Você precisa conhecer a sua vulva
Especialista afirma que muitas mulheres passam a conhecer a própria genitália apenas quando começam a apresentar problemas de incontinência urinária, após os 60 anos. O que se ganha quando se conhece? Você sabe de quantas partes é formada a vulva? E que a menstruação e o xixi saem por buracos diferentes?
Valéria Mendes - Saúde Plena
Publicação:25/11/2015 09:19Atualização: 25/11/2015 15:07
Série norte-americana de sucesso, Orange Is The New Black é uma trama que se desenrola dentro de uma prisão nos Estados Unidos. Para além da experiência da reclusão em si, aborda questões do universo feminino. Uma cena que pode se tornar um clássico da série resume a falta de familiaridade da mulher com a própria anatomia.
O episódio quatro da temporada dois, intitulado A Whole other Hole (que foi traduzido no Brasil por ‘O buraco é mais em cima’) mostra uma das personagens (Poussey, interpretada pela atriz Samira Wiley) chegando ao refeitório da prisão e mostrando às companheiras de cadeia a sua invenção: um apetrecho que a permitiria fazer xixi em pé e que tinha duas peças, um funil e um tubo. Quando questionada sobre a necessidade do funil por Taystee, vivida por Danielle Lee Brooks, Poussey responde que é por que o xixi não sai da vagina.
As detentas se surpreendem com a informação de Poussey e vão todas para o banheiro procurar o tal do buraco de onde sai o xixi. Na segunda cena, percebe-se que nem a própria Poussey, que ‘revelou’ a informação, sabia onde estava a uretra.
Surge em cena Sophia, uma mulher trans interpretada por Laverne Cox, que é quem realmente esclarece as dúvidas sobre a anatomia feminina.
Encontrar o orifício é motivo de comemoração para as personagens da série, mas Carmita Abdo, psiquiatra, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), fundadora e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex/FMUSP) afirma que, quando se fala em olhar para a própria vulva, colocar um espelhinho diante dela é uma surpresa desagradável para muitas mulheres. “Elas não apreciam, a maioria delas não gosta e essa visualização não as deixa satisfeitas”, afirma a especialista.
A especialista afirma que a genitália feminina ainda é motivo de dúvida e confusão. “Ainda existe o tabu da mulher em se tocar, se conhecer e examinar a própria genitália”, diz. Quase 53% das brasileiras solteiras, entre 18 e 25 anos, nunca se masturbaram, de acordo com pesquisa ‘Mosaico Brasil’, conduzida por Carmita.
Dessa forma, ainda é comum mulheres usarem a palavra vagina querendo se referir à vulva e muitas também não sabem que a uretra é um orifício diferente da vagina. Presidente da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), Aguinaldo Lopes, diz que não existem dados científicos para corroborar a falta de conhecimento da mulher em relação à própria anatomia. No entanto, segundo ele, esse desconhecimento é percebido nas consultas. “O grau de familiaridade com o próprio corpo não acompanhou a evolução do papel da mulher na sociedade e isso não tem relação com o nível sociocultural”, afirma.
Aguinaldo Lopes reforça que esse desconhecimento do próprio corpo pode estar associado às disfunções sexuais como a ausência de prazer e de orgasmo nas relações sexuais. “A anatomia genital feminina é ainda uma grande questão. Faltam informações sobre questões básicas, fato que tem gerado, inclusive, ao aumento no número de plásticas genitais. Criou-se um parâmetro de ‘normalidade’ em relação à vulva que não existe. Coloração, pelo, tamanho variam muito de mulher para mulher”, alerta.
O sexólogo Gerson Lopes afirma que a cena da série Orange Is The New Black não se trata de nenhuma disparidade. “Muitas mulheres contemporâneas não sabem também que o clitóris está acima da uretra”, afirma. Ele cita um estudo feito com 999 brasileiras que constatou que as mulheres conhecem menos a própria anatomia do que os parceiros delas. “É um estudo que foi feito há 15 anos, percebemos mudanças obviamente, mas que ainda são muito lentas. A mulher precisa legitimar seu corpo erótico sem ficar presa à ditadura da estética e higiene”, afirma. Veja a cena completa em inglês:
Para ele, a falta de orgasmo - uma das reclamações mais comuns nos consultórios juntamente com a falta de desejo sexual - tem relação com a ignorância em relação ao próprio corpo. Estudos mostram que as disfunções orgásmicas atingem 30% das mulheres.
