Presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica afirma que câncer de colo de útero deve ser prioridade no Brasil
Recém-empossado Gustavo Fernandes quer, com governo e médicos, otimizar o tratamento de tumores e torná-lo mais igualitário
Paloma Oliveto - Correio Brazilienze
Publicação:20/11/2015 15:00
Nunca se falou tanto em câncer. Se até pouco tempo muita gente evitava pronunciar a palavra, recorrendo a eufemismos para se referir a esse grupo de doenças, o envelhecimento da população tornou impossível a tarefa de ignorá-lo. Todos têm um amigo, um vizinho ou um parente que recebeu o diagnóstico de neoplasia maligna. Desses, entre 70% e 80% conseguirão ser curados graças à evolução das pesquisas, dos tratamentos e do acesso ao atendimento.
No Brasil, há cerca de 1,5 mil oncologistas clínicos, a especialidade médica que cuida dos pacientes de câncer. São eles que darão a difícil notícia do diagnóstico, explicarão as possibilidades de tratamento, farão as prescrições, assinarão a alta ou oferecerão as melhores opções quando a cura não for mais possível. “Alguns cânceres são altamente curáveis, mas, em outros, o resultado ainda é ruim. O paciente que se cura a gente vê por até cinco meses, depois não vê mais. O que vai mal é o que a gente mais vê. Recebe toda semana, fica mais amigo. Essa é uma dificuldade”, diz Gustavo Fernandes.
Aos 37 anos, o diretor de oncologia do Hospital Sírio-Libanês em Brasília acabou de assumir a presidência da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc), associação que reúne médicos dos 26 estados do país, mais o Distrito Federal. Nesse período, o paraibano de João Pessoa pretende trabalhar com o Ministério da Saúde para definir prioridades no tratamento do câncer. “A gente tem de tentar controlar as individualidades e aprender a priorizar”, afirma, lembrando que não há orçamento para tudo. Outra luta do médico é a atualização da tabela do Sistema Único de Saúde (SUS) e a diminuição da desigualdade no atendimento público.
Entre reuniões oficiais, eventos da Sboc e redação de artigos científicos, Fernandes não deixará de atender em seu consultório, na L2 Sul. “Eu tenho artigos publicados, livros escritos, faço meu papel educacional e de pesquisa, mas minha carreira verdadeira é cuidar das pessoas, é o que gosto de fazer”, diz. Em entrevista, o jovem oncologista especializado em tumores gastrointestinais reforça a necessidade de mudar a forma de encarar o câncer e, mais do que tempo, conseguir oferecer qualidade de vida aos pacientes.
O papel da Sociedade (Brasileira de Oncologia Clínica) é organizar os oncologistas para tentar obter um cuidado melhor do paciente. Primeiro, ela tem um papel educativo. Precisa manter o oncologista atualizado e educado para que ele ofereça o melhor tratamento ao paciente. A primeira coisa que a gente quer fazer é pautar o tratamento dos tumores mais comuns no Brasil e, depois, lançar uma cartilha de prevenção. Temos uma revista científica na sociedade e queremos fazer um movimento para que as publicações nacionais sejam mandadas para ela. Também queremos conversar com o Ministério da Saúde para ver o que é possível fazer a fim de melhorar a condição de atendimento no SUS. A consulta no SUS é R$ 7. Então, é de se perguntar como se consegue atender com um valor dessa natureza.
Colo de útero
Hoje, há uma prioridade que é muito clara no Brasil. Temos o câncer de colo de útero como a principal causa de mortalidade em vários estados. Enquanto isso, em países desenvolvidos, essa doença, quase completamente prevenível, não está nem entre as 10 com mais mortalidade. Trata-se de um trabalho de prevenção e de diagnóstico precoce. A vacina está liberada pelo Ministério da Saúde para crianças de 9 a 13 anos, mas não tem impacto imediato. Se a gente conseguir uma cobertura bacana, daqui a 10, 15 anos, essa mortalidade vai cair de maneira drástica. Agora, as pessoas que não tiveram acesso à vacina e estão infectadas precisam ser atendidas de alguma forma. Exames simples, como papanicolau e uma avaliação clínica comum, permitem o diagnóstico precoce. Essa é uma oportunidade que a gente tem. Você conversa com colegas do Norte, do Nordeste e eles são muito doídos com a quantidade enorme de pacientes de colo de útero que atendem e morrem.
