Pesquisa afirma que comer sobremesa ajuda a emagrecer
Estudo foi feito em ratos, mas autores consideram resultados relevantes para serem investigados em humanos: os animais cuja dieta incluía açúcar tendiam a adiar mais a hora de fazer a próxima refeição
Vilhena Soares - Correio Braziliense
Publicação:25/11/2015 14:30Atualização: 25/11/2015 14:28
Não se trata de uma conclusão absurda nem de mágica alguma. O que os cientistas notaram no laboratório é que os animais cuja dieta incluía açúcar tendiam a adiar mais a hora de fazer a próxima refeição. Em outras palavras, o doce gerava uma satisfação que influenciava os roedores a comerem menos. Na análise, os responsáveis pela investigação concluíram que esse efeito se deve à formação de uma memória episódica do ato de comer. “Memória episódica é a memória autobiográfica de eventos que ocorreram com você — o quê, como, onde e quando. É muito comum que apresente problemas com o envelhecimento ou devido a uma variedade de doenças”, explica ao Correio Marise Parent, professora no Instituto de Neurociência da Universidade do Estado da Geórgia e principal autora do estudo.
Com sua equipe, ela conduziu o experimento em que alguns ratos eram avaliados depois de serem alimentados com uma bebida que continha sacarose. O grupo notou que o consumo da bebida açucarada gerava, nos neurônios do hipocampo dorsal, um aumento significativo da expressão do marcador da plasticidade sináptica, chamado de proteína associada ao citoesqueleto regulada por atividade (ARC). Como a plasticidade sináptica é um processo necessário para a formação de memórias, o aumento desse marcador serviu de indicativo de que uma lembrança estava sendo gerada após a ingestão do doce.
Se esses ratos se sentem satisfeitos por mais tempo, a explicação pode estar, então, justamente na lembrança gerada. “Nós acreditamos que a memória episódica pode ser usada para controlar o comportamento de comer. Ela é responsável por decisões que tomamos, como quando pensamos: ‘Eu provavelmente não vou comer agora, pois eu tomei um poderoso café da manhã’. Tomamos decisões assim com base em nossa memória, com base no que e em quando comemos”, afirma Parent.
As conclusões são apoiadas em outros experimentos, nos quais os neurônios do hipocampo dorsal de cobaias foram desativados. Nesse caso, mesmo após uma refeição com sacarose, os ratos sentiam vontade de voltar a comer mais rapidamente. E um outro trabalho, realizado por cientistas londrinos, mostrou que interromper a codificação da memória de uma refeição em seres humanos, com ações como assistir à televisão, aumentou a quantidade de alimentos que eles consumiam durante a próxima refeição.
Contradições
Para Amauri Araújo Godinho, médico neurologista e neurocirurgião do Hospital Santa Lúcia, a pesquisa americana investiga uma relação já conhecida na neurologia entre as emoções e a memória. “O trabalho mostrou uma atividade das células do hipocampo, que são estimuladas por atividades prazerosas, como comer doces. E nossa memória está muito ligada às emoções. Geralmente nos lembramos daquilo que possui um ‘colorido’ emocional. Já que o doce nos dá prazer, lembramos dele com mais facilidade”, avalia o especialista, que não participou do estudo.
No entanto, apesar de o trabalho ter ressaltado a ligação entre o consumo do açúcar e as lembranças, o especialista não acredita que a ingestão de doces possa aumentar o intervalo entre uma refeição e outra. “Nós tendemos a ter um comportamento aditivo (de vício) para aquilo que nos faz sentir prazer, sempre querendo mais. Então, comer doces não quer dizer que você retarde a necessidade da comida; é contraditório. Fora que, dentro dessas questões, entram outras ações além do comportamento biológico. O discernimento de não comer mais, por exemplo, nem todo mundo tem”, argumenta Godinho.
Os autores do estudo reconhecem que mais investigações são necessárias para que se possa confirmar que o mesmo aconteça em humanos, o que eles pretendem fazer. “Nossa suposição é de que observaremos o efeito da sacarose também em humanos. Queremos analisar outras substâncias presentes em alimentos muito consumidos, como proteínas, gorduras e hidratos de carbono, para ver se eles podem ter a mesma ação”, adianta Parent. Ela acredita que, ao entender como o cérebro processa informações ligadas à alimentação, mais possibilidades para tratar problemas como a obesidade podem surgir. A cientista também destaca que o número de refeições realizadas entre os americanos tem aumentado, o que indicaria um risco maior de problemas de excesso de peso.