Dados da Sociedade Internacional de Cirurgiões Plásticos Estéticos (ISAPS) evidenciam um aumento na procura pela cirurgia íntima entre as brasileiras. Dentro dessa categoria, a mais procurada pelas mulheres está a redução dos pequenos lábios vaginais (ninfoplastia ou labioplastia) e, segundo relatório divulgado no ano passado, o Brasil lidera esse tipo de procedimento. Segundo a ISAPS, os processos cirúrgicos de labioplastia passaram de 13.683, em 2013, para 15.872, em 2014. “Não existe um único modelo de genitália externa e, muito menos, uma aparência considerada certa ou errada. Vemos que o padrão mais ‘apreciado’ é o que mostra uma turgidez dos pequenos e grandes lábios, como se fosse uma genitália mais jovem e muitas mulheres têm buscado esse rejuvenescimento genital”, observa Carmita Abdo. E além da aparência, essa ‘busca’ pelo rejuvenescimento da vulva revela ainda um lado perverso: a infantilização do corpo da mulher adulta.
Autoconhecimento
Apesar de as mulheres se masturbarem 13 vezes menos que homens, conclusão também da pesquisa ‘Mosaico Brasil’, Carmita Adbo afirma que muito já tem se difundido sobre a importância do orgasmo para a mulher. “Da vulva, o clitóris é o órgão mais falado e difundido, já o de que a mulher tem dois orifícios (uretra e vagina) já não é tão difundido por ser um tema mais de anatomia e fisiologia do corpo feminino. É comum as mulheres pensarem que é um orifício comum (o do xixi e o da penetração) inclusive porque, no caso do homem, a uretra é por onde sai a urina e o sêmen”, pondera.
Para a professora da USP, é preciso que a mulher entenda que a masturbação é uma forma de autoconhecimento. “Ao se masturbar, a mulher entende como se excita. É uma etapa anterior à iniciação sexual”, diz.
Consulta com o ginecologista
O autoconhecimento parece ser a chave para uma vivência sexual prazerosa. Quando o assunto é sexo, muito se tem a ganhar quanto mais a pessoa se conhece. No entanto, a cultura machista ainda consegue imprimir controle na sexualidade feminina: seja na educação sexual repressora que é dada às meninas, no julgamento do comportamento sexual da mulher e também na objetificação e na hiperssexualização do corpo feminino. Por tudo isso, o corpo é um lugar de política e é preciso conhecê-lo bem para encarar a própria sexualidade com naturalidade.
O presidente da Sogimig acredita que é importante estimular na mulher a liberdade para esclarecer suas dúvidas. “Notamos uma consciência maior das mulheres em considerar a sexualidade como tema de consulta e expressar suas necessidades com o ginecologista. Uma das questões básicas no consultório é a estimulação clitoriana, como se fosse algo não aceito pela sociedade, como que se toque ao próprio corpo pudesse trazer prejuízos”, relata.
Para ele, a consulta ginecológica vai além da prevenção e contempla a sexualidade. Aguinaldo Lopes também é professor titular do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e afirma que, apesar de a visão holística do indivíduo (enxergar o ser humano em sua totalidade) estar no contexto da formação em medicina, ele reconhece que, no âmbito da sexualidade, é preciso avançar. “A sexualidade é um dos aspectos da saúde, mas só bem recentemente conseguimos ter um ambulatório de sexualidade no Hospital das Clínicas”, exemplifica.
Para a Carmita Abdo, a comunidade médica já está convencida de que a saúde sexual está vinculada à saúde física e emocional e “é parte importante da anamnese médica perguntar sobre a vida sexual da paciente e, quando a resposta é de insatisfação, o médico precisa dar andamento à queixa recebida. Dessa forma, o interesse pela área é crescente e tem-se valorizado esse tipo de conhecimento no Brasil”.
Gerson Lopes alerta ainda que não é raro a mulher conhecer a sua genitália depois dos 65 anos quando ela começa a apresentar problemas de incontinência urinária e vai necessitar de uma consulta com a fisioterapeuta. “E é só aí que ela vai descobrir a uretra e aprender a trabalhar a musculatura do assoalho pélvico. Hoje se fala tanto da importância da atividade física, mas a musculatura da genitália também precisa ser exercitada para uma boa experiência no sexo”, afirma.