SUS desigual
O Brasil é uma Belíndia. Tem a Bélgica e a Índia. Há populações extremamente pobres, cidades com um ou nenhum médico; e há populações nos grandes centros que vivem com as mesmas condições da Suíça. O SUS também é muito desigual. Se você pega o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, é SUS. Lá tem PET Scan, nove aparelhos de radioterapia, 500 leitos de internação, faz cirurgia robótica, quimioterapia de todos os tipos fundamentais. Não tem tudo, mas 95% do que é possível em um centro de tratamento está lá. Outros lugares, como o Inca e Barretos (Hospital de Câncer), também têm muita coisa. Mas há muitos estados sem equipamento de radioterapia, que falta gente para ler uma lâmina de papanicolau. As queixas que a gente escuta de quem está nos grandes centros e de quem está nas regiões Norte e Nordeste são absolutamente distintas. Um está pedindo, pelo amor de Deus, pela vacina de HPV, pela instalação de um aparelho de radioterapia; outro quer imunoterapia, um tratamento que custa centenas de milhares de reais.
Entrave à pesquisa
O oncologista brasileiro é bem avaliado fora do Brasil. Agora, a pesquisa dentro da oncologia brasileira é muito restrita à produção casuística, a mostrar o que a gente fez etc. Mas a inovação é muito pouca. Nós temos investimento baixo em pesquisa e mecanismos regulatórios para pesquisas internacionais, quando elas precisam entrar no Brasil, que são impeditivos. Até ser aprovado, o trabalho já foi encerrado. Eles (o Conselho Nacional de Saúde) são muito cuidadosos, a intenção é muito boa, que não se coloque o paciente em risco. O ponto é que, se uma pesquisa já foi aprovada na Bélgica, nos Estados Unidos, na Suíça, poderia correr um rito sumário, porque é reavaliar uma coisa que já foi avaliada. Isso termina privando os pacientes no Brasil de receberem tratamentos experimentais. E tem outras situações. O dinheiro da pesquisa financia o sistema de saúde. Se fizer uma pesquisa no SUS, o sistema recebe para fazer tomografia, recebe pelo médico. Então, isso (a burocracia) bloqueia a entrada de dinheiro no sistema. E, quando compramos remédios, compramos por preços muito altos, grande parte desse preço é a pesquisa que está sendo paga. Só que a gente não participa, não recebe por ela. Só entramos na parte ruim da conta. Não geramos conhecimento. O currículo dos médicos termina sendo fraco nesse sentido.
“Cápsula da USP”
Fui convidado para debater a polêmica da fosfoetanolamina sintética na Câmara dos Deputados na semana que vem. De um lado, existem pessoas desesperadas, querendo receber qualquer tipo de tratamento; às vezes, as linhas de tratamento habituais se esgotaram para elas — se tivesse uma pesquisa clínica aberta, talvez entrassem. Por outro lado, existe um grupo de pesquisadores com uma molécula promissora, com estudos laboratoriais favoráveis, mas que não consegue testá-la. Aí, no meio disso, os mecanismos regulatórios não funcionaram nem para inibir a distribuição antes da validação nem para validar; ou seja, nem para fazer os estudos. Ficou um buraco entre uma molécula promissora e pacientes que precisam dela. Em vez de essa lacuna ser preenchida de forma habitual, por motivos vários, foi preenchida por forma alternativa, tomou um atalho. O problema é que ninguém posiciona que todo tipo de tratamento pode ter três resultados: ser inócuo, trazer benefício e trazer malefício. A gente precisava, pelo menos, de dados de segurança dessa substância. Naturalmente, o paciente chega aqui e diz que vai tomar, eu digo que a decisão é dele. Não posso prescrever, mas também não deixo de acompanhar, de atender o telefone... O paciente tem a liberdade dele, fico feliz de estar me contando porque anoto no prontuário e, aí, vamos tocar em frente. Este é um momento para discutir pesquisa. Na verdade, a discussão é essa. O que a gente vai fazer com o desenvolvimento de moléculas no Brasil, sejam elas nacionais ,sejam internacionais. Temos que juntar esses fatores e extrair uma coisa boa disso.
