.
O sexólogo Gerson Lopes rechaça a expressão que o medicamento ganhou no Brasil. Para ele, o nome ‘viagra feminino’ não reflete a diferença que é preciso ser estabelecida entre os medicamentos. Para ele, a efetividade da flibanserina é algo que se provará na prática com a sua comercialização. “Não é uma droga mágica e não chega aos pés das drogas desenvolvidas para ajudar na ereção do homem e que representam uma verdadeira revolução masculina”, pondera.
Um teste clínico feito com a flibanserina mostrou que as mulheres que fizeram uso do medicamento afirmaram ter tido, em média, 4,4 experiências sexuais satisfatórias em um mês. Já o grupo que consumiu o placebo, relatou 3,7 experiências sexuais satisfatórias.
Outra diferença em relação ao Viagra é que não basta tomar um comprimido. O efeito só é percebido com o uso continuado e após algumas semanas de consumo diário.
Carmita Abdo não acredita que, isoladamente, a flibanserina vá mudar a experiência sexual das mulheres, mas, para ela, a entrada do medicamento ao mercado é um acontecimento que vai proporcionar à mulher mais informação sobre a própria sexualidade. “Vamos ter mais informação, menos tabu e mais conceitos baseados em evidência científica do que é a sexualidade feminina, quais são seus bloqueios e quais as possibilidades para superá-los”, diz.
Preparo médico
A coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da USP defende que a formação médica deve incluir a disciplina de medicina sexual. “As escolas devem preparar os alunos para essa nova era para que as medicações que tratam as disfunções sexuais sejam administradas de forma correta com todo o arsenal de conhecimento disponível sobre o tema”, pontua. No caso dos profissionais que já se formaram, é hora de reciclar os conhecimento. “Digo e repito: a resolução das questões sexuais das mulheres envolve aspectos biopsicosociocultural”, reforça.
Para ela, o tratamento das dificuldades sexuais exige recursos dos mais diversos que incluem melhores hábitos de vida, exercícios físicos regulares, dormir o quanto a pessoa tem necessidade, evitar bebidas alcoólicas, conseguir administrar bem o estresse diário. “Doenças relacionadas ao sistema reprodutor e todas aquelas que afetam a oferta de sangue para os genitais, como a hipertensão, influenciam a libido. Depressão e ansiedade são também inimigas do desejo sexual”, reforça.
Descoberta acidental
A ação da flibanserina no desejo sexual foi descoberta, assim como ocorreu com Viagra, acidentalmente. A empresa Boehringer Ingelheim pesquisava a molécula para atuar como um antidepressivo e as mulheres que usaram o medicamento relataram um aumento no desejo sexual. Em 2010, a corporação tentou a aprovação na FDA, que foi negada.
Em seguida, a Sprout comprou a fórmula que, em 2013, também foi rejeitada pela agência dos EUA. As especulações em relação à aprovação que ocorreu em 18 de agosto se dividem entre os que acreditam que o ativismo feminino pressionou a agência reguladora e aqueles que afirmam que a farmacêutica teria pagado custos de entidades que defendem o direito das mulheres e do consumidor.
No Brasil
A flibanserina chega ao mercado norte-americano com o nome comercial Addyi. Apesar de a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não poder divulgar se o pedido de registro já foi feito no Brasil, já que o procedimento é sigiloso, a expectativa é de que o aval da FDA seja um facilitador para a entrada da droga no país.
O órgão explica que se um medicamento não está no mercado brasileiro os motivos são:
1. Nenhum pedido de registro foi apresentado à Anvisa
2. O produto não comprovou eficácia e segurança e por isso o pedido foi indeferido
3. A substância faz parte de uma lista de produtos banidos por falta de segurança ou proibição legal (exemplo: anfetamínicos, LSD, etc)
4. O medicamento ainda está em análise na Anvisa.
5. O produto ainda está em fase de pesquisa.