Amauri Godinho ressalta, contudo, que o número de vezes que alguém come não é determinante de obesidade. Mas ele acredita que pesquisas que buscam decifrar o funcionamento do cérebro podem ser de grande ajuda na área médica. “Temos muitos trabalhos surgindo nessa área e eles prometem auxiliar especialistas no futuro. Há uma investigação muito interessante, por exemplo, que agiria como uma neurocirurgia bariátrica, ao promover uma lesão no cérebro em determinada área para que a pessoa sentisse menos fome. Apesar desses avanços, muita pesquisa ainda precisa ser feita, já que é perigoso mexermos em uma área e afetar outra. É preciso investigar as consequências futuras”, diz o brasileiro.
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Não se trata de uma conclusão absurda nem de mágica alguma. O que os cientistas notaram no laboratório é que os animais cuja dieta incluía açúcar tendiam a adiar mais a hora de fazer a próxima refeição. Em outras palavras, o doce gerava uma satisfação que influenciava os roedores a comerem menos. Na análise, os responsáveis pela investigação concluíram que esse efeito se deve à formação de uma memória episódica do ato de comer. “Memória episódica é a memória autobiográfica de eventos que ocorreram com você — o quê, como, onde e quando. É muito comum que apresente problemas com o envelhecimento ou devido a uma variedade de doenças”, explica ao Correio Marise Parent, professora no Instituto de Neurociência da Universidade do Estado da Geórgia e principal autora do estudo.
Com sua equipe, ela conduziu o experimento em que alguns ratos eram avaliados depois de serem alimentados com uma bebida que continha sacarose. O grupo notou que o consumo da bebida açucarada gerava, nos neurônios do hipocampo dorsal, um aumento significativo da expressão do marcador da plasticidade sináptica, chamado de proteína associada ao citoesqueleto regulada por atividade (ARC). Como a plasticidade sináptica é um processo necessário para a formação de memórias, o aumento desse marcador serviu de indicativo de que uma lembrança estava sendo gerada após a ingestão do doce.
Marise Parent, professora no Instituto de Neurociência da Universidade do Estado da Geórgia
As conclusões são apoiadas em outros experimentos, nos quais os neurônios do hipocampo dorsal de cobaias foram desativados. Nesse caso, mesmo após uma refeição com sacarose, os ratos sentiam vontade de voltar a comer mais rapidamente. E um outro trabalho, realizado por cientistas londrinos, mostrou que interromper a codificação da memória de uma refeição em seres humanos, com ações como assistir à televisão, aumentou a quantidade de alimentos que eles consumiam durante a próxima refeição.
Contradições
Para Amauri Araújo Godinho, médico neurologista e neurocirurgião do Hospital Santa Lúcia, a pesquisa americana investiga uma relação já conhecida na neurologia entre as emoções e a memória. “O trabalho mostrou uma atividade das células do hipocampo, que são estimuladas por atividades prazerosas, como comer doces. E nossa memória está muito ligada às emoções. Geralmente nos lembramos daquilo que possui um ‘colorido’ emocional. Já que o doce nos dá prazer, lembramos dele com mais facilidade”, avalia o especialista, que não participou do estudo.
No entanto, apesar de o trabalho ter ressaltado a ligação entre o consumo do açúcar e as lembranças, o especialista não acredita que a ingestão de doces possa aumentar o intervalo entre uma refeição e outra. “Nós tendemos a ter um comportamento aditivo (de vício) para aquilo que nos faz sentir prazer, sempre querendo mais. Então, comer doces não quer dizer que você retarde a necessidade da comida; é contraditório. Fora que, dentro dessas questões, entram outras ações além do comportamento biológico. O discernimento de não comer mais, por exemplo, nem todo mundo tem”, argumenta Godinho.
Os autores do estudo reconhecem que mais investigações são necessárias para que se possa confirmar que o mesmo aconteça em humanos, o que eles pretendem fazer. “Nossa suposição é de que observaremos o efeito da sacarose também em humanos. Queremos analisar outras substâncias presentes em alimentos muito consumidos, como proteínas, gorduras e hidratos de carbono, para ver se eles podem ter a mesma ação”, adianta Parent. Ela acredita que, ao entender como o cérebro processa informações ligadas à alimentação, mais possibilidades para tratar problemas como a obesidade podem surgir. A cientista também destaca que o número de refeições realizadas entre os americanos tem aumentado, o que indicaria um risco maior de problemas de excesso de peso.
Amauri Godinho ressalta, contudo, que o número de vezes que alguém come não é determinante de obesidade. Mas ele acredita que pesquisas que buscam decifrar o funcionamento do cérebro podem ser de grande ajuda na área médica. “Temos muitos trabalhos surgindo nessa área e eles prometem auxiliar especialistas no futuro. Há uma investigação muito interessante, por exemplo, que agiria como uma neurocirurgia bariátrica, ao promover uma lesão no cérebro em determinada área para que a pessoa sentisse menos fome. Apesar desses avanços, muita pesquisa ainda precisa ser feita, já que é perigoso mexermos em uma área e afetar outra. É preciso investigar as consequências futuras”, diz o brasileiro.