Ônus do envelhecimento
A incidência de câncer na população vai aumentando de uma forma clara com o envelhecimento. O que a gente tem é de aprender a lidar com o câncer. Há dados de estatísticas norte-americanas, mais precisas que as nossas, que indicam que um em cada dois homens americanos tem um diagnóstico de câncer ao longo da vida; uma em três mulheres também. Mas isso não como causa de mortalidade, só de diagnóstico. De fato, é uma doença que a incidência está aumentando muito, e o número de sobreviventes também. Antes, não era tão comum porque as pessoas morriam cedo, de tuberculose, de pneumonia, no primeiro infarto... Outra coisa é que, quando se começou a tratar os pacientes, o resultado era ruim. Hoje, as pessoas vivem mais, tratam mais.
Morte e serenidade
Existe uma luta contra a morte. A gente tem de lutar é pela vida, existe uma diferença razoável nisso. A gente precisa tentar estender a vida da pessoa o máximo possível, com qualidade e com as informações que o paciente precisa ter. Em nem todo tratamento o objetivo é curativo. A morte não é uma derrota, é uma parte inexorável da vida. Se puder adiá-la e com qualidade, tudo bem. Mas não é porque a pessoa tem uma doença incurável que ela é derrotada... Todo mundo vai ter uma doença incurável porque todo mundo precisa partir. Tudo o que o paciente menos precisa é se sentir derrotado. Há uma proporção de casos em que, mesmo que se faça tudo da maneira mais correta possível e que corra tudo da maneira mais adequada, pode dar errado. Esse é o ponto da medicina. Quando as coisas dão errado, é preciso que a gente assuma. Nem o médico é derrotado nem o paciente. Biologicamente, fomos programados para ir embora um dia. A gente fica sempre querendo ficar porque aqui está bom. Esse é um bom sinal. As pessoas gostam da vida e querem viver, mas a gente não pode estragar a vida delas para dar vida em tamanho, a gente tem de dar vida em qualidade. A medicina sempre tem algo a oferecer ao paciente. Pode não ter a cura, mas há o cuidado, o alívio dos sintomas, até mesmo um abraço. É uma questão de conceito. Se você encarar a morte como uma derrota, vai perder um dia, todo mundo vai.
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No Brasil, há cerca de 1,5 mil oncologistas clínicos, a especialidade médica que cuida dos pacientes de câncer. São eles que darão a difícil notícia do diagnóstico, explicarão as possibilidades de tratamento, farão as prescrições, assinarão a alta ou oferecerão as melhores opções quando a cura não for mais possível. “Alguns cânceres são altamente curáveis, mas, em outros, o resultado ainda é ruim. O paciente que se cura a gente vê por até cinco meses, depois não vê mais. O que vai mal é o que a gente mais vê. Recebe toda semana, fica mais amigo. Essa é uma dificuldade”, diz Gustavo Fernandes.
Aos 37 anos, o diretor de oncologia do Hospital Sírio-Libanês em Brasília acabou de assumir a presidência da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc), associação que reúne médicos dos 26 estados do país, mais o Distrito Federal. Nesse período, o paraibano de João Pessoa pretende trabalhar com o Ministério da Saúde para definir prioridades no tratamento do câncer. “A gente tem de tentar controlar as individualidades e aprender a priorizar”, afirma, lembrando que não há orçamento para tudo. Outra luta do médico é a atualização da tabela do Sistema Único de Saúde (SUS) e a diminuição da desigualdade no atendimento público.
Entre reuniões oficiais, eventos da Sboc e redação de artigos científicos, Fernandes não deixará de atender em seu consultório, na L2 Sul. “Eu tenho artigos publicados, livros escritos, faço meu papel educacional e de pesquisa, mas minha carreira verdadeira é cuidar das pessoas, é o que gosto de fazer”, diz. Em entrevista, o jovem oncologista especializado em tumores gastrointestinais reforça a necessidade de mudar a forma de encarar o câncer e, mais do que tempo, conseguir oferecer qualidade de vida aos pacientes.