O clitóris é a única parte do corpo cuja função exclusiva é proporcionar prazer. Disponível no Youtube, o documentário Clitóris: o prazer proibido desvenda tudo o que a ciência já descobriu sobre essa parte do corpo da mulher que, durante muito tempo, apareceu e desapareceu dos livros de anatomia ao longo dos séculos. Pesquisadora da Universidade de Melbourne, na Austrália, e uma das entrevistadas no filme, Helen O´Connell é considerada uma das especialistas do mundo em clitóris. Segundo ela, o órgão é maior do que se pensa e está relacionado a todo orgasmo feminino.
Faça como as meninas de 'Orange Is The New Black', pegue um espelhinho e conheça a sua vulva
O episódio quatro da temporada dois, intitulado A Whole other Hole (que foi traduzido no Brasil por ‘O buraco é mais em cima’) mostra uma das personagens (Poussey, interpretada pela atriz Samira Wiley) chegando ao refeitório da prisão e mostrando às companheiras de cadeia a sua invenção: um apetrecho que a permitiria fazer xixi em pé e que tinha duas peças, um funil e um tubo. Quando questionada sobre a necessidade do funil por Taystee, vivida por Danielle Lee Brooks, Poussey responde que é por que o xixi não sai da vagina.
As detentas se surpreendem com a informação de Poussey e vão todas para o banheiro procurar o tal do buraco de onde sai o xixi. Na segunda cena, percebe-se que nem a própria Poussey, que ‘revelou’ a informação, sabia onde estava a uretra.
Surge em cena Sophia, uma mulher trans interpretada por Laverne Cox, que é quem realmente esclarece as dúvidas sobre a anatomia feminina.
Encontrar o orifício é motivo de comemoração para as personagens da série, mas Carmita Abdo, psiquiatra, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), fundadora e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex/FMUSP) afirma que, quando se fala em olhar para a própria vulva, colocar um espelhinho diante dela é uma surpresa desagradável para muitas mulheres. “Elas não apreciam, a maioria delas não gosta e essa visualização não as deixa satisfeitas”, afirma a especialista.
A especialista afirma que a genitália feminina ainda é motivo de dúvida e confusão. “Ainda existe o tabu da mulher em se tocar, se conhecer e examinar a própria genitália”, diz. Quase 53% das brasileiras solteiras, entre 18 e 25 anos, nunca se masturbaram, de acordo com pesquisa ‘Mosaico Brasil’, conduzida por Carmita.
Dessa forma, ainda é comum mulheres usarem a palavra vagina querendo se referir à vulva e muitas também não sabem que a uretra é um orifício diferente da vagina. Presidente da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), Aguinaldo Lopes, diz que não existem dados científicos para corroborar a falta de conhecimento da mulher em relação à própria anatomia. No entanto, segundo ele, esse desconhecimento é percebido nas consultas. “O grau de familiaridade com o próprio corpo não acompanhou a evolução do papel da mulher na sociedade e isso não tem relação com o nível sociocultural”, afirma.
Aguinaldo Lopes reforça que esse desconhecimento do próprio corpo pode estar associado às disfunções sexuais como a ausência de prazer e de orgasmo nas relações sexuais. “A anatomia genital feminina é ainda uma grande questão. Faltam informações sobre questões básicas, fato que tem gerado, inclusive, ao aumento no número de plásticas genitais. Criou-se um parâmetro de ‘normalidade’ em relação à vulva que não existe. Coloração, pelo, tamanho variam muito de mulher para mulher”, alerta.
O sexólogo Gerson Lopes afirma que a cena da série Orange Is The New Black não se trata de nenhuma disparidade. “Muitas mulheres contemporâneas não sabem também que o clitóris está acima da uretra”, afirma. Ele cita um estudo feito com 999 brasileiras que constatou que as mulheres conhecem menos a própria anatomia do que os parceiros delas. “É um estudo que foi feito há 15 anos, percebemos mudanças obviamente, mas que ainda são muito lentas. A mulher precisa legitimar seu corpo erótico sem ficar presa à ditadura da estética e higiene”, afirma. Veja a cena completa em inglês:
Para ele, a falta de orgasmo - uma das reclamações mais comuns nos consultórios juntamente com a falta de desejo sexual - tem relação com a ignorância em relação ao próprio corpo. Estudos mostram que as disfunções orgásmicas atingem 30% das mulheres.
