Pesquisa explica como mulheres soropositivas conseguem dar à luz filhos que não têm o HIV

Cientistas detectam, em macacos, que fetos expostos ao vírus ficam mais resistentes à ação dele depois que nascem. A descoberta pode ajudar no desenvolvimento de vacinas contra a Aids para humanos

Diminuir Fonte Aumentar Fonte Imprimir Corrigir Notícia Enviar
Vilhena Soares - Correio Braziliense Publicação:25/08/2015 15:00Atualização:25/08/2015 15:27
Observações mostram que a exposição a patógenos infecciosos no útero pode resultar em respostas imunitárias reduzidas ou tolerância (SXC.hu)
Observações mostram que a exposição a patógenos infecciosos no útero pode resultar em respostas imunitárias reduzidas ou tolerância
Um dos mistérios que rondam a medicina é como mulheres soropositivas conseguem dar à luz filhos que não têm o HIV. Pesquisadores dos Estados Unidos tentaram entender esse mecanismo em um experimento com macacos rhesus. Ao colocar filhotes ainda no útero de mães em contato com o SIV, micro-organismo parecido com o HIV e que afeta primatas não humanos, identificaram marcadores imunológicos que protegeram as pequenas cobaias do patógeno. Segundo eles, a descoberta, detalhada na  revista Science Translational Medicine, pode ajudar no desenvolvimento de vacinas contra a Aids.

A equipe liderada por Joseph McCune, chefe da Divisão de Medicina Experimental da Universidade da Califórnia, partiu de estudos anteriores que indicavam a possibilidade de haver uma maior proteção ao vírus em bebês que tinham sido expostos ao HIV antes do nascimento. “Observações mostram que a exposição a patógenos infecciosos no útero pode resultar em respostas imunitárias reduzidas ou tolerância. Temos a hipótese de que a exposição fetal ao HIV pode tornar o feto resistente ao vírus, diminuindo, assim, os danos causados pela infecção na vida adulta”, destacam os autores no estudo divulgado hoje.

Para provar a suspeita, fetos de macacos foram expostos ao vírus da imunodeficiência símia (SIV) em carga reduzida, incapaz de desencadear a doença. Após o nascimento, esses filhotes e os de um grupo de controle que ainda não tinham tido contato com o vírus receberam uma versão mais forte do micro-organismo. Os primeiros mostraram maior resistência à doença do que os pertencentes ao segundo grupo. Não que não tenham ficado doentes, mas o SIV os prejudicou menos.

Os cientistas explicam que, mesmo não sendo 100% eficaz, a barreira à doença mostra um diferencial quanto à exposição precoce de bebês ao vírus. “Os animais expostos ao SIV no útero melhoraram as respostas imunes. Embora o desenvolvimento de uma maior tolerância não tenha sido demonstrado, os resultados apoiam a hipótese de que a exposição a esse vírus durante o primeiro trimestre tem um efeito sobre a resposta do recém-nascido a ele”, ponderam os autores no artigo.

Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais  (Valdo Virgo / CB / D.A Press)
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais


Biomarcadores
No experimento, também foram identificados marcadores imunológicos responsáveis por proteger os macacos do vírus depois do nascimento. Essas substâncias poderão ser exploradas em pesquisas focadas na elaboração de vacinas contra o HIV, servindo, por exemplo, como base para novas fórmulas de proteção. Outra esperança dos investigadores é encontrar uma estratégia que reduza a inflamação causada pelo vírus em humanos.

“As vacinas tradicionais geralmente induzem a ativação da resposta imune, que pode, paradoxalmente, favorecer a replicação viral e a disseminação do vírus. Uma abordagem alternativa para impedir isso seria criar uma vacina que funcionasse impedindo as inflamações durante as fases iniciais da infecção, o que reduziria a propagação do vírus”, explicam os cientistas. Segundo eles, o próximo passo do trabalho será identificar formas de reduzir a inflamação.

Para Alberto Chebabo, infectologista do Laboratório Exame, em Brasília, se alcançada, essa pode ser a grande contribuição do estudo norte-americano. “Realmente, foram encontrados alguns marcadores, novos parâmetros imunológicos, mas não foi observada a resposta que gera menos inflamação, que é o que tem se buscado em pesquisas do tipo e o que tentam as propostas de desenvolvimento de novas vacinas”, destaca o especialista.

Segundo Chebabo, o trabalho precisa de continuidade para render projetos mais concretos, que possam ser usados futuramente para a prevenção e também o tratamento da Aids. “Uma das maiores buscas nessa área é justamente uma estratégia que possa reduzir a atividade inflamatória em pessoas soropositivas porque isso diminui as chances de que outras doenças ocorram. Encontrando essa possibilidade, diminuiríamos o impacto da Aids”, explica.



Pré-natal decisivo
As taxas de transmissão do vírus HIV de mãe para filho podem chegar a 20%, em casos em que não há um acompanhamento pré-natal. Se há apoio médico, o risco costuma ser reduzido para menos de 1%. Para evitar esse tipo de contaminação, são utilizados antirretrovirais, o parto é cesáreo e não há amamentação. O bebê também recebe medicamentos contra o vírus durante quatro semanas após o nascimento. O teste de HIV geralmente é realizado no primeiro trimestre da gestação, mas pode ocorrer no decorrer da gravidez e até na hora do parto.

COMENTÁRIOS

Os comentários são de responsabilidade exclusiva dos autores.