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O papel da Sociedade (Brasileira de Oncologia Clínica) é organizar os oncologistas para tentar obter um cuidado melhor do paciente. Primeiro, ela tem um papel educativo. Precisa manter o oncologista atualizado e educado para que ele ofereça o melhor tratamento ao paciente. A primeira coisa que a gente quer fazer é pautar o tratamento dos tumores mais comuns no Brasil e, depois, lançar uma cartilha de prevenção. Temos uma revista científica na sociedade e queremos fazer um movimento para que as publicações nacionais sejam mandadas para ela. Também queremos conversar com o Ministério da Saúde para ver o que é possível fazer a fim de melhorar a condição de atendimento no SUS. A consulta no SUS é R$ 7. Então, é de se perguntar como se consegue atender com um valor dessa natureza.
Colo de útero
Hoje, há uma prioridade que é muito clara no Brasil. Temos o câncer de colo de útero como a principal causa de mortalidade em vários estados. Enquanto isso, em países desenvolvidos, essa doença, quase completamente prevenível, não está nem entre as 10 com mais mortalidade. Trata-se de um trabalho de prevenção e de diagnóstico precoce. A vacina está liberada pelo Ministério da Saúde para crianças de 9 a 13 anos, mas não tem impacto imediato. Se a gente conseguir uma cobertura bacana, daqui a 10, 15 anos, essa mortalidade vai cair de maneira drástica. Agora, as pessoas que não tiveram acesso à vacina e estão infectadas precisam ser atendidas de alguma forma. Exames simples, como papanicolau e uma avaliação clínica comum, permitem o diagnóstico precoce. Essa é uma oportunidade que a gente tem. Você conversa com colegas do Norte, do Nordeste e eles são muito doídos com a quantidade enorme de pacientes de colo de útero que atendem e morrem.
SUS desigual
O Brasil é uma Belíndia. Tem a Bélgica e a Índia. Há populações extremamente pobres, cidades com um ou nenhum médico; e há populações nos grandes centros que vivem com as mesmas condições da Suíça. O SUS também é muito desigual. Se você pega o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, é SUS. Lá tem PET Scan, nove aparelhos de radioterapia, 500 leitos de internação, faz cirurgia robótica, quimioterapia de todos os tipos fundamentais. Não tem tudo, mas 95% do que é possível em um centro de tratamento está lá. Outros lugares, como o Inca e Barretos (Hospital de Câncer), também têm muita coisa. Mas há muitos estados sem equipamento de radioterapia, que falta gente para ler uma lâmina de papanicolau. As queixas que a gente escuta de quem está nos grandes centros e de quem está nas regiões Norte e Nordeste são absolutamente distintas. Um está pedindo, pelo amor de Deus, pela vacina de HPV, pela instalação de um aparelho de radioterapia; outro quer imunoterapia, um tratamento que custa centenas de milhares de reais.
Entrave à pesquisa
O oncologista brasileiro é bem avaliado fora do Brasil. Agora, a pesquisa dentro da oncologia brasileira é muito restrita à produção casuística, a mostrar o que a gente fez etc. Mas a inovação é muito pouca. Nós temos investimento baixo em pesquisa e mecanismos regulatórios para pesquisas internacionais, quando elas precisam entrar no Brasil, que são impeditivos. Até ser aprovado, o trabalho já foi encerrado. Eles (o Conselho Nacional de Saúde) são muito cuidadosos, a intenção é muito boa, que não se coloque o paciente em risco. O ponto é que, se uma pesquisa já foi aprovada na Bélgica, nos Estados Unidos, na Suíça, poderia correr um rito sumário, porque é reavaliar uma coisa que já foi avaliada. Isso termina privando os pacientes no Brasil de receberem tratamentos experimentais. E tem outras situações. O dinheiro da pesquisa financia o sistema de saúde. Se fizer uma pesquisa no SUS, o sistema recebe para fazer tomografia, recebe pelo médico. Então, isso (a burocracia) bloqueia a entrada de dinheiro no sistema. E, quando compramos remédios, compramos por preços muito altos, grande parte desse preço é a pesquisa que está sendo paga. Só que a gente não participa, não recebe por ela. Só entramos na parte ruim da conta. Não geramos conhecimento. O currículo dos médicos termina sendo fraco nesse sentido.
“Cápsula da USP”
Fui convidado para debater a polêmica da fosfoetanolamina sintética na Câmara dos Deputados na semana que vem. De um lado, existem pessoas desesperadas, querendo receber qualquer tipo de tratamento; às vezes, as linhas de tratamento habituais se esgotaram para elas — se tivesse uma pesquisa clínica aberta, talvez entrassem. Por outro lado, existe um grupo de pesquisadores com uma molécula promissora, com estudos laboratoriais favoráveis, mas que não consegue testá-la. Aí, no meio disso, os mecanismos regulatórios não funcionaram nem para inibir a distribuição antes da validação nem para validar; ou seja, nem para fazer os estudos. Ficou um buraco entre uma molécula promissora e pacientes que precisam dela. Em vez de essa lacuna ser preenchida de forma habitual, por motivos vários, foi preenchida por forma alternativa, tomou um atalho. O problema é que ninguém posiciona que todo tipo de tratamento pode ter três resultados: ser inócuo, trazer benefício e trazer malefício. A gente precisava, pelo menos, de dados de segurança dessa substância. Naturalmente, o paciente chega aqui e diz que vai tomar, eu digo que a decisão é dele. Não posso prescrever, mas também não deixo de acompanhar, de atender o telefone... O paciente tem a liberdade dele, fico feliz de estar me contando porque anoto no prontuário e, aí, vamos tocar em frente. Este é um momento para discutir pesquisa. Na verdade, a discussão é essa. O que a gente vai fazer com o desenvolvimento de moléculas no Brasil, sejam elas nacionais ,sejam internacionais. Temos que juntar esses fatores e extrair uma coisa boa disso.
Ônus do envelhecimento
A incidência de câncer na população vai aumentando de uma forma clara com o envelhecimento. O que a gente tem é de aprender a lidar com o câncer. Há dados de estatísticas norte-americanas, mais precisas que as nossas, que indicam que um em cada dois homens americanos tem um diagnóstico de câncer ao longo da vida; uma em três mulheres também. Mas isso não como causa de mortalidade, só de diagnóstico. De fato, é uma doença que a incidência está aumentando muito, e o número de sobreviventes também. Antes, não era tão comum porque as pessoas morriam cedo, de tuberculose, de pneumonia, no primeiro infarto... Outra coisa é que, quando se começou a tratar os pacientes, o resultado era ruim. Hoje, as pessoas vivem mais, tratam mais.
Morte e serenidade
Existe uma luta contra a morte. A gente tem de lutar é pela vida, existe uma diferença razoável nisso. A gente precisa tentar estender a vida da pessoa o máximo possível, com qualidade e com as informações que o paciente precisa ter. Em nem todo tratamento o objetivo é curativo. A morte não é uma derrota, é uma parte inexorável da vida. Se puder adiá-la e com qualidade, tudo bem. Mas não é porque a pessoa tem uma doença incurável que ela é derrotada... Todo mundo vai ter uma doença incurável porque todo mundo precisa partir. Tudo o que o paciente menos precisa é se sentir derrotado. Há uma proporção de casos em que, mesmo que se faça tudo da maneira mais correta possível e que corra tudo da maneira mais adequada, pode dar errado. Esse é o ponto da medicina. Quando as coisas dão errado, é preciso que a gente assuma. Nem o médico é derrotado nem o paciente. Biologicamente, fomos programados para ir embora um dia. A gente fica sempre querendo ficar porque aqui está bom. Esse é um bom sinal. As pessoas gostam da vida e querem viver, mas a gente não pode estragar a vida delas para dar vida em tamanho, a gente tem de dar vida em qualidade. A medicina sempre tem algo a oferecer ao paciente. Pode não ter a cura, mas há o cuidado, o alívio dos sintomas, até mesmo um abraço. É uma questão de conceito. Se você encarar a morte como uma derrota, vai perder um dia, todo mundo vai.