Dados da Sociedade Internacional de Cirurgiões Plásticos Estéticos (ISAPS) evidenciam um aumento na procura pela cirurgia íntima entre as brasileiras. Dentro dessa categoria, a mais procurada pelas mulheres está a redução dos pequenos lábios vaginais (ninfoplastia ou labioplastia) e, segundo relatório divulgado no ano passado, o Brasil lidera esse tipo de procedimento. Segundo a ISAPS, os processos cirúrgicos de labioplastia passaram de 13.683, em 2013, para 15.872, em 2014. “Não existe um único modelo de genitália externa e, muito menos, uma aparência considerada certa ou errada. Vemos que o padrão mais ‘apreciado’ é o que mostra uma turgidez dos pequenos e grandes lábios, como se fosse uma genitália mais jovem e muitas mulheres têm buscado esse rejuvenescimento genital”, observa Carmita Abdo. E além da aparência, essa ‘busca’ pelo rejuvenescimento da vulva revela ainda um lado perverso: a infantilização do corpo da mulher adulta.
Autoconhecimento
Apesar de as mulheres se masturbarem 13 vezes menos que homens, conclusão também da pesquisa ‘Mosaico Brasil’, Carmita Adbo afirma que muito já tem se difundido sobre a importância do orgasmo para a mulher. “Da vulva, o clitóris é o órgão mais falado e difundido, já o de que a mulher tem dois orifícios (uretra e vagina) já não é tão difundido por ser um tema mais de anatomia e fisiologia do corpo feminino. É comum as mulheres pensarem que é um orifício comum (o do xixi e o da penetração) inclusive porque, no caso do homem, a uretra é por onde sai a urina e o sêmen”, pondera.
Para a professora da USP, é preciso que a mulher entenda que a masturbação é uma forma de autoconhecimento. “Ao se masturbar, a mulher entende como se excita. É uma etapa anterior à iniciação sexual”, diz.
Consulta com o ginecologista
O autoconhecimento parece ser a chave para uma vivência sexual prazerosa. Quando o assunto é sexo, muito se tem a ganhar quanto mais a pessoa se conhece. No entanto, a cultura machista ainda consegue imprimir controle na sexualidade feminina: seja na educação sexual repressora que é dada às meninas, no julgamento do comportamento sexual da mulher e também na objetificação e na hiperssexualização do corpo feminino. Por tudo isso, o corpo é um lugar de política e é preciso conhecê-lo bem para encarar a própria sexualidade com naturalidade.
O presidente da Sogimig acredita que é importante estimular na mulher a liberdade para esclarecer suas dúvidas. “Notamos uma consciência maior das mulheres em considerar a sexualidade como tema de consulta e expressar suas necessidades com o ginecologista. Uma das questões básicas no consultório é a estimulação clitoriana, como se fosse algo não aceito pela sociedade, como que se toque ao próprio corpo pudesse trazer prejuízos”, relata.
Para ele, a consulta ginecológica vai além da prevenção e contempla a sexualidade. Aguinaldo Lopes também é professor titular do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e afirma que, apesar de a visão holística do indivíduo (enxergar o ser humano em sua totalidade) estar no contexto da formação em medicina, ele reconhece que, no âmbito da sexualidade, é preciso avançar. “A sexualidade é um dos aspectos da saúde, mas só bem recentemente conseguimos ter um ambulatório de sexualidade no Hospital das Clínicas”, exemplifica.
Para a Carmita Abdo, a comunidade médica já está convencida de que a saúde sexual está vinculada à saúde física e emocional e “é parte importante da anamnese médica perguntar sobre a vida sexual da paciente e, quando a resposta é de insatisfação, o médico precisa dar andamento à queixa recebida. Dessa forma, o interesse pela área é crescente e tem-se valorizado esse tipo de conhecimento no Brasil”.
Gerson Lopes alerta ainda que não é raro a mulher conhecer a sua genitália depois dos 65 anos quando ela começa a apresentar problemas de incontinência urinária e vai necessitar de uma consulta com a fisioterapeuta. “E é só aí que ela vai descobrir a uretra e aprender a trabalhar a musculatura do assoalho pélvico. Hoje se fala tanto da importância da atividade física, mas a musculatura da genitália também precisa ser exercitada para uma boa experiência no sexo”, afirma.
O clitóris é a única parte do corpo cuja função exclusiva é proporcionar prazer. Disponível no Youtube, o documentário Clitóris: o prazer proibido desvenda tudo o que a ciência já descobriu sobre essa parte do corpo da mulher que, durante muito tempo, apareceu e desapareceu dos livros de anatomia ao longo dos séculos. Pesquisadora da Universidade de Melbourne, na Austrália, e uma das entrevistadas no filme, Helen O´Connell é considerada uma das especialistas do mundo em clitóris. Segundo ela, o órgão é maior do que se pensa e está relacionado a todo orgasmo